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  • cleverfernandes196

SENTIMENTOS HUMANOS, CONSCIÊNCIA E A AMIZADE

O filósofo Holandês Baruch Spinoza escreveu uma das mais brilhantes obras sobre nossos afetos. O seu livro intitulado Ética é sem dúvida uma potente analise sobre os sentimentos humanos. Podemos dizer que se Foucault, no século XX, produziu uma analítica do poder, no século XVII, Spinoza construiu uma incrível analítica dos afetos. Em sua Ética temos uma clara definição dos afetos primários da vida: a alegria e a tristeza, que são para ele estados da alma e do corpo, produzidos com a contribuição de algo externo a nós e pelos quais nossa potência de agir é aumentada ou diminuída, veja como ele define, em sua Ética, a alegria e a tristeza: “A alegria é um afeto pelo qual a potência de agir do corpo é aumentada ou estimulada. A tristeza, em troca, é um afeto pelo qual a potência de agir do corpo é diminuída ou refreada. Portanto, a alegria é diretamente boa” (ÉTICA, parte IV, proposição 41.) e, assim, é possível considerar que a Alegria é animação, enquanto, a tristeza é desânimo, provocado por causas externas. E por estas causas externas “somos impelidos para cá e para lá, como as ondas do mar por ventos conflitantes, e não sabemos o que será de nós.” Ficamos em uma constante oscilação entre momentos de prazer/alegria e momentos de dor/tristeza. Entretanto, pela ação produtiva da alegria, Spinoza afirma que, “nada se apodera da alma com mais força do que a alegria que nasce da devoção, quer dizer, simultaneamente do amor e da admiração” (SPINOZA, Tratado Teológico-Político, Cap. XVII, §.25), pois, a admiração e o amor são alegrias acompanhadas de uma ideia de uma causa exterior, algo nos afeta, e esta afecção gera o amor e a admiração simultaneamente, pois indissociáveis, uma vez que, só existe amor com admiração, e só existe admiração com amor. Em outras palavras, quando alguém nos afeta de alegria, somos impelidos, a partir desta alegria, a amá-lo e admirá-lo, simultaneamente, pois ninguém ama sem admiração e ninguém admira sem amar. Veja bem, não existe uma causalidade nesta situação, não amamos primeiro e depois admiramos ou o contrário, as coisas acontecem simultaneamente. O amor e admiração, admiração e amor… Se não admiro, não amo, e se não amo não admiro.

Porém, mesmo parecendo coisa simples, os sentimentos humanos são estranhos e devido a sua estranheza, algumas vezes, não temos muita clareza sobre eles, por isso, quase sempre, são idéias inadequadas em nossa mente. Assim, quando nos perguntam o que estamos sentindo, muitas vezes não conseguimos com facilidade explicar o que realmente está se passando em nosso universo interior, [principalmente nós do gênero masculino]. Só temos uma certeza, fomos acometidos, afetados ou atormentados por um determinado sentimento que condiciona nossas ações. Muitas pessoas não conseguem decifrar o que estão de fato sentindo, ficam numa confusão mental incrível, porém sabem que foram afetados por algo externo. Da mesma forma que tem consciência quando ficam num estado de letargia, quando não estão sentindo nada, numa indiferença a tudo e todos, e isso produz em muitas pessoas aquilo que Sartre denominou náusea e Camus, absurdo. Neste sentido, o Arnaldo Antunes e Alice Ruiz, numa linda canção, escreveram um tipo de grito de Socorro contra essa situação:

“Socorro

Não estou sentindo nada

Nem medo, nem calor, nem fogo

Nem vontade de chorar

Nem de rir

Socorro

Alguma alma mesmo que penada

Me empreste suas penas

Eu Já não sinto amor, nem dor

Já não sinto nada

Socorro, alguém me dê um coração

Que esse já não bate nem apanha

Por favor!

Uma emoção pequena, qualquer coisa!

[…]

Qualquer coisa que se sinta

Tem tantos sentimentos

Deve ter algum que sirva”.

Mesmo quando já temos um coração que não bate e nem apanha e, por isso, não estamos sentindo mais nada ou, ao contrário, quando temos um coração mergulhado num turbilhão de sentimentos não somos nós que escolhemos esta ou aquela situação, pois, ninguém escolhe sentir isso ou aquilo, apenas quando afetados por algo externo somos violentamente ou suavemente possuídos por um determinado sentimento de alegria ou de tristeza. Ninguém delibera conscientemente: vou me irritar com fulano, vou me apaixonar por beltrano, vou amar sicrano. Os sentimentos em nós são frutos de afecções externas, não escolhemos. O amor, o ódio, a ira, a paixão são sentimentos que simplesmente surgem. Spinoza os definiu da seguinte forma: “Amor é uma alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior”; “Ódio é uma tristeza acompanhada de uma causa exterior”; a “Ira é o desejo que nos incita, por ódio, a fazer mal a quem odiamos”; e, por fim, a paixão domina a pessoa de tal maneira que “muitas vezes é forçada a seguir o pior, vendo muito embora o que é melhor para si”. Quando estamos apaixonados não somos livres, a paixão nos escraviza. Somos escravos de nossas paixões, por isso, Freud nos ensinou que não somos senhores em nossa casa. Sim ele foi leitor de Spinoza e Nietzsche. Como os afetos são frutos de afecções externos não controlamos o que sentimos, apenas sentimos, entretanto, isso não significa que não nos responsabilizamos por eles. Somos sempre responsáveis pelo que fazemos com o que sentimos.

