“Ser livre é não ser escravo das culpas do passado nem das preocupações do amanhã”, nos diz Augusto Cury.
Mas, acima de tudo, ele continua dizendo,
“Ser livre é ter um caso de amor com a própria existência e desvendar seus mistérios”.
Entretanto, estes Mistérios da existência não são problemas de ordem metafísica, eles não devem nos remeter a uma busca pelo sentido da vida, a uma força secreta e subterrânea sobre a qual temos que encontrar ou escavar um sentido obscuro da existência, mas o mistério da vida esta simplesmente em aceitar a vida como ela é. Não precisamos e nem devemos revelar nossos segredos mais íntimos, pois é necessário reconhecer que “em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior com planícies invioláveis, vales de silêncios e paraísos secretos”, como escreveu poeticamente Antoine de Saint-Exupery. Somos povoados por desejos, sonhos, delírios e fantasias inconfessáveis, a final “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Então conquistaremos nossa liberdade quando não somos mais escravos das culpas de ontem, nem sequestrados pelas preocupações do amanhã e, fundamentalmente, se aceitarmos hoje nossa verdadeira natureza, com nossos limites e grandezas, e também aceitarmos os outros como eles são. Só depois deste movimento transformador sentiremos a leveza do existir, vamos nos sentir leves e livres. Não tenho dúvidas, as pessoas ficam melhores quando aceitam a própria vida. Mas precisamos de coragem para assumir nossa vida como ela é, naquela fórmula nietzschiana do AMOR FATI, o amor ao acontecimento da vida. O problema, como escreveu Pascal, é que
“Queremos viver na ideia dos outros uma vida imaginaria, e, para isso, esforçamo-nos por fingir. Trabalhamos incessantemente para embelezar nosso ser imaginário e negligenciamos o verdadeiro” (PASCAL, Pensamento 147).
Nunca foi tão verdadeira essa sentença pascalina como nestes tempos de redes sociais. Muitas pessoas produzem perfis e vidas profundamente idealizadas, longe da condição real. Constroem verdadeiras peças de ficção da própria vida. Mostrando e falando muito mais do que desejariam viver do que realmente vivem. Muitas vidas nas redes sociais são vidas imaginadas e não reais. Escravos das imagens idealizadas, numa produção para satisfazer os outros, por isso embelezamos nossas vidas virtuais, passando muita maquiagem para esconder o nosso verdadeiro rosto. Fantasia e fingimento são as marcas do nosso tempo. Parece que o grande poeta Belchior tinha razão:
“Cada um guarda mais o seu segredo A sua mão fechada, a sua boca aberta O seu peito deserta, sua mão parada Lavrada e selada E molhada de medo” (Música, Na hora do Almoço).
Morremos de medo de nossa vida real, por isso ficamos fugindo do presente. Preferimos ficar no passado ou no futuro, sempre no tempo virtual e nunca no atual. Essa é nossa própria miséria, como escreveu Pascal, a nossa imprudência é que
“Não ficamos nunca no tempo presente. Antecipamos o futuro, por chegar demasiado lentamente, como para apressar-lhes o curso; recordamos o passado para detê-lo, por demasiado rápido: tão imprudentes que erramos nos tempos que não são nossos e só não pensamos no único que nos pertence; e tão vãos que sonhamos com os que já não existem e evitamos sem reflexão o único que subsiste. É QUE O PRESENTE DE ORDINÁRIO NOS FERE. OCULTAMO-LO À VISTA, PORQUE NÓS AFLIGE; e, se nos é agradável, lamentamos vê-lo escapar. Tratamos de sustentá-lo pelo futuro. E pensamos em dispor das coisas que não estão ao nosso alcance para um tempo que não temos nenhuma certeza de alcançar. Que cada qual examine os seus pensamentos, e os achará sempre ocupado com o PASSADO e com o FUTURO. QUASE NÃO PENSAMOS NO PRESENTE; e, quando pensamos, é apenas para tomar-lhe a luz a fim de iluminar o futuro. O presente não é nunca o nosso fim; o passado e o presente são os nossos meios; só o futuro é o nosso fim. Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver, e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos” (PASCAL, Pensamento 172)
Comments