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  • cleverfernandes196

VIDA FELIZ É VIDA SEM ÓDIO

Para Espinosa o ódio e o remorso são os “maiores inimigos do gênero humano” e, por isso, é necessário ter força para não nos tornarmos pessoas reativas, que agem sempre movidas pela má-fé, vingança, medo, ressentimento ou pena. O ser reativo é triste, pois ninguém vive bem alimentado pelo rancor, ódio e seus similares, e ser levado por este sentimento é um grande risco, pois o ódio liberta a besta fera que dormita no universo interior de todos nós, ela sai e ataca com toda violência, como uma explosão. Naquele instante que somos afetados pelo ódio não temos controle, acionamos todas as nossas energias para revidar, afastar, eliminar e destruir aquilo que odiamos, ele nos faz tristes e muito mais agressivos do que imaginamos ser. De acordo com Sêneca, não podemos negar que fomos afetados por ele, pois, “quando o sangue respira o ódio, não pode dissimular-se”, e “não existe autoridade que pode controla-lo”. As pessoas são comumente dissimuladas, mas ninguém consegue dissimular este sentimento. Além da agressividade, por causa dele, ficamos racionalmente cegos, fechamos os olhos para as explicações mais simples, e não aceitamos a complexidades dos acontecimentos e dos fatos. E, por isso, na incapacidade de usar a argumentação recorremos aos gritos demonstrando o descontrole e desequilíbrio emocional. A violência verbal é o primeiro sinal da explosão raivosa, o ódio no seu nascedouro, depois dessa expressão muitas vezes a pessoa passa para agressão física. Desta forma, o ódio é agente destruidor da vida. O estranho é que ninguém deseja viver do ódio, mas muitas pessoas não percebem que é muito fácil não alimentar esse sentimento. Basta se afastar do agente externo produtor da tristeza. Como o pensador de Amsterdam escreveu: “ninguém possa desejar viver bem, agir bem e ser feliz sem desejar viver, agir e ser, isto é, existir em ato”. Para viver uma vida livre e feliz precisamos evitar esta paixão triste, o ódio, e alimentar a vida com a alegria. Porém, não existe possibilidade de eliminar nem uma nem outra. A alegria e a tristeza são estados da alma e do corpo, produzidos com a contribuição de algo externo a nós e pelos quais nossa potência de agir é aumentada ou diminuída, é assim que Espinosa define, em sua Ética, a alegria e a tristeza: “A alegria é um afeto pelo qual a potência de agir do corpo é aumentada ou estimulada. A tristeza, em troca, é um afeto pelo qual a potência de agir do corpo é diminuída ou refreada. Portanto, a alegria é diretamente boa” (ÉTICA, parte IV, proposição 41.) e, assim, é possível considerar que a Alegria é animação, enquanto, a tristeza é desânimo, provocado por causas externas. E por estas causas externas “somos impelidos para cá e para lá, como as ondas do mar por ventos conflitantes, e não sabemos o que será de nós.” Ficamos em uma constante oscilação entre momentos de prazer, alegria; e, momentos de dor, tristeza. Entretanto, pela ação produtiva da alegria, Espinosa afirma que, “nada se apodera da alma com mais força do que a alegria que nasce da devoção, quer dizer, simultaneamente do amor e da admiração” (ESPINOSA, Tratado Teológico-Político, Cap. XVII, §.25), pois, a admiração e o amor são alegrias acompanhadas de uma ideia de uma causa exterior, algo nos afeta, e esta afecção gera o amor e a admiração simultaneamente, pois indissociáveis, uma vez que, só existe amor com admiração, e só existe admiração com amor. Em outras palavras, quando alguém nos afeta de alegria, somos impelidos, a partir desta alegria, a amá-lo e admirá-lo, simultaneamente, pois ninguém ama sem admiração e ninguém admira sem amar. Veja bem, não existe uma causalidade mecânica nesta situação, não amamos primeiro e depois admiramos ou o contrário, as coisas acontecem simultaneamente. O amor e admiração, admiração e amor… Se não admiro, não amo, e se não amo não admiro. Essa ideia da vida feliz é uma vida sem