top of page
  • cleverfernandes196

RESSONÂNCIAS NIETZSCHIANAS NO FILME RETRATO DE DORYAN GRAY [PARTE II]

Na primeira parte, o protagonista estava sendo doutrinado na filosofia do instante a partir de um dialogo entre ele e Henri. A cena estava acontecendo numa taberna, uma ZBM. Com o fim do dialogo, tem-se um zoom no rosto do jovem e um deslocamento de câmara para o rosto pintado no Retrato de Doryan Gray. Este momento é marcante, pois nele tem-se o pacto de Fausto, o médico que vendeu sua alma por poder. Mas, antes deste pacto, naquele dialogo na Taberna é necessário chamar atenção para uma questão: o belo ou a beleza. Henri diz que Doryan tinha duas coisas que valem a pena possuir: juventude e beleza. No livro, ao ouvir isso, Doryan Gray rebate dizendo: “Eu não sinto as coisas desta maneira, lorde Henri.”(WILDE, 2010, p.41). Veja bem: ele não sentia a juventude e a beleza daquela maneira. Na sequencia do livro e do filme [em nosso caso em tela] nosso personagem passara por uma conversão. Mudará radicalmente de posição. Não só vai sentir como vai pensar e agir para garantir as duas coisas que valem a pena possuírem.

O encontro com a sua representação, com o seu retrato, foi o mais significativo encontro de sua vida. Encontro, no sentido deleuziano, produz violentamente novas ideias. Se, até então, Doryan não sentia a beleza como algo importante após esse encontro a coisa mudou drasticamente. O reconhecimento da beleza e, ao mesmo tempo, o choque com a realidade natural, pois aquela imagem, a sua representação em uma tela, não mudará nunca e ele, ao contrário, em pouco tempo sofreria o efeito corrosivo do tempo. Diante do seu retrato, daquela obra prima, o jovem Doryan parece não acreditar no que esta vendo, fica mudo, pois o belo encanta, abala, empolga, emociona e comove a vida. A beleza é agradável e não carece de explicação, ela sempre nos inebria, entontece e nos lança a um tipo de visão do paraíso. O belo e a beleza provoca o êxtase. Diante do belo nossos valores mais sagrados são colocados em cheque. Ou como ensinava Arthur Schopenhauer, a beleza nos impele para uma redenção eterna, mesmo que por um efêmero instante, pois, neste momento frente à beleza ficamos livres da vontade. Além disso, ele acrescenta: “A beleza é uma carta aberta de recomendação, que de antemão nos conquista os corações” (1962, p.37).

Naquele instante, no livro Oscar Wilde afirma que Doryan se depara com uma sensação nova. Como uma revelação brotava nele a sensação da própria beleza. Algo que jamais sentira (2010, p. 42). A beleza conquistou seu coração. No filme, sua reação frente à própria beleza é de espanto mesclada de perplexidade. E, por isso, pergunta: “É assim mesmo que sou? É tão… real“.

Para contrariar e provocar o jovem Doryan, Henri diz o seguinte: “Não, é melhor que a realidade. Ele sempre será assim. Você, sr. Gray, temo que não. Em tempo, a mãe natureza virá…“. Porém, o idealista Basil, para amenizar a dura realidade apresentada por Henri, afirma: “Algumas coisas são preciosas por não serem duradouras”. Neste momento, as palavras do artista não tinham sentido, nada significavam para o jovem encantado com a própria beleza. Para ele as palavras sensatas eram as de Henri que diz, para rebate o idealismo de Basil: “Besteira. Murchamos e ficamos marcados… porque os deuses são cruéis e odiosos“.

Após a revelação da própria beleza, o jovem Doryan estava convencido que a beleza e a juventude eram de fato as duas coisas que valiam a pena possuir. E ele estava disposto a oferecer qualquer coisa para não perder sua beleza e juventude. Como Fausto de Goethe, Doryan estava disposto a dar a própria alma. Neste momento, o desejo de perpetuar a juventude e beleza é verbalizado por Doryan com as seguintes palavras: “Talvez deva pregar minha alma ao altar do diabo“. Naquele instante o jovem Gray, com inveja do Retrato, desejou ardentemente trocar sua alma mutante pela alma do retrato, aquela alma que jamais sofreria mudanças. No fundo o que se tem aqui, é aquele velho e sempre novo desejo de eterna juventude. Ao tocar no quadro com este desejo latente, ele desejou permanecer sempre jovem e que o retrato envelhecesse em seu lugar. No mundo real tal desejo seria apenas um sonho infantil, mas no mundo cinematográfico tal desejo tornou-se realidade. A partir daquele momento aconteceu exatamente o que Doryan desejou. Ele não mais envelhecerá e nem as cicatrizes das múltiplas experiências não produzirá marcas em seu corpo. Recebeu a realização do desejo. O tempo não mais seria senhor de sua vida. Além disso, o efeito foi retroativo, as cicatrizes já existentes em seu corpo sumiram. Aquelas marcas de sua costa como mágica desapareceram. Agora Doryan tinha uma pele imaculada. A vida de Doryan naquele instante torna-se a realização do sonho de muitas pessoas, pois a eterna juventude, para o bem ou para o mal, será vivida pelo personagem em toda a sua intensidade.

