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  • cleverfernandes196

PAIXÃO E AFETO OU O HOMEM COMO SER DE PAIXÃO

Qual a origem da paixão? O que é isso – a paixão? Muitas pessoas não conseguem compreender o que é uma paixão, apenas sentem algo intenso e avassalador e se dizem apaixonados por isso ou aquilo, por alguém ou algo. Porém, a falta de clareza neste assunto é tanta que alguns confundem e não sabem dizer exatamente o que estão sentindo. Alguns chegam a falar que paixão é o inicio do amor. Mas, qual a diferença entre paixão e amor? Será mesmo que são coisas diferentes? Não temos uma única resposta para essa questão complexa. Numa perspectiva spinozana, vamos ver que afeto e paixão então mais próximos do que imaginamos. Spinoza, na III Parte de sua Ética, faz uma denuncia da forma como os outros pensadores tratam o afeto ou paixão humana. Ele escreveu: “Quase todos que escreveram sobre os afetos e a maneira de viver dos homens parecem tratar não de coisas da natureza, mas de coisas que estão fora da natureza. PARECEM, ANTES, CONCEBER O HOMEM NA NATUREZA QUAL UM IMPÉRIO NUM IMPÉRIO. Pois creem que o homem mais perturba do que segue a ordem da natureza, que possui potência absoluta sobre sua ações, e que não é determinado por nenhum outro que ele próprio” (Ética, p.233). Essa ideia ingênua preside o pensamento de muitas pessoas até mesmo de filósofos. Acreditar que o homem esta no controle racional é no mínimo tolice. Não estamos no controle de nada, seguimos as leis da natureza, nossas ações, pensamentos, imaginação e sentimentos não estão fora da natureza. Essa visão do homem como império dentro de outro império faz parte do devaneio fascista do ser humano. Antes de Spinoza, os pensadores não buscavam compreender a origem e a natureza dos afetos, mas, lamentavam, ridicularizavam, desprezavam e até mesmo os amaldiçoavam como coisas que produzem impotência e irracionalidade no ser humano. Como se a paixão ou o afeto fosse um tipo de vício ou vírus contraído de outro universo. Para Spinoza, paixão e afeto não são algo fora da natureza, elas são partes constitutivas da mente humana, são ideias em nossa mente, pois, em sua filosofia da mente, entende que ideias são conceitos que a mente forma por ser o homem uma coisa pensante. A mente humana tem ideias adequadas e inadequadas, por ideias adequadas ele compreende a ideia que, enquanto é considerada em si, sem relação ao objeto, tem todas as propriedades ou denominações intrínsecas da ideia verdadeira e a outra o contrário disso. É a partir das ideias que nós nos percebemos, nos diferenciamos dos outros e nos compreendemos como existentes em ato, e por isso, temos conhecimento do mundo a nossa volta. Para o pensador de Amsterdã, agimos apenas quando temos o entendimento claro e distinto daquilo que estamos sendo afetados, pois quando ocorre algo e não temos a clareza e distinção, não agimos, padecemos. Para ficar mais claro o que estou tentando explicar precisamos entrar um pouco na filosofia do corpo do filósofo. Para Spinoza, existe entre o corpo e a mente uma simetria, pois o corpo pode ser afetado de múltiplas formas e essas afecções produzem os afetos ou paixões pelos ou pelas quais a potência de agir do próprio corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou coibida, e simultaneamente as ideias destas afecções são adequadas ou inadequadas. Ele faz a seguinte diferenciação, se podemos ser causa adequada de alguma das afecções, então estamos agindo. Afeto é igual à ação por causa da clareza e distinção do que estamos fazendo, ao contrário, quando temos apenas ideias inadequadas necessariamente padecemos, é paixão. Afeto e paixão são produtos da mente, ambos fluem como tudo na natureza. A sensação de fluidez e oscilação da paixão é uma realidade que todos sentem. A intensidade não é a mesma em todo tempo, muitas vezes, a paixão inicia muito forte e gradativamente perde força. Mas, por que isso acontece? É possível explicar, primeiramente, pela movimentação das ideias inadequadas para adequadas. Depois, segundo Spinoza, pelo fato das paixões nascerem da opinião vaga e parcial, elas surgem apenas quando somos afetados por algo que nos provoca admiração. Assim, a admiração é o primeiro exemplo de paixão da alma, mas, normalmente como a admiração é fruto de ideias inadequadas, quem é afetado sofre ao perceber que aquilo que se admirava não era bem o que pensava ser. O processo de adequação amplia o campo de visão e, com isso, podemos ver para-além do nosso pequeno