ódio, não é originalmente de Espinosa. É possível ver indícios dessa ideia em alguns filósofos antigos, em particular o atomista Demócrito, os Estoicos e o Epicurismo. É possível pensar num tipo de aliança entre Espinosa e este pensadores. Para Demócrito o mais elevado bem da vida é a felicidade, e ela não se encontra nos bens materiais (fragmento, fr.171), pois a felicidade e infelicidade humana reside apenas em nosso universo interior (fr. 170). Por isso, convêm cuidar mais da beleza interior do que da beleza corporal, pois a excelência do primeiro corrige a fraqueza do segundo e nunca o contrário (fr. 187), isto é, a beleza interior ilumina o corpo, entretanto a beleza corporal não muda em nada as trevas do mundo interior. Esta beleza se conquista com práticas virtuosas, e essas edificam na vida um tipo de estética da existência. A estilização na e da vida acontecerá no processo educacional que, para Demócrito, iniciará na infância (fr. 186) e acompanhará toda a vida. Vida bela é uma vida virtuosa. Ele estabelece que o caminho para a alegria está na moderação e na utilidade e, para ele, “os limites do que é útil e não, são o prazer e o desprazer” (fr. 188). Assim, para que tenhamos o máximo de alegria e o mínimo de tristeza temos que evitar os prazeres efêmeros (fr. 189) e abraçar os perenes. Por isso, “não se deve aspirar indiferentemente a todos o prazer, mas somente o prazer do belo” (fr. 207). Então, sabendo escolher os prazeres úteis e agindo com moderação teremos muitas chances de conquistarmos uma vida feliz, pois conquistaremos aquilo que é fundamental: a tranquilidade, que provém da moderação no prazer e da justa medida na vida, pois a deficiência e o excesso provocam desequilíbrio, perturbação e agitação em nosso universo interior e, consequentemente, pessoas em constate movimentação de um extremo ao outro, não são constantes em nada e nem contentes em nada (fr. 191). Vida feliz impõe equilíbrio e moderação, que são virtudes fundamentais. Na perspectiva do mestre EPICURO, a filosofia dissolve todo desejo incômodo e inquietações de nosso universo interior, por isso, nunca é cedo e nunca será tarde para se iniciar nesta maravilhosa arte, e conquistar a saúde da alma, por isso ele escreveu: “Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz”. Nesse sentido, para ele, a filosofia deve servir para que possamos alcançar a liberdade e, com ela, a felicidade. E, como “o essencial para a nossa felicidade é a nossa condição íntima”, temos que ter muito cuidado na gestão deste universo interior, mas, o bom é que dele somos senhores e isso facilita o processo. Assim, não podemos ter uma postura passiva, pois, não somos servos da turbulência de desejos que temos diariamente, porém, isso só acontece quando utilizamos nossa habilidade filosofante para conquistar o que torna a vida agradável: a serenidade, ou seja, a ausência de perturbação interior. Neste sentido o médico das almas nos diz: o “que tornam agradável a vida [é] o sóbrio raciocínio que procura as causas de todas as escolhas e de toda a repulsa e põe de lado as opiniões que motivam que a maior perturbação se apodere dos espíritos”. Mas, para eficácia deste processo, é necessário prudência, sabedoria e doçura. O princípio fundamental de tudo é a Prudência, a mãe de todas as outras virtudes; além disso, a prudência ensina que não é possível viver agradavelmente sem sabedoria, beleza e justiça, e nem possuir estas três virtudes sem doçura. Prudência, docilidade e sabedoria estão na base da vida feliz. EPICURO escreveu: “As virtudes encontram-se por natureza ligada à vida feliz, e a vida feliz é inseparável delas”. Assim, podemos dizer que a fórmula epicurista para a felicidade é: prudência mais sabedoria mais doçura iguais a vida feliz! Enfim, a vida feliz só acontecerá quando e somente quando administrarmos nosso universo interior, eliminar o ódio que é oposto a tranquilidade, prudência e sabedoria.

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