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cleverfernandes196

A VIDA COMO LUTA E COMPETIÇÃO

Existe uma visão comum de que a vida é uma competição, ou pior uma prática comum transformando a vida em uma disputa estupida. Movidos e alimentados por essa ideia e por essa prática, as pessoas como loucas se batem, se debatem e gastam a vida toda e toda a vida para efetivar uma batalha contra os outros na tentativa de se dar bem na vida. Mas o que significa se dar bem na vida? Acredito que muitas das dores e sofrimentos da vida estão ligada à essa falsa ideia que nascemos para competir com os outros, ou contra os outros. A vida como luta, como batalha, como guerra de todos contra todos. Quando nascemos e durante toda nossa formação infantil, no seio familiar e na escola, ouvimos frases, que nos condiciona a essa visão competitiva na e da vida, tais como: nasceu pra vencer, vai ser um vencedor na vida, este tem pinta de campeão, tem que lutar para ter sucesso na vida, se você não batalhar vai ficar pra trás, você tem que estudar para ser alguém na vida, entre outras pérolas belicosas que transformam a existência numa luta frenética. E o pior é que essa neuro-programação tem muita força e as pessoas vivem a vida como se estivessem mesmo num campo de batalha, muitos usam de todas as armas para ganhar. No mundo competitivo, para vencer vale tudo. O que provoca dores e sofrimentos de várias ordens. As dores estão ligadas a pelo menos duas coisas, por um lado, a dor de sentir-se derrotado e, por outro, a dor da solidão, pois num mundo bélico, não existe espaço para solidariedade, amizade e fraternidade. O capitalismo é o sistema de força, vence quem tem mais munição e, com isso, em parte ressuscita o estado de natureza hobbesiano, no capitalismo selvagem o homem é lobo do homem.

Essa vida competitiva é uma máquina de produção de dores, sofrimentos e angústias. As pessoas são iludidas que o sucesso é para todos, porém esquecem que na dinâmica da luta pelo sucesso existe sempre uma legião de derrotados. O sucesso não é para todos, pois se todos conquistassem o sucesso ele deixaria de ser sucesso, além disso, a conquista dura dele não é a certeza da felicidade. A angústia produzida durante o processo da conquista do lugar ao sol, seja na corporações privadas ou nos órgãos públicos via insanos, e algumas vezes fraudulentos, concursos públicos, não abandonará a pessoa. A angústia nos acompanhará sempre. O preço a pagar por este lugar ao sol é muito alto.  Sacrifícios de toda sorte são realizados com o objetivo de vencer na vida. O que alimenta essa disputa e da força nos momentos de desânimo e medo do fracasso, é a esperança, essa alegria flutuante originada pela imagem do sucesso futuro, mas que é evanescente, desaparece muito rápido com a presença do espectro do medo da derrota. Os amigos e parentes próximos dizem frases de apoio para motivar e energizar o guerreiro para seguir na batalha. Esses lutadores do sucesso na vida, renunciam ao convívio com os familiares e amigos, para se dedicarem a horas sem fim de estudo. Esse sacrifício e dedicação só acontece porque sonham com  uma vaga num concurso publico ou com a promoção numa empresa privada. A motivação é a competição e a comparação, pois se outros conseguiram -pensam os guerreiros – também conquistarei, fecham os olhos para os derrotados, que também são produzidos nessa luta insana. A vida torna-se um fardo doloroso, o pensador Slavoj Zizek disse que “estamos presos em uma competição doentia, uma rede absurda de comparações com os demais. Não prestamos atenção suficiente no que nos faz sentir bem porque estamos obcecados medindo se temos mais ou menos prazer do que o restante“. Nossa vida singular é desgastada sendo comparada com as dos outros. O sonho do crescimento e desenvolvimento para ter uma vida melhor forjada na educação familiar e escolar produz neuróticos obcecados pela vida alheia. Somos escravos dessa mentalidade.

Essa ideia de que temos que conquistar, desenvolver, progredir e crescer na vida neste sistema está ligado apenas a questão financeira… O vale quanto pesa é a tônica. Desenvolver financeiramente, conquistar maior poder de consumo, essa é a visão de que alguém progrediu nessa tribo. A pessoa de sucesso nessa tribo preciso assumir uma conduta e ter os signos dessa vida social. Este signos de sucesso e pertencimento foi cantada pelo Renato Russo, em seu punk rock Química:

“se você quiser entrar na tribo Aqui no nosso Belsen tropical Ter carro do ano, TV a cores, pagar impostos, ter pistolão Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão.

Você tem que passar no vestibular”.

Sem este signos você estará fora, não conquistou o progresso social e por isso seguirá com um gosto amargo na boca. O gosto da derrota, o sabor de fel. Triste vida, essa encarada como uma disputa, uma luta, uma guerra… essa visão reducionista que acredita que o valor humano se traduz na sua conta bancária… vale quanto pesas. Como escapar dessa ditadura financeira? Como deixar de aceitar que as pessoas não são especiais pelo que podem consumir? Não somos melhores porque podemos comprar tudo que desejamos. O sistema capitalista produziu essa mentalidade que somos mais e melhores quando somos agentes produtores e consumidores de bens e produtos, mas o ser humano não é apenas bidimensional, além dessas dimensões temos múltiplas dimensões. E essas outras dimensões não tem valor monetário. Na verdade, as melhores coisas da vida não se compram com dinheiro. No mundo da conquista da independência financeira, na luta do vale tudo, perdemos a oportunidade de solidificamos as relações afetivas. Afeto é ação, as relações afetivas são ações cotidianas que produzem vínculos entre pessoas, vínculos frutos da liberdade. Amor é liberdade. Nessa dinâmica afetiva somos ativos na edificação das relações, ao contrário das relações passionais. A paixão não é ação, um ser apaixonado é um ser passivo. A paixão pelo sucesso, pelo dinheiro, por qualquer coisa é escravidão. Se o amor é liberdade, a paixão é escravidão. As pessoas são programas no sistema capitalista para se tornar escravos da luta pelo dinheiro, escravos da competição sem fim. Escravos da ambição. A vida não pode ser reduzida a luta, a guerra, a competição por riquezas. Existe algo a mais na vida do que a conquista de riquezas. Existe uma felicidade no viver longe dessa lógica capitalista.

[Desenho do meu amigo Nertan Silva-Maia, intitulado A MÁQUINA DE DORES]

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