top of page
  • cleverfernandes196

NÓS E OS OUTROS

A relação entre as pessoas é complexa e múltipla, pois nos relacionamos não apenas com as pessoas de carne e osso a nossa frente, ou nos vários espaços virtuais de comunicação nas redes sociais, mas nos relacionamos mais com a imagem mental do outro e com aquele perfil publicado por ele mesmo, já que somos todos publicitários de nossa própria imagem. Acredito que se aceitássemos e nos permitíssemos viver somente com as pessoas reais e concretas, com suas grandezas e limitações, com aquilo que elas podem realmente nos oferecer, com aquilo que elas são verdadeiramente, tudo seria mais simples, porém teimamos e nos relacionamos mais com a imagem que construímos dos outros em nossa mente do que com eles mesmos, isto é, nos relacionamos com uma fantasia inexistente, melhor dizendo, existente apenas em nossos desejos e devaneios. Por isso, esperamos do outro o que não são capazes de nos dar, ou simplesmente nunca imaginaram que agir daquela forma seria melhor. O problema é ainda mais grave, além de esperarmos aquilo que os outros não pensam ou não tem condições de fazer, a maiorias das vezes, esperamos que o outro adivinhe o que desejamos (num tipo de ato mágico ou de transmissão de pensamento). Essa atitude beira a insanidade, pois esperar do outro uma ação sem dizer o que se deseja é no mínimo loucura, verbalizando o que queremos já não é coisa fácil [uma vez que, a comunicação não é ocorrência tranquila entre as pessoas, pois a linguagem é um poço de mal entendido] imagine quando aquilo que desejamos fica silenciado em nossa mente. A possibilidade de acontecer o que se espera é tão pouco provável como ganhar a loteria sem registrar um jogo. Precisamos reconhecer que entre nós e os outros pode existir conexões, mas ninguém consegue ouvir ou ler o que passa em nossa mente, da mesma forma que não temos acesso ao pensamento alheio. A consciência é um espaço inviolável. Para que o outro realize o que pensamos ser possível temos que comunicar, devemos dizer o que queremos com todas as letras, sem comunicação [mesmo sendo complicada] as coisas nunca sairão do plano da vontade. A canção de Humberto Gessinger, Piano Bar, traz uma regra de ouro para os relacionamentos, é a arte a serviço da vida. Há algum tempo tenho me aproximado das produções artísticas, não para refletir sobre, mas, para pensar com ou a partir das idéias produzidas na própria produção. Essa bela composição artística, como toda produção, é uma forma humana de pensar o mundo, a sociedade e a vida em sua singularidade. Os primeiros versos da música Piano Bar são simplesmente fantásticos tanto em sua beleza poética, como em seu pensamento sobre o relacionamento humano. Vamos transcrevê-los:

“O que você me pede eu não posso fazer; Assim você me perde e eu perco você; Como um barco perde o rumo; Como uma árvore no outono perde a cor; O que você não pode, eu não vou te pedir; O que você não quer, eu não quero insistir; Diga a verdade, doa a quem doer; Doe sangue e me dê seu telefone“.

A partir desta poesia o compositor nos faz pensar muitas coisas significativas para um relacionamento entre nós e os outros, e assim nos oferece uma verdadeira regra de ouro. Pensemos com ele:

O primeiro passo para afastarmos as pessoas de nossas vidas é muito simples, basta solicitar sempre o que elas não podem oferecer ou não querem fazer. Pedir ao outro aquilo que não pode, ou forçá-lo para fazer o que não apetece, é a mesma coisa que desatar um barco do cais, empurrá-lo e quebrar-lhes o leme, com certeza este barco lentamente será levado pela correnteza do rio e os ventos vão conduzi-lo para longe, ficando sem rumo, à deriva. Pedir o que o outro não pode ou não deseja fazer é a fórmula para afastar as pessoas de nossas vidas, como escreveu Humberto Gessinger: “O que você me pede eu não posso fazer; Assim você me perde e eu perco você“.

O segundo passo é a insistência, ela tem também o mesmo efeito corrosivo, pois, muitas vezes, mesmo contrariado, o outro pode até fazer aquilo que foi pedido e não queria fazer, mas, faz uma concessão, este é o seu primeiro erro, e, se o outro recorrentemente faz este tipo de solicitação a relação antes colorida e bela, como uma árvore no outono, vai perdendo a cor até tornar-se cinza, e não importa quantos tons de cinzas existam, a relação na vida tem que ter outras cores. Sem cor a vida não tem graça. Então é fundamental numa relação não cometer nenhuma destas tolices. O que o outro não pode fazer não devemos pedir e muito menos insistir. No entanto para que isso funcione é necessário dizer sempre a verdade, como o poeta escreveu: “Diga a verdade, doa a quem doer“, isso significa não ter medo de ser verdadeiro. A verdade pode doer, mas, só ela dá segurança na relação, é base concreta de toda relação. Ao contrário, a mentira é produtora de insegurança, pois ela sempre é descoberta, e assim produz fissura, pequenas rachaduras ou trincas que minam a base da relação que, com o tempo, fragiliza e desmorona toda a relação, provocando seu fim. Se a mentira e a falsidade diminuem, eliminam e matam a relação entre as pessoas; a verdade é a longevidade e a saúde da relação. Além da verdade e do ser verdadeiro, é preciso doar-se na e para a relação, mas isso não significa se anular ou se violentar fazendo coisas só para agradar o outro, isso seria falsidade; o doar sangue é apenas viver intensamente todos os banais e ordinários momentos da vida. Ser presença real, demonstrar contentamento, estar próximo afetivamente. A felicidade da vida pode ser apenas respeitar essa regra de ouro, ou como disse o professor Clóvis de Barros Filhos:

“Talvez a felicidade seja a mágica capacidade de nos alegrar com aquilo que já é nosso, a felicidade seja essa competência muito rara entre nós […] de se satisfazer com que é seu, de gostar daquilo que você já conquistou, desfrutar da família que é a sua, de curtir o espaço de trabalho que é o seu… Uma felicidade desesperançada, uma felicidade que não espera do mundo mais do que o mundo pode proporcionar“.

Essa é a versão do Clóvis de Barros Filho do “amor fati” nietzschiano. Amar o acontecimento, amar nosso destino, não resignar, mas amar a vida como ela é. Precisamos criar uma adequação com a ordem da vida e a ordem do mundo, isto é, promover uma reconciliação com o real. É necessário relacionar-se com o outro como ele é e não com a imagem mental que criei dele.

Para finalizar, seguindo a canção de Humberto Gessinger, não podemos esquecer de dar o número do telefone para o outro, mantendo sempre viva a comunicação. A saúde e a felicidade da e na relação está na comunicação sincera, verdadeira e permanente. Não esperar mais do que o outro pode oferecer muito menos um final feliz. Como uma pessoa certa vez me disse, comentando sobre leitura de livros: “Quem busca um final feliz perde toda a aventura da história!“, pois final feliz é uma possibilidade na literatura e na vida real e, não podemos esquecer, no mundo das possibilidades temos sempre dois lados, assim, mais importante do que o final feliz ou não é o meio, onde vivemos a aventura sem ficar preocupado com a consumação da história. Viver a vida sem preocupação, se relacionar verdadeiramente com as pessoas concretas, pois a relação entre nós e os outros é possível somente quando não ficamos vivendo com as sombras ou com os simulacros das pessoas, mas quando conseguimos viver de verdade com as pessoas como elas são.

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

@2020 gerenciado por Jéssika Miranda 

bottom of page