Gilles Deleuze produziu em 1962 uma obra intitulada “NIETZSCHE E A FILOSOFIA”. Nela apresentou sua leitura do professor da Basileia e antecipou a tese da nova imagem do pensamento, quanto escreveu seu principal livro, em 1968, o DIFERENÇA E REPETIÇÃO. Quero destacar aqui apenas uma questão pontual: a relação entre pensamento e arte. De
De acordo com Deleuze, o projeto mais geral da filosofia nietzschiana consistia em introduzir na filosofia os conceitos de sentido e de valor, assim, “tudo depende do valor e do sentido do que pensamos. Temos sempre as verdades que merecemos em função do sentido daquilo que concebemos, do valor daquilo em que acreditamos”, pois, “o pensamento nunca pensa por si mesmo, como também não encontra, por si mesmo, o verdadeiro”. Assim, tem-se uma nova imagem do pensamento e com ela uma separação radical daquilo que tradicionalmente a filosofia se dedicava, pensamento e verdade, isto é, a crença que o pensamento é o exercício da busca da verdade. Essa nova imagem do pensamento significa que o “verdadeiro não é o elemento do pensamento. O elemento do pensamento é o sentido e o valor. As categorias do pensamento não são o verdadeiro e o falso, mas o nobre e o vil, o alto e o baixo, segundo a natureza das forças que se apoderam do próprio pensamento”. Como o pensamento não pensa por si, ele também nunca pensa sozinho “e nunca é simplesmente perturbado por forças que lhe permaneceriam exteriores.
Pensar depende das forças que se apoderam do pensamento”. Numa outra obra, Deleuze afirma que com o pensamento “pintamos o mundo sobre nós mesmo, e não a nós mesmo sobre o mundo”. E, nessa leitura, Deleuze lança sua tese de matriz nietzschiana: se o pensamento não é a busca pela verdade, ele também não é o simples exercício natural de uma faculdade, “mas um extraordinário acontecimento no próprio pensamento, para o próprio pensamento. Pensar é uma enésima potência do pensamento”. Entretanto, ressalta o pensador francês, o pensamento “nunca atingirá essa potência se as forças não exercerem uma violência sobre ele. É preciso que uma violência se exerça sobre ele enquanto pensamento, é preciso que uma potência o force a pensar”, uma vez que, “não pensaremos enquanto não nos forçarem a ir aonde estão as verdades que fazem pensar, ali onde se exercem as forças que fazem do pensamento algo ativo e afirmativo”. A partir dessa violência provocadora do pensar é que temos a produção do pensamento. Não existe pensamento sem essa ação, e por isso o pensamento em movimento se torna produtor, pois “pensar significa descobrir, [criar], inventar novas possibilidades de vida”.
E, neste modo operante do pensamento, “a vida ultrapassa os limites que o conhecimento lhe fixa, mas o pensamento ultrapassa os limites que a vida lhe fixa. O pensamento deixa de ser uma ratio, a vida deixa de ser uma reação. O pensamento expressa assim a bela afinidade entre pensamento e vida: a vida fazendo do pensamento algo ativo, o pensamento fazendo da vida algo afirmativo”. Além dessa afinidade entre o pensamento e a vida, o pensamento tem uma afinidade direta com a essência da arte na concepção nietzschiana, pois a arte para Nietzsche “repousa em dois princípios: em primeiro lugar, a arte é o contrário de uma operação ‘desinteressada’: ela não cura, não acalma, não sublima, não indeniza, não ‘suspende’ o desejo, o instinto nem a vontade. A arte, ao contrário, é ‘estimulante da vontade de potência’, ‘excitante do querer’”. Com este princípio, Nietzsche “denuncia toda concepção reativa da arte”. “O segundo princípio da arte consiste no seguinte: a arte é a mais alta potência do falso, ela magnifica ‘o mundo como erro’, santifica a mentira, faz da vontade de enganar um ideal superior. Esse segundo princípio traz, de algum modo, a recíproca do primeiro: o que é ativo na vida só pode ser efetuado na relação com uma afirmação mais profunda”. Assim, nessa perspectiva, a arte ao inventar afirma na potência do falso na mais alta potência afirmativa, desta forma, “aparência, para o artista, não significa mais a negação do real nesse mundo, mas seleção, correção, reforço, afirmação. Então a verdade adquire talvez uma nova significação. Verdade é aparência”. O filósofo e o artista de mãos dadas são “os inventores de novas possibilidades de vida”.
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