Difícil viver uma vida sem arrependimento, sempre teremos coisas que fizemos e depois gostaríamos de não ter feito, situações que não fizemos e que desejaríamos muito ter feito, ou coisas que queríamos ter feito melhor. Ocasiões em que deveríamos ter tido mais grandeza e elegância, momento que exigiam mais delicadeza e gentileza, mas infelizmente não fomos nem delicados e nem gentis, porque naquele instante não tínhamos isto para oferecer, ou em nossa covardia negligenciamos. Como escapar dos acontecimentos frutos da dor e do ressentimento? O arrependimento é primo-irmão do ressentimento, são afetos tristes, precisamos nos conter, nos proteger, nos resguardar deles, não podemos deixar que eles dominem nossas vidas. Caute; essa era a palavra do selo do Spinoza, ele estava pedindo aos seus leitores ao
receber seus escritos que tivesse cautela, cuidado, mas não só isso, o lema spinozado é para a vida, ter atenção a vida, não ter ansiedade, não precipitar as coisas. O caute é indicativo, sempre acompanhado com uma rosa, para termos cuidado com a vida, pois como as rosas são delicadas e tem espinhos. Existe também nesse lema uma indicação direta ao cuidado com as ideias que são perigosas aos olhos do poder, por isso mantenha também a cautela ao divulgar o que se pensa. Assim, se proteger não é deixar de viver, da mesma forma, que não acredito que o objetivo da vida seja viver com perfeição. Na verdade, não acredito que isso seja possível. A vida perfeita é a vida vivida aplicando toda vontade de viver, com cautela, a perfeição é igual a realização, nos disse Spinoza. O arrependimento é fruto do pensamento idealista, um tipo de vida lisa, mar sem ondas, isso não existe. A vida vivida é sempre cheia de estrias, as ondas que resolvemos surfar muitas vezes quebram e nos arrasta, somos atropelados pela realidade, e tudo isso sempre produz cicatrizes, rugas e marcas. Para não sofrer isso teríamos que viver sem arrependimentos, teríamos que fechar nosso coração as novas experiências, evidente que um coração aberto pode partir algumas vezes, mas isso é viver. Como Nietzsche nos disse: aquilo que não nos mata, com certeza nos fortalece. Não porque cria em nós uma carapaça protetora, mas porque as experiências nos fortalecem criando um tipo de imunização. Somos imunizados a cada experiência, como se fôssemos vacinados. Nunca seremos fortes para fugir da vida entrando numa carapaça, como as tartarugas. A nossa fortaleza vem da afirmação na e da vida, precisamos de cautela, mas não podemos ter medo de viver. Viver plenamente. É preciso viver, sem medo de se ferir, sem medo de ser feliz. Porém, isso não é racionalizando cada passo, calculando as rotas, vida apenas racional perde o melhor da existência, um coração borbulhando de amor. Só não podemos deixar que a irracionalidade dos afetos nos deixe loucos por fantasiar, imaginar situações como fazem os ciumentos. O ciúme é só vaidade, nos diz Raul Seixas. Por isso, não podemos deixar que a onda do arrependimento e ressentimento nos leve para as ilhas da tristeza e solidão. E a questão principal para sair deste círculo vicioso repousa na necessidade de duas coisas: AUTOACEITAÇÃO e CUIDADO, pois é crucial saber quem somos e aceitar sem ressentimentos ou arrependimentos o que nos tornamos. Pois, como diz o poeta, “Cuide-se bem, perigos há por toda parte. E é bem delicado viver de uma forma ou de outra. É uma arte” (Guilherme Arantes).
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