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  • cleverfernandes196

A INSEGURANÇA, VIDA E ESCOLHA


Este texto é a composição de duas postagens publicadas no Facebook, a ideia básica é que a vida é marcada pela insegurança e pela escolha. Ele não é uma mera repetição, mas é um novo texto onde procuro argumentar e reforçar os argumentos daqueles textos já divulgados em outra base. O autor francês André Gide, em sua obra Frutos da Terra, escreveu que: “nenhum gesto de hoje que o que fui ontem não determine. Mas esse que sou neste instante, subido, fugaz, insubstituível, escapa… Ah, poder escapar de mim mesmo! Soltaria por cima do constrangimento a que o respeito de mim me submeteu. Minha narina abre-se ao vento. Ah, cortar as amarras, para a mais temerária aventura […] E que isso não tivesse consequências amanhã […] Ó inquietações inéditas! Questões ainