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  • cleverfernandes196

LÁGRIMAS E CHUVA

Atualizado: 24 de fev. de 2021


LÁGRIMAS E CHUVA é uma música composta por um grupo de poetas:

Carlos Leoni Rodrigues Siqueira Junior, Bruno Fortunato e George Alberto Heilborn Israel. Foi um sucesso da banda Kid Abelha em 1986. Em sua simplicidade poética seus autores levantam indagações existenciais que nos fazem pensar sobre o sentido da vida. A partir de alguns contrastes realçam essa força questionadora. Logo na primeira estrofe eles escreveram:


“Eu perco o sono e choro

Sei que quase desespero

Mas não sei por quê

A noite é muito longa,

Eu sou capaz de certas coisas

Que eu não quis fazer.”


Quem nunca perdeu o sono e chorou sem saber o real motivo? A angústia nos faz companhia, principalmente, quando a única certeza é que o futuro não é certo. Perdemos o sono quando procuramos um sentido para tudo o que vivemos e sofremos, e, com isso, quase nos desesperamos neste momento da poesia, temos dois contrastes implícitos. A noite é muito longa, mas sabemos que a vida é breve e isso, em certa medida, é uma das causas da angústia humana. Apesar da brevidade da vida, nessa longa noite sabemos que podemos fazer muitas coisas. Quanto a isso os poetas dizem: "sou capaz de certas coisas, mas não quis fazer". Além de chorar e sentir as lágrimas rolarem no rosto e no vidro da janela, que coisas os poetas não quiseram fazer? Suicidar-se? Sair desesperados pela rua na madrugada chuvosa? Eles não dizem, apenas sinalizam que sempre podemos fazer muitas coisas. Depois dessa estrofe nos deparamos com a pergunta que nos lança no vazio da existência, a indagação existencial e a constatação de que a vida é breve, sem sentido e perigosa. Assim eles escreveram:


“Será que alguma coisa,

Nisso tudo, faz sentido?

A vida é sempre um risco,

Eu tenho medo do perigo”.


Depois fazem outra bateria de questionamentos:


“Será que existe alguém

Ou algum motivo importante

Que justifique a vida

Ou pelo menos este instante?”


Eles lançam um duplo movimento nessa indagação: o sentido da vida estará em alguma coisa (profissão, fama, dinheiro, etc.) ou o sentido da vida estará numa pessoa (o amor da vida, a alma gêmea, etc). Sem uma resposta, mas o que mesmo justifica a vida? Algumas pessoas vão dizer que a vida é superação, “pessoas incríveis são feitas de superação”. Superar a angústia da existência. Será? Sem resposta sobre o que justifica viver e se relacionar, os poetas fazem uma relação interessante entre as suas lágrimas de angústia e quase desespero da falta de sentido e as gotas de chuva que molham o vidro da janela.


Sem encontrar razões para viver, no choro angustiado, os poetas lembram da nossa condição de solitário. A vida é um projeto subjetivo. E sabemos que nossas lágrimas são nossas e de ninguém mais, choramos e lamentamos nossa condição existencial. Nossas dores são vividas solitariamente.


“Mas ninguém me vê

O mundo é muito injusto

Eu dou plantão nos meus problemas

Que eu quero esquecer.”


O que nos resta é contar as horas nessa angustiante existência. Os poetas escreveram:


“Eu vou contando as horas

E fico ouvindo passos

Quem sabe o fim da história

De mil e uma noites

De suspense no meu quarto.”


Quem sabe o fim da história? Todos nós sabemos o fim da história. E, para mim, é indicativo que os poetas fizeram uma insinuação ao folclórico livro "As mil e uma noites", no qual Sherazade, para não morrer, prende a atenção do Rei Persa noite após noite, contando sempre uma nova história, e assim o rei não poderia, por causa da curiosidade, realizar sua decisão de matar todas as suas mulheres após dormir com elas (pois na cabeça dele nenhuma mulher é confiável). Assim, parece que os autores nessa liberdade poética, nos dizem que vão contando as horas, como Sherazade contando histórias. No fundo vivemos como ela, um dia após o outro, mas, infelizmente sabemos o fim da história, depois de uma vida toda o que resta é a sentença do processo que acontece kafkianamente, num processo sem defesa, sem tribunal, sem júri, com a sentença capital já dada logo no início. O fim da história é a morte, que, como escreveu Hannah Arendt, “revela a mentira e a vaidade da vida social sobre o modelo da solidão, não do estar só”.


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