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  • cleverfernandes196

O RISCO DA IMPACIÊNCIA

Ter paciência é sinal de sabedoria, pois, quando a temos evitamos muitos contratempos, conflitos e confusões, ela nos controla do desejo de dominar e desrespeitar o outro. A paciência é anti-fascista, por isso o grito por uma vida não fascista é o apelo a paciência. A impaciência é o opostos disso, pois o impaciente, como todo fascista, deseja impor ao outro a sua ritmicidade existencial, o que é uma violência. Para evitar isso, é fundamental reconhecer que cada coisa tem o seu ritmo, cada pessoa sabe a força que tem para carregar os fardos da vida. Como escreveu o poeta Caetano Veloso: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” . Quando não respeitamos o tempo do outro, ou tentamos impor ao outro uma carga que ele não vai suportar, podemos produzir uma deformação e/ou podemos esmaga-lo com o peso excessivo. O escrito grego Nikos Kazantzákis, em sua obra Zorba: o Grego, descreveu essa situação de forma brilhante, veja o que ele escreveu sobre o risco da impaciência:

“Lembrei-me de uma manhã em que encontrei um casulo preso à casca de uma árvore, no momento em que a borboleta rompia o invólucro e se preparava para sair. Esperei algum tempo, mas estava com pressa e ele demorava muito. Envervado, debrucei-me e comecei a esquentá-lo com meu sopro. Eu o esquentava, impaciente, e o milagre começou a desfiar diante de mim em ritmo mais rápido que o natural. Abriu-se o invólucro e a borboleta saiu, arrastando-se. Não esquecerei jamais o horror que tive então: suas asas ainda não se haviam formado, e com todo o seu pequeno corpo trêmulo ela se esforçava para desdobrá-las. Debruçado sobre ela, eu ajudava com meu sopro. Em vão. Um paciente amadurecimento era necessário, e o crescimento das asas se devia fazer lentamente ao sol; agora era muito tarde. Meu sopro havia obrigado a borboleta a se mostrar, toda enrugada, antes do tempo. Ela se agitou, desesperada, e alguns segundos depois morreu na palma de minha mão. Creio que esse pequeno cadáver é o maior peso que tenho na consciência. Pois, compreendo atualmente, é um pecado mortal violar as leis da natureza. Não devemos apressar-nos, nem impacientar-nos, mas seguir com confiança o ritmo eterno” (KAZANTZÁKIS, 1974, p.151-2).

Após essa delicada narrativa, Kazantzákis reconhece nela uma metáfora sobre a vida, e diz que aquele acontecimento mostrou que não podemos acelerar o ritmo das coisas, devemos respeitar a ritmicidade existencial de todos os seres. Temos que aceitar que não estamos no controle do tempo, pois o impaciente luta contra o fluir natural do tempo, num “desejo indiscreto de capturar o futuro”, e isso é tolice. Numa visão holística, temos que respeitar com confiança o ritmo do cosmos. Paciência cósmica para evitar dessabores. Assim, podemos afirmar que a impaciência, a pressa, e o imediatismo podem provocar dores e sofrimentos atrozes. Existe uma leveza na paciência, pois a impaciência, a preocupação e a ansiedade são partes do grande peso da vida. Precisamos evitar a atitude impaciente do personagem de Kazantzákis por duas razões: por nós mesmos, para não ficarmos com a consciência afetada e ou pesada; e pelo outro, para não produzir dor desnecessárias a nada e a ninguém. Além disso, o impaciente é uma pessoa afetada por afetos tristes, como ninguém está no controle de nada, e a impaciência é fruto do desejo do dominio, essa pessoa vive com raiva, ira e ódio das ações dos outros. Existe um ritmo de cada coisa e de cada pessoal. O risco da impaciência é a tristeza.

KAZANTZAKIS, Nikos. Zorba, o Grego. São Paulo: Abril Cultural, 1.

[Desenho do meu amigo Nertan Silva-Maia, intitulado DESEJO INDISCRETO DE CAPTURAR O FUTURO].

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