mundo, ampliando nossa capacidade de admiração ou perdemos totalmente a admiração daquilo que antes nos tirava o folego. Não nos admiramos por qualquer coisa, pois “não há admiração em quem extrai conclusões verdadeiras”, quem tem ideias adequadas não se admira. Porém essa flutuação não acontece apenas com a admiração. De acordo com Spinoza, o amor também passa por essa dinâmica, pois “o amor, que não é senão gozar uma coisa e unir-se com ela” (Breve Tratado, p.101) é, para ele, outro exemplo de paixão da alma. Exatamente, para Spinoza amor é um tipo de paixão. Três são as origens do amor: de conceitos verdadeiros, de opiniões e do puro ouvir dizer. Cada um destes tipos de amor tem sua especificidade, pois quando “alguém vê ou opina [imagina] ver algo bom, inclina-se a unir-se com isso, e, pelo que observa de bom nesse objeto, prefere-o como o melhor, fora de qual não conhece nada melhor nem mais agradável. Mas quando ocorre (como é frequente nessas coisas) que se venha a conhecer algo melhor que o bom que se conhece atualmente, então se desvia imediatamente o amor do primeiro objeto para o segundo” (Breve Tratado, p.96). O amor fruto da opinião ou do puro ouvir dizer são flutuantes, superficial e efêmero. Pois, só o amor que nasce do conceito e do conhecimento adequado que temos de uma coisa é durável e sólido, e quanto maior e magnífica se mostra, tanto maior é o amor em nós. Por isso, já que sabemos que as paixões nascem destas três formas, é preciso saber também sobre as coisas que merecem nossa atenção. Como apenas a primeira é solida, precisamos saber quais as coisas que devemos investir e quais rechaçar, pois existem paixões de coisas perecíveis, que não vão nos fortalecer em nossa natureza por nos unirmos com elas, pois elas mesmas são débeis. Spinoza sentencia: “quem se une a coisas perecíveis é sem dúvida muito miserável; pois como elas estão fora de nosso poder e sujeita a muito acidentes, é impossível que, se elas vêm a sofrê-los, ele mesmo [o amante] possa se livrar deles. Portanto, chegamos à seguinte conclusão: se os que amam as coisas perecíveis, que ainda têm algum grau de essência, são tão miseráveis, quanto mais serão aqueles que amam as honras, as riquezas e os prazeres, que carecem totalmente de essência” (Breve Tratado, p.102)! A volatilidade da honra, da riqueza e do prazer é denunciada algumas vezes pelo pensador em outras obras. No Tratado da Correção do Intelecto também podemos ler uma recomendação para não colocarmos nosso projeto de felicidade nessas três coisas. A extrema flutuação dessas coisas deve ser em si e por si razão para não prendermos nossos corações nessas coisas. Entretanto, apenas em sua obra maior, Spinoza revela que o problema é que a paixão é uma ideia confusa, que faz a mente padecer enquanto é uma ideia inadequada. Essa ideia confusa, que a paixão em nosso corpo, se afirmar como uma força de existir maior ou menor. Essa flutuação de intensidade da paixão é determinada pelo que ela produz em nós. Se a paixão produz alegria, ela se intensifica; se produz tristeza, ela perde intensidade. Então a força da paixão é igual a soma ou subtração dos dois afetos primários da vida: alegria e tristeza. Por isso, Spinoza escreveu em sua Ética: “o afeto que é dito paixão do ânimo é uma ideia confusa pela qual a mente afirma de seu corpo ou de uma de suas partes uma força de existir maior ou menor do que antes. E, dada [esta ideia], a mente é determinada a pensar uma coisa de preferência a outra” (Ética, p.365). Assim fica claro, nossa mente é determinada a pensar preferencialmente sobre as coisas que somos apaixonados. E esse pensamento é mais ou menos intenso dependendo do tamanho da afecção, afetação dessa coisa em nós. A paixão aumenta a intensidade do sentimento vital, por isso, não podemos nos ligar a coisas volúveis. A paixão às coisas não volúveis aumenta nossa vontade de potência, pois quando estamos ligados a coisas perecíveis elas se esvanecem e com ela a vida torna-se dor e sofrimento. Em fim a paixão é natural. O homem é um ser de paixão, pois somos afetados de múltiplas formas e essas afecções produzem em nós admiração e amor. A questão fundamental é que precisamos saber a quem ou o que estamos nos ligando quando alimentamos nossas paixões, pois elas podem nos fortalecer ou enfraquecer demasiadamente, gerando alegria ou tristeza.

ESPINOSA, B. Breve Tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

___. ÉTICA. São Paulo: Edusp, 2015.

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