Além deste ponto de contato entre os sentimentos, já que todos são frutos de afecções externas, existem gigantescas diferenças entre eles. A paixão e a ira são fugazes e por isso passam rápido; o amor e o ódio não, e quando alimentados podem durar uma vida toda, pois, ao contrário do que se pensa, o ódio é também algo que pode ser alimentado e arquitetado, como a vingança, assim ele pode ter uma longa duração. Os fascistas são exemplos típicos de pessoas movidas pelo ódio. Podemos afirmar que o ódio, a impaciência, a intolerância são sintomas de uma alma fascista. E acredito que boa parte da violência urbana se explica também por este fascismo que habita nosso universo interior. Todos têm um fascista adormecido dentro de si. Precisamos deixar ele sempre assim dormindo, não devemos acordá-lo e muito menos alimentá-lo, pois ele é um sentimento autoritário, e todo autoritário é um fascista. Já a ira como uma embriaguez é passageira, mas, pode deixar um estrago imenso, apenas um instante de ira pode arruinar uma vida toda e toda uma vida. O remédio contra a ira é a paciência, só ela pode evitar a sua venenosa embriaguez. Não estou dizendo que a paciência vai impedir a raiva, apenas pode evitar o desatino de tomarmos uma decisão no momento em que estamos possuídos por este violento sentimento. Só para exemplificar, já pensou como a paciência nos livra de dissabores no e do trânsito nas grandes cidades, sem ela nos irritaríamos o tempo todo. A ira não é um sentimento qualquer, por isso e por causa da importância deste sentimento, o grande filósofo Sêneca dedicou-lhe uma longa carta que merece ser lida, pois sua carta sobre a ira é uma bela orientação filosófica para quem deseja não se tornar refém deste triste e desastroso afeto e, ao mesmo tempo, para quem quer tomar um antídoto contra o veneno da ira, por isso, ela é um bom exemplo da literatura filosófica como saúde para a vida.

As leituras dessas obras filosóficas podem ajudar na saúde das relações humanas, porém mais importante ainda é compreender que nossas ações não podem ser movidas pelo turbilhão de afetos que nos ofuscam a razão. Para mantermos os laços de afeto que nos ligam aos amigos é necessário administrar nosso temperamento. Não podemos viver na explosão dos afetos. Como ensinou também o grande Spinoza “[…] É útil aos homens, acima de tudo, formarem associações e se ligarem por vínculos mais capazes de fazer de todos um só e … é-lhes útil fazer tudo aquilo que contribui para consolidar as amizades […]” Como os seres humanos são volúveis, invejosos e inclinados mais à vingança que à misericórdia, é necessário nesta ação a velha paciência para aceitar os acontecimentos e não nos tornarmos reféns do sentimento da ira. Assim, para o bom êxito, Spinoza segue afirmando que, “é necessária, portanto, uma potência de ânimo singular PARA ACEITAR CADA UM SEGUNDO SUA RESPECTIVA MANEIRA DE SER e para evitar imitar os seus afetos”. [Apêndice da IV Parte da Ética, cap.13]. Desta forma, temos também duas ações fundamentais para mantermos nossas amizades:

1. Aceitar o outro como ele é: Isto implica reconhecer as grandezas e as limitações do amigo, sem querer modificá-lo a nossa imagem e a nossa semelhança. Esta atitude não é fácil, pois “o poder de dominar é tentador”, e sem perceber estamos tentando controlar e manipular a vida alheia, num tipo de postura fascista. Temos que lutar contra o fascismo que dormita em nós, como escreveu Humberto Gessinger, “o fascismo é fascinante. Deixa a gente ignorante e fascinada”.A aceitação de outro como ele é, é o reconhecimento da diversidade, é a vitória por uma vida não fascista e, além disso, é também a negação do narciso que deseja sempre ver a si mesmo no outro, pois “narciso acha feio o que não é espelho”.Assim, aceitar o outro é respeitá-lo em sua cosmovisão, seu ritmo e sua singularidade.

2. Auto-aceitação: Não podemos nos tornar sombra ou espelho do outro, é necessário não imitar o outro como fazem os bajuladores, amigo de verdade não precisa rir das piadas sem graças só para agradar, não se desrespeita, não se deixa confundir. Os afetos do amigo são deles não precisamos reproduzir em nossa vida. Evidente se o amigo está passando por uma situação triste, normalmente nos entristeceremos com ele, mas nossa tristeza nunca será igual ou superior à dele. É preciso respeitar nosso ritmo, nossa ritmicidade.

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