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  • cleverfernandes196

NIETZSCHE E A GENEALOGIA DA MORAL: fragmento de uma aula

Atualizado: 25 de fev. de 2021


Nietzsche para filosofar, criou uma metodologia, qual seja, a genealogia. Ele é um genealogista. No fundo, a grande questão, ou o problema filosófico mais importante para o genealogista Nietzsche é o seguinte: no que consistem os valores morais, como eles são instituídos e onde se acham fundamentados? Ele se coloca como um investigador para desvendar a genealogia da moral, e podemos pensar essa investigação a partir das seguintes questões:

1°) o que entendemos por bem e mal?

2°) como determinamos o que é bem e o mal?

3°) onde buscamos legitimar o bem e o mal?

Como somos, em parte, produtos de uma dada cultura, e fomos educados dentro de uma matriz de pensamento religioso cristão, mesmo as pessoas mais distantes de uma criação religiosa respiram os valores do cristianismo. Deste modo, nossa resposta quase imediata e instantânea para estas questões é: Os nossos valores morais são oriundos de Deus. Nele temos todos os valores para o comportamento correto, justo e verdadeiro. O Bem e o Mal são dados inquestionáveis, são frutos do amor divino. Mesmo um mentiroso contumaz, em sua hipocrisia sempre vai afirmar a verdade como valor. Por que? Porque, não podem abrir mão deste valor moral, com o risco de ruir o castelo de cartas montadas na e pela sociedade e suas principais instituições. Em teoria a verdade, para eles, deve ser sempre preservada doa o que doer, dirão os mais convictos, os mais idealistas, os mestres da moral. Mas, será mesmo? A verdade deve sempre ser dita? Ou depende das circunstâncias? Existem momentos que podemos relativizar e, com isso, podemos mentir? Quem define esses momentos que a mentira não fere a moralidade? Existe situação onde mentir é um ato de coragem e de força moral?

Para Kant os valores morais são absolutos, não podemos negociar ou relativizar, porque eles são universais. De acordo com ele, nossa ação social deve servir de modelo para os outros. No ápice de seu idealismo da conduta humana, escreveu que devemos agir com toda convicção sem duvidar que estamos fazendo o que é certo, verdadeiro e justo. Ele escreveu três imperativos categóricos, isto é, leis morais interiorizadas, que rege a conduta humana, tipo ordem da consciência, são eles:

1°) "Aja como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal."

2°) "Aja de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como meio."

3°) "Aja de tal maneira que tua vontade possa encarar a si mesma, ao mesmo tempo, como um legislador universal através de suas máximas."

O primeiro imperativo afirma a universalidade de conduta ética da humanidade, o segundo afirma a dignidade da pessoa humana e terceiro afirma na vontade do agir na racionalidade de instituir valores morais num tipo de vontade legisladora. Agir querendo que todos façam o mesmo. É neste sentido que o mentiroso nega a possibilidade de que todos devem mentir, seguindo sua conduta, e vai defender sempre a importância de dizer a verdade. Essa posição kantiana, é uma roupagem filosófica da máxima bíblica: “faça aos outros o que queres que façam contigo”, ou podemos lembrar a síntese do amor ao próximo do cristianismo, na frase de Jesus: ame ao próximo como a ti mesmo. As raízes do pensamento Kantiano estão visceralmente ligadas ao cristianismo.

Mas, onde entra Nietzsche nessa história, você poderia me perguntar. Então vamos lá: Nesta visão kantiana ou cristã nossa conduta deve ser exemplar, pois devemos ser modelo de ação para os outros. Até aqui acredito que ninguém discordará do que foi falado, mas vamos pensar isso num exemplo, filosofia na prática. Digamos que sua mãe por pura casualidade numa ação ingênua denunciou uma traficante do bairro, e a polícia fechou a boca de fumo dele, mas ele fugiu e descobriu que foi ela a delatora, a X9 da comunidade. Sua mãe apavorada se esconde, você tem conhecimento deste local onde ela se escondeu para não morrer. E, logo em seguida, você é abordado pelo traficante, e ele pergunta onde está sua mãe? Qual é sua resposta? Não se esqueça, você é um kantiano convicto, um cristão exemplar? E aí? Vai dizer a verdade, e assim entregar sua mãe nas mãos do traficante, ou vai mentir? Como fica a questão do valor moral absoluto. Lei moral universal. Acho difícil que um filho proposital e deliberadamente entregue sua mãe, por causa de consciência moral. Acredito que mesmo o filho mais moralista não iria ser verdadeiro neste momento. Sem pestanejar iria dizer, com a maior convicção possível, que não tinha a menor ideia do paradeiro dela. Neste momento, não só achamos que a verdade é relativa, como vamos mentir e ter orgulho de mentir de forma convincente. Nossa ação neste instante é a negação da convicção. Não podemos ser verdadeiro, a resposta ao traficante deve ser a melhor mentira já dita no mundo, pois é uma questão de vida ou morte. Aqui temos uma coisa muito importante, a vida está acima dos valores morais. Porém, isso não é novidade nenhuma, Jesus mesmo disse isso quando afirmou que “o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado”. As leis morais se curvaram ao bem maior, a vida humana.

