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CARTA ABERTA PARA TODOS E PARA NINGUÉM: O amor como ato político!

Por Jéssika Miranda



Você já ouviu o álbum AmarElo do Emicida? Pra falar sobre amor como ato político eu te recomendo sentir a potencialidade das poesias musicais do Emicida nesse álbum em específico. Em especial, a música Cananéia te sensibiliza inicialmente com o diálogo de um adulto com uma criança, o sorriso e melodia ao fundo, é capaz de te lembrar da importância de falar sobre amor. Ele tornou poético as nossas lutas políticas, sociais, afetivas, e tantas outras dores e sensibilidades que nos modifica. Para este texto, como reflexo desta sensibilidade, sinto:

“Do fundo do meu coração.

Do mais profundo canto em meu interior.

Pro mundo em decomposição,

Escrevo como quem manda cartas de amor”

(Cananéia, Iguape e Ilha Comprida – Emicida, AmarElo)


Como uma carta, o que externo hoje é reflexo das nulidades sociais sobre o amor, conscientes e inconscientes. Tenho 30 anos de idade, e como uma jovem negra que sempre esteve ansiosa pelo momento de “maturidade”, sinto ainda muitos medos. Sempre tive a urgência por não cometer erros e equívocos. Afinal, quem gosta de errar? Durante esses anos, não teve uma decisão sequer que não tenha sofrido chorosamente sem sentir medo, medo de errar.

Tornei-me professora, o que eu amo, mas junto com essa escolha, toda minha, me tornei pesquisadora. Esta última escolha foi uma necessidade. Sou feliz com essas escolhas. Nunca senti medo de “tentar” quando o assunto é estudo e trabalho. Mudei de Estado, moro longe da família, fiz novas famílias, fiz novos amigos, viajei bastante, tive que me adaptar e readaptar diversas vezes, e isso tem construído minha personalidade, caráter e relações. De certa forma, sempre me senti amparada por todos ao meu redor para não ter tanto medo em fazer essas escolhas.

Porém, quando o assunto é amor, nesse cenário me sinto solitária. Vem daí o tema: o amor como ato político. Amar é quase que uma ação subversiva. Eu sou filha da cultura do: seu marido é seu emprego, diz sempre minha mãe. É por isso, e por outros motivos, que tenho a sensação de ter todo apoio quando preciso focar nos estudos, e no trabalho. Diferentemente, é nas escolhas amorosas. No campo das emoções eu sou meu próprio apoio. Não ser ensinada a lidar com as emoções (feliz e triste), não fui abraçada quando tive as primeiras decepções amorosas, e o que fazer com essas emoções que nos ensina algo? Como lidar com a frustração dos primeiros erros no campo das relações (e não apenas nos relacionamentos amorosos, incluo as relações de afetos diversos). Compreendo que amar nos deixa vulneráveis e frágeis, e expor fragilidades não é racional em uma sociedade que ensina que homem não chora, e que mulher deve aceitar traições. De fato, esse é um elemento que sustenta e fortalece o sistema patriarcal, machista e opressor. Fomos ensinadas a não amar o outro, mas principalmente, a não amar a si mesmo.

Aos 27 anos de idade cortei meu cabelo tão curto que fiquei irreconhecível, cortei porque não me reconhecia em nenhuma forma em que eu me apresentava. Mas foi tão lindo e importante ver meu cabelo crescer. Com o rosto nu, pude conhece-lo, cada sinal delicado na pele; o desenho que meu cabelo faz enquanto cresce, acentuando suas rebeldias; a ponta do nariz com os traços negos evidencia a mistura dos narizes dos meus pais; aprendi a admirar as minhas primeiras expressões faciais. Assim, não foi difícil amar meu primeiro fio de cabelo branco aos 29 anos. É preciso reeducar nosso olhar para as belezas que acontecem na gente.

Na minha geração, principalmente quem tem útero, existe o sentimento de medo em engravidar, e com isso cria-se uma outra rede paralela e invisível que nos limita socialmente. As pessoas estão com medo de ter o primeiro filho, e/ou o segundo. Eu me incluo no seleto grupo de mulheres que desejam ser mães e tem medo da discriminação, imposição e solidão que é imposta quando pessoas se tornam mães, e isso independe de termos estabilidade, parceiras(os) e emprego. Por muitos anos sustentei a ideia de não querer filhas(os), sempre por motivos econômicos, sociais, emocionais e incertezas com aspectos ligados ao futuro. Recentemente entendi que quero ser mãe. Eu quero viver essa experiência de mudança e responsabilidade, e quero fazer isso sem ter que pensar nos outros. Eu quero ter o direito de ser amparada como eu sou no meu trabalho e estudos. De que forma? O sistema não funciona para mães independentes. Cria-se limitações outras, como eu disse, as vezes invisíveis.

O nosso sistema político, educacional e o mercado de trabalho não me oferece possibilidades de estudar o que quero e trabalhar nas condições que mereço em um mesmo lugar. Por isso tenho que viajar o país em busca das melhores oportunidades para minha carreira e estabilidade. Nesse processo não pude fixar raízes, e neste mesmo processo conheci tantas outras. Como manter relações profundas e duradouras em um lugar sabendo que provavelmente precisarei mudar de Estado novamente? E como nesse contexto de insegurança emocional eu posso (tentar) reestabelecer um espaço de segurança interna comigo mesma? Como desenvolver estímulos de afeto e amor? É o que tenho aprendido por todos os lugares que tenho andado. E tenho andado por lugares incrível, conhecido pessoas extraordinárias, fazendo poesia desses encontros e desenvoltos tenho aprendido a sensibilizar os afetos, emoções, trazendo para as relações (comigo e com o outro) o amor como resistência e superação do que nos foi imposto. Amar, e amor é hoje pra mim, uma ação política.

Depois de algumas situações complicadas, o novo ciclo de vida com meus 30 anos, os dois fios de cabelos brancos, minha bagagem emocional, meu currículo, minhas viagens, e minha psicóloga eu carrego sempre a pergunta: e agora Jess, qual a meta? E você leitor, pode ficar curioso quanto a minha resposta. Uma nova viagem? Um doutorado? Um filho? Hoje, minha meta é viver o amor como um ato político, é transgredir as regras patriarcais, viver e ensinar sobre os afetos que nos ajuda a formar uma sociedade menos violenta e violentada. Eu quero ter encontros potentes comigo, com você e com os outros. Emicida fala de amor em suas músicas. Ele transforma suas emoções, inquietações e afeto em poesia. Quem escreve para um mundo em decomposição como quem manda cartas de amor, exercita seu poder político.




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*Jéssika Wanessa dos Santos Miranda, mestra em Sociologia. Integra a equipe do Filosofia e Vida.

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