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  • cleverfernandes196

VIVER ENTRE NOITES E DESERTOS

VIVER ENTRE NOITES E DESERTOS

A letra da música Lanterna dos afogados começa dizendo:

“Quando está escuro

E ninguém te ouve

Quando chega a noite

E você pode chorar

Há uma luz no túnel

Dos desesperados

Há um cais de porto

Pra quem precisa chegar”

Herbert Viana revela que essa música foi inspirada na vida de mulheres de pescadores, que ficam todas as noites aguardando o retorno dos seus maridos das perigosas pescarias do alto mar. Algo singular, que com a produção artística tornou-se universal. Nela o compositor traduziu e sintetizou, a partir da vivencia dessas mulheres dos pescadores, alguns dos mais potentes sentimentos humanos: a angústia, o desespero e a esperança. A angústia e o desespero das noites solitárias e frias, onde ninguém pode nos ouvir. Onde podemos chorar. A noite como representação do deserto de nossas almas, a expressão do próprio deserto existencial. A vida é um projeto subjetivo e intransferível, ninguém pode viver a vida de ninguém. Temos apenas a nossa vida para viver. Nas noites e nos desertos podemos chorar e com isso quem sabe aliviar um pouco da angústia e do desespero, da sensação de abandono. Mas, a vida não se reduz a isso, no deserto temos oásis e, também, nas noites escuras temos uma luz sinalizando a existência de um porto. Existe um porto onde podemos abandonar nossa solidão, onde podemos ancorar e compartilhar um pouco de nossas angústias e medos existenciais. O nome deste porto é amor. Essa letra revela a angústia das mulheres dos pescadores do alto mar, que todos as noites ficam no cais do porto na expectativa de rever seus amados retornando após uma noite de trabalho. Elas com as lanternas nas mãos sinalizam para os seus amores onde fica o porto seguro, local do descanso e quem sabe o de esquecer os perigos vividos no alto mar. A vida é perigosa, nos diz o grande mineiro Guimarães Rosas. A postura dessas mulheres foi poeticamente descrita por Herbert Viana, nos seguintes versos:

“Eu estou na Lanterna dos Afogados

Eu estou te esperando

Vê se não vai demorar”

Elas ficam com as lanternas nas mãos sinalizando a direção do amor, na esperança do retorno breve do amado. Ação movida pelo sentido. Podemos até reconhecer que a vida é curta, mas também temos que aceitar que as noites são longas e frias, não só para essas mulheres dos pescadores, mas para todos nós que de uma forma ou de outra sentimos a angústia do viver. A vida apesar de sua brevidade, nas longas noites frias e desérticas, poderá ter sentido quando temos lanternas sinalizando um cais de porto para chegarmos, depois uma longa e cansativa viagem. Afinal, viver não é só suportar sofrimentos das noites e desertos da vida. A vida é também oportunidade para vivermos as alegrias, que aumentam nossa potência de agir; assim, precisamos manter os olhos bem abertos para enxergarmos as luzes das lanternas dos afogados nos indicando um porto e, ao mesmo tempo, devemos lançar nossas luzes para indicar o cais de porto que somos.

Quero agradecer ao amigo e colaborador Nertan Silva-Maia pela ilustração intitulada LUZ NO CAIS,

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