A vida é o valor maior. Para Nietzsche não existe dúvida, a vida é o bem maior, e não existe um valor acima dela. A vida sim é um valor maior. Para ele, ao contrário de Kant e de todos os idealistas, a filosofia não lida com o universal. Não existe para Nietzsche nenhum valor transcendente. A vida é imanência pura, é o valor “supremo”, "absoluto". Nada acima dela. Temos que manter os pés cravados na terra, como intitularam Reale e Antiseri, em seu livro de História da Filosofia, no capítulo dedicado a Nietzsche: Fidelidade à Terra e transmutação de todos os valores. Foi isso que no Zaratustra Nietzsche escreveu: “Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à Terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres".

E por que Nietzsche faz essa exortação, essa pregação? Porque acreditava que deveríamos ter nenhuma esperança além terra, pois, primeiro porque para ele não existe nada além, e, em segundo lugar, porque a afirmação da vida em si mesmo é também o fortalecimento do homem. Não de qualquer homem, Nietzsche está neste momento também anunciando o seu Übermensch – o super homem, pois o homem frágil, pequeno e atual deve ser superado por um homem forte, grande e “inatural”. Para ele, este homem frágil é uma coisa entre o animal e o super-homem. Sendo mais fiel ao texto de Nietzsche, ele escreveu: “O homem é corda estendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e para. A grandeza do homem é ele ser uma parte, e não uma meta; o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento” A ponte não é fim, o super-homem sim. Ele, o super-homem, é o sentido da Terra. Por isso, para manter a fidelidade à Terra, não podemos dar atenção aos pregadores das ilusões metafísicas.

A fidelidade à terra nietzschiana pode e deve ser compreendida como uma fidelidade ao mundo, ao terreno, a essa vida cá embaixo, pois é o que nos resta quando não acreditamos no além túmulo. Somos frutos da terra. Para Nietzsche, as ilusões ou esperanças metafísicas, mesmo a esperança do cristianismo de um paraíso das virtudes, ou um mundo das ideias perfeitas do platonismo, não nos dizem nada, são vazias, são destituídas de significado. Quando percebemos isso, acabam-se todas as ilusões. Tipo essa da verdade absoluta, a verdade como coisa divina, a verdade liberta. Qual a verdade? Para o filósofo alemão, quando não somos mais crianças e não acreditamos em nenhuma divindade, abandonamos todas as muletas metafísicas, ficando apenas o homem e a terra. O crescer é o primeiro passo para a superação. Neste momento, Nietzsche nos coloca diante de um pensamento abissal. Estamos na beira do abismo. Porém, este não é o pensamento mais abissal ou abismal de Nietzsche, vamos ver mais adiante que existe outro pensamento mais potente e vertiginoso. Pensamento que provoca vertigem, qual seja, o eterno retorno. Mas isso é para outro momento, agora quero seguir o que estamos pensando.

A fidelidade à Terra que é em sua expressão máxima, a própria fidelidade à vida, que se têm e que se é, nesta terra. E ela, a vida aqui e agora nos cobra, nos exige, nos reclama, a sua preservação. Em situação normal de temperatura e pressão, ninguém quer a morte. Entretanto, quem tem coragem de afirmar a própria existência, sem medo e sem ressentimento? Afirmar a vida, não idealizar uma vida que queríamos ter, mas a vida que temos, aquilo que somos. Nossa totalidade, sem ser reativo, pois o reativo é um negador da vida, só o ser ativo é um afirmador. Então o antídoto nietzschiano contra a negação da vida é não ouvir, não dar atenção, aos pregadores de qualquer esperança metafísica. Para Nietzsche, eles são envenenadores, são os "menosprezadores'' da vida, moribundos que estão, por sua vez, envenenados, seres de quem a Terra se encontra fatigada” (Assim falou Zaratustra).

Numa virada narrativa incrível, Nietzsche sentencia que não podemos aceitar qualquer blasfêmia contra a Terra, como outrora era inadmissível blasfêmia contra deus, porém, como deus morreu, com ele morreram todas as blasfêmias. Esta é possivelmente a perigosa travessia que o homem precisa fazer. Como não cair nos cantos das sereias que são as pregações de mundo ideias? Como se equilibrar na corda sem cair? Ou não olhar para trás e virar estátua de sal? A grandeza do homem está em não tremer, não parar, não olhar para trás, e sempre seguir em frente. Nietzsche é um anti-historicista, o passado não deve ser preservado, ele não via na capacidade de lembrar as coisas algo bom, pois na maioria das vezes só cria ressentimentos. Os ressentidos nunca esquecem, precisamos ser como as crianças, que não ficam presas ao passado, são presente o tempo todo. Vivem o instante.

E a vida é instante, é devir. É movimento. Não devemos recuar nem para pegar impulso, nos diz de forma humorística o Professor Clóvis de Barros Filho, ao falar sobre o pensamento de Nietzsche. Com isso em mente, acho que podemos ler as obras do Nietzsche. Sabendo que sua produção filosófica tem dupla intenções lutar contra o idealismo, negando qualquer tipo de metafísica, de transcendência, e, com isso, provocar uma grande aflição (Filosofia que é filosofia deve afligir os outros, se a Filosofia não aflige ninguém não é Filosofia) e, assim, ele tem a sua segunda intenção filosófica realizar transvaloração de todos os valores.

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