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cleverfernandes196

MENTIR É CANSATIVO DEMAIS


Albert Camus coloca essa frase na boca de um de seus personagens do livro A Peste: “Na minha idade, é preciso ser sincero. MENTIR É CANSATIVO DEMAIS”. Qual mentiroso nunca ouviu a pergunta, você não se cansa de mentir? A mentira é mais um elemento que poderíamos acrescentar na sociedade do cansaço. Essa assertiva de Camus é fundamental quando se pensa na vida feliz, leve e tranquila, pois o mentiroso carrega nos ombros um fardo da rede de mentiras produzida por ele. Exatamente “rede”, pois não existe uma mentira sozinha, já que toda mentira produz em torno de si uma constelação, uma rede de sustentação. Uma mentira puxa outra e outra num crescente sem fim. E o cansativo no mentir encontra-se no esforço de manter em funcionamento, no máximo de sua potência, a memória para não esquecer o que se falou para este ou aquele indivíduo, para este ou aquele grupo de amigos. O mentiroso faz uso e abuso da imaginação, e precisa manter a memória ativa permanentemente em sua produção fantasiosa de uma realidade paralela, muitas vezes, tão convincente que até ele mesmo acredita no que está falando. Um universo paralelo, que na verdade é um mundo de sombras, uma vez que o mentiroso vive numa sombra tateando esta realidade pantanosa que ele mesmo criou, porém, num dado momento, afunda no seu pântano. Muito dificilmente um construtor desse tipo de realidade consegue sentir a leveza e tranquilidade da vida do mundo consensual. Isso, a verdade é um consenso cultural, a verdade é uma construção. Não quero entrar aqui num debate sobre a teoria da verdade.

O fato é que temos uma realidade consensual que quando a aceitamos conseguimos uma certa leveza e tranquilidade. Não estamos nos movimentando nas sombras, mas numa clarividência socialmente aceitável. O ser sincero da afirmação do personagem de Camus liga-se à aceitação daquilo que culturalmente recebemos no processo educacional. Por isso, quando alguém navega fora desse mar, criando a sua realidade particular, sofrerá consequências duras para seguir vivendo. Existe uma carga emocional envolvida na falta de sinceridade, e ela gera um cansaço mental, por isso que no mundo consensual é possível se afirmar que a verdade é libertadora. A verdade liberta desse peso, desse fardo da mentira. Não existe trabalho em ser verdadeiro, não há fadiga em anunciar o que é consenso. A verdade é leve, suave e doce. Assim, é possível afirmar que ninguém sofre o peso da verdade, pois não há esforço em ser sincero, quem diz a verdade não está se movimento nas sombras, assim a clarividência do mundo a sua frente permite sentir a tranquilidade na alma, a leveza do viver. Já a mentira dá muito trabalho, por isso mentir é cansativo demais, pois o mentiroso vive com o sinal de alerta ligado preocupado em ser pego na sua rede de mentiras. O mentiroso tem uma alma atormentada. O medo, a inquietude, a ansiedade, a perturbação são suas companheiras permanentes, mesmo quando demonstram tranquilidade, no fundo está vivendo um turbilhão de emoções, de modo que a cada pergunta simples reage como se estivesse sendo inquirido num tribunal. A vida na mentira é cansativa demais! É uma vida impaciente, uma vez que se vive o tempo todo atento para costurar e remendar os furos da sua rede.


O mentiroso é um ser reativo por excelência, pois se vê obrigado a reagir imediatamente a cada palavra que supostamente coloca em dúvida suas afirmações. Sustentar a mentira é algo que produz um cansaço extra na vida, é viver como quem está permanentemente numa corda bamba, num trabalhoso esforço para manter-se equilibrado. A vida do mentiroso pode ser comparada também com um castelo de cartas: basta uma brisa suave para desmontá-lo, pois é ilusão fugidia. Assim, precisamos manter a verdade não só por uma questão moral, mas também por uma questão existencial. Viver tranquilo, paciente e feliz. Porém, não significa que a ilusão seja uma característica exclusiva da mentira, pois quando digo que a verdade é um consenso cultural, estou sinalizando aquilo que Nietzsche declarou sobre a verdade no seu livro Sobre a verdade e mentira no sentido extramoral: “as verdades são ilusões das quais se esqueceu que são” e “a ilusão é necessária para o progresso da civilização”, para ele a verdade é uma construção social e a ilusão o passaporte para o progresso civilizatório, mas isso fica para outro dia.


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