A ilusão da perfeição encontra-se na incompreensão do termo. Perfeito não indica em si e por si uma coisa ideal, sem falhas, como cópia de um modelo universal e existente num mundo imaginário. A palavra em sua etimologia indica que perfeito significa algo completamente feito (per + fectum), assim perfeito não liga-se necessariamente a essa visão comum de algo irretocável. Então perfeito é algo que indica fim. As coisas podem rapidamente serem feitas, e na medida que são concluídas, são perfeitas. Spinoza em sua Ética faz uma aproximação muito importante entre perfeição e realização, de uma forma simples e clara, para ele, uma coisa é perfeita quando realizada. No início da quarta parte da Ética ele escreveu: “Quem decidiu fazer alguma coisa e a concluiu, dirá que ela está perfeita, e não apenas ele, mas também qualquer um que soubesse o que autor tinha em mente e qual era o objetivo de sua obra ou que acreditasse sabê-lo”. Assim, para Spinoza, atingir o fim daquilo que se deseja realizar é o mesmo que atingir a perfeição. Uma coisa só é imperfeita quando o autor deixa inacabada a obra que iniciou. Essa aproximação entre realização e perfeição parece ser, de acordo com ele, “o significado original desses vocábulos” a virada aconteceu quando “os homens começaram a formar ideias universais e a inventar modelos” e pior dar preferência aos modelos universais e abandonar as singularidades. Sem perceber que toda a generalização é falsa, pois a falsidade de toda a generalização encontra-se na tentativa deplorável e confusa de se estabelecer semelhanças e equivalências no que se é plural, diverso, diferente e singular. A ilusão da generalidade e, por consequência, a própria ilusão da perfeição está em querer igualdade na diferença. Com essa visão idealista em mente atribuímos a imperfeição a tudo que não se traduz no mundo real aquilo que foi criado como modelo ideal. Assim, não basta concluir a obra, mas ela deve ter todos os elementos atribuídos ao modelo, o que se torna tarefa quase impossível. Criou-se um abismo entre realidade e perfeição, e dizemos num ato comparativo que existem coisas mais perfeitas que outras, pois não importa mais o que o artífice desejava produzir, mas sim a comparação entre o produto real e o modelo ideal. Após a criação dessa fratura, o importante na avaliação da obra é o quanto ela se aproxima do modelo. Entramos num mundo da falta, da ausência, da carência, da limitação. Nessa visão idealizada de perfeição sempre ficará faltando algo, a perfeição nunca é atingida. Seja no mundo da coisa que se deseja fazer, seja na realização da vida. Até que em relação a vida faz sentido, pois se perfeito no seu sentido original quer dizer feito até o fim, só somos perfeitos quando findar nossa existência. Estamos na vida sempre em processo de realização, transformação, de busca da perfectibilidade. O ser humano é um ser em processo, em desenvolvimento. Somos devir, por isso não somos perfeitos. Nossa imperfeição não é porque não conseguimos atingir um modelo ideal de vida, não existe nada antes de nossa existência histórica para servir de modelo. A cada dia vamos nos produzindo. Somos artesãos de nossa existência, as escolhas vão talhando o que seremos. Essa ideia do homem como escultor de si mesmo é muito bem representada no Self Made Man de Bobbie Carlyle, em sua linda escultura de um homem se esculpindo em pedra.
Fonte: https://www.cnstatue.com/famous-crafts-bronze-self-made-man-statues-for-sale.html
A cada talhada torna-se o que se é. Só vamos conseguir definir quem somos no fim. Quando dermos o último corte e fecharmos os olhos nessa breve existência. Não nos falta nada, apenas precisamos seguir o processo de talhar a vida que queremos, desejamos e temos coragem de realizar. Como escreveu João Guimarães Rosa, no Grande Sertão: “Viver é negócio muito perigoso...” por isso temos que ter muita atenção e cuidado em cada movimento dessa talha da escolha do rumo que escolhemos seguir.
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