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  • cleverfernandes196

ODE À INSIGNIFICÂNCIA

Atualizado: 18 de fev. de 2021

O romance de Milan Kundera “A festa da insignificância” é uma constatação que a essência da vida é a insignificância, no fundo ele deixa implícito que a vida é uma festa insignificante. Na perspectiva apresentada no breve romance, parece-me necessário admitir que ele tem razão. Kundera numa narrativa leve, agradável e envolvente, descreve momentos da vida de Alain, Ramon, Charles e Calibã. Como um contador de histórias, ele narrar a banalidade dramática da existência de seus personagens, e, como pensador eloquente, desenvolve uma ideia impactante, qual seja: A ideia sobre a insignificância. Para quem conhece um pouco de filosofia, é fácil perceber o forte aroma das ideias nietzschianas neste romance… Sua ideia de insignificância é um tipo de transvalorização, pois num processo alquímico ele transforma o seu significado, temos uma transmutação do sentido da palavra no romance. O leitor percebe rapidamente essa incrível re-significação operada por Kundera, mas isso não fica só subentendido, ele explicita o que pensa escrevendo: “A insignificância… é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, na lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la […] Ela está presente com toda a sua evidência, com toda a sua inocência, com toda a sua beleza […] Ela é a chave da sabedoria, ela é a chave do bom humor” (KUNDERA, 2014, p. 132).

Além desse cheiro agradável da ideia de transvalorização nietzschiana, é visível que a insignificância de Kundera tem uma ressonância direta com o amor fati de Nietzsche. É preciso saber amar o destino, assim como temos que abraçar a insignificância da vida. Não é resignar, não é apenas perceber a impotência frente aos acontecimentos, mas isso é um aprendizado. Na verdade, o aprendizado acontece quando conseguimos sorrir, pois, viver é saber rir dos acontecimentos da vida. Manter o bom humor sempre é a base da boa vida, mas como é possível manter este estado de ânimo num mundo repleto de idiotas e fascistas? Como questionou Calibã, quando ouviu de Ramon está sentença sobre o bom humor: “Como encontrar o bom humor?” O interlocutor não respondeu, porém, parece na sequência do romance que, para Kundera, precisamos aceitar, amar, reconhecer, abraçar a insignificância, pois o tédio, a melancolia, a tristeza são coisas que precisamos evitar, são mudas, são solidões silenciosas. Ele escreveu: “Não tem nada pior que o tédio. É por isso que mudo de companhia” (KUNDERA, 2014, p. 78). Ao contrário, o bom humor é solidão ruidosa, sempre acompanhada. “O bom humor! É isso que importa e nada mais!” (KUNDERA, 2014, p. 78). Existe algo mágico, luminoso e contagioso no bom humor, por isso não é solidão solitária. A energia do bom humor atrai as pessoas, só existe amizade com pessoas de bom humor, os mal-humorados não tem amigos. São sempre solitários. Se de fato o ser humano é uma solidão, como escreve Kundera, a pessoa bem humorada será sempre “uma solidão cercada de solidões” (KUNDERA, 2014, p. 73) estará sempre acompanhada.

O bom humor é ato de resistência, resiste ao tédio, a melancolia, a tristeza. É fundamentalmente resistência ao mau humor. Quem está de bem com a vida consegue rir das tolices da existência, afinal basta reconhecer que tudo é insignificante. Os farsantes querem dar um ar de grandeza as coisas da vida. Existe uma farsa no viver e por isso fantasiamos, mistificamos, para sobrevivermos nessa festa a fantasia. As máscaras sociais que usamos buscam dar mais importância, grandeza e seriedade as coisas da vida, mas são apenas artifícios para nos protegermos da realidade; são estratégias para suportarmos a vida social, que se impõe violentamente. Mas se encararmos a vida com bom humor sentiremos a leveza do viver. Claro que sabemos que o mundo existe objetivamente, que nele temos uma dinâmica veloz e perversa que se impõe, e assim frente a isso Kundera faz a seguinte orientação: “Nós compreendemos há muito tempo que não era mais possível mudar este mundo, nem remodelá-lo, nem impedir sua infeliz trajetória para a frente. Havia uma única resistência possível: NÃO LEVÁ-LO A SÉRIO” (KUNDERA, 2014, p. 88). Para ele não devemos levar o mundo a sério, pois a leveza da vida está em não levá-la tão a sério, afinal ela como “todos os sonhos um dia terminam” (KUNDERA, 2014, p. 86). É necessário compreender que estamos num fluir dinâmico e inexorável, o tempo flui para o nosso bem e mal simultâneo. Como escreveu Kundera, “o tempo corre. Graças a ele, em primeiro lugar estamos vivos, o que quer dizer: acusados e julgados. Depois, morremos, e continuamos ainda alguns anos com aqueles que nos conheceram, mas não demora a ocorrer outra mudança: os mortos se tornam velhos mortos, ninguém se lembra mais deles e eles desaparecem no nada; apenas alguns, raríssimos, deixam seus nomes na memórias, mas, privados de todo testemunho autêntico, de toda lembrança real, transformam-se em marionetes” (KUNDERA, 2014, p. 31). No fim da festa da insignificância, quando não existem mais sonhos, o fluir temporal vai apagando nossa existência virtual da e na memória daqueles que compartilhamos alguns momentos… e com isso não restará nenhuma lembrança, voltaremos ao nada da não existência. O romance de Milan Kundera é uma ode à insignificância da vida. É o alerta para não nos escravizarmos, não existe nada que mereça isso. Nesta festa da insignificância temos que dizer como o Renato Russo, em Metal contra as nuvens: “Não sou escravo de ninguém, ninguém senhor do meu domínio“. Vamos viver a vida, sem medo de ser felizes!

KUNDERA, Milan. A FESTA DA INSIGNIFICÂNCIA. Tradução de Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 135p.


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