Logo em seguida, o Retrato é apresentado aos amigos da aristocracia em uma recepção em grande estilo. A obra é colocada na sala de visita da casa do jovem Doryan. Logo após o evento, no cair da noite londrina, Doryan sai para tomar um gim. Caminhando pelas ruas estreitas e escuras da velha Londres do século XIX seus olhos reencontram com a jovem da taberna. Ele a reconhece em um cartaz fixado em frente ao Theatre Royale, um pequeno, decadente e popular teatro deperiferia. Naquela noite a peça em exibição era Hamlet e a jovem Silbyl era a doce Ofélia, de William Shakespeare. Doryan entra e assiste ao espetáculo. No final ele é conduzido ao camarim para parabenizar a atriz, com isso descobre que o homem que a acompanhava na casa de gim era na verdade o seu irmão, Jim Vane. Doryan fica empolgado com a revelação, e os dois iniciam uma série de encontros que conduziu ao obvio, porém a relação amorosa não terá um final feliz, ele será trágico como toda a vida humana.

O jovem Doryan estava apaixonado e resolveu se casar com Silbyl, por isso decidiu anunciar seu noivado aos amigos da alta sociedade londrina. Porém antes convidou todos para assistir uma peça no Theatre Royale, sua decepção foi enorme quando percebeu que ninguém aprovava a sua relação com aquela pobre atriz. Cada um apresentou uma desculpa para não ir ao espetáculo. Lady Victória (Emilia Fox), a esposa do lorde Henri, se apressou em dizer que tinham um compromisso com os Burdon. Apesar da desculpa da esposa, Henri aceitou o convite. Ele para quebrar o gelo daquela situação constrangedora disse o seguinte: “Diga a Burdon que o verei amanhã. …Adoro atuar… É mais real que a vida.” Neste momento, Basil, que estava presente e já havia apresentado suas desculpas para não ir, diz a Henri: “Espero que esteja satisfeito“. Censurando a postura do lorde. Ao que Henri respondeu com uma frase profundamente nietzschiana: “Toda a experiência é valorosa. E o casamento é uma experiência“.

Entretanto, antes de ir ao Theatre Royale, Henri resolveu apresentar o jovem a outro clube. Neste lugar o jovem recebeu outra lição de seu mentor. Diante daquela situação, Henri sentado com uma prostituta quase em seu colo lhe acariciando, o jovem Doryan pergunta ao seu amigo:

— Victória sabe que vem aqui?

— Querido garoto, o único charme do casamento é que ele torna uma vida de ilusões absolutamente necessária.

— Bom, eu talvez tenha uma consciência mais forte.

— Consciência é apenas um nome educado para covardia. Nenhum homem civilizado se arrepende de um prazer.

[Entrega um tipo de charuto para Doryan com algum tipo dealucinógeno, e continua com sua doutrinação.]

— Vê. A única maneira de se livrar da tentação é se entregar a ela.

O jovem se encontrou na vida apresentada por Henri. Os dois se lançam no mundo de prazer e se esquecem do tempo. O encontro de Gray com o mundo do Lorde produz o desencontro com a jovem atriz. Naquele instante nasce outro Doryan Gray, aquele tímido, ingênuo e pacato é substituído por um homem sedutor, extrovertido, arrogante em construção. Eles chegam ao final do espetáculo e vão direto ao camarim. Os dois tentam disfarçar a ausência, dizendo que estavam no Clube comemorando o anuncio de seu casamento e a gravidez da esposa de Henri. Porém, o impasse tornou-se maior quando lorde Henri pergunta a jovem Sibyl se ela queria forma uma família logo, ao que ela empolgada e apaixonada diz que sim. Todavia, diante do maravilhoso mundo novo vivido por Doryan naquela noite, a paternidade não era mais a sua opção, ele não concorda com Sibyl e alega que ambos são muito jovens para tornarem-se pais. Os dois discutem e acontece o rompimento do compromisso firmando no quarto de Doryan. Ela se desespera. E o jovem Doryan vira as costas e sai do teatro e da vida da jovem Sibyl.

[CONTINUA NA PRÓXIMA PUBLICAÇÃO – A PARTE FINAL]

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Kommentare


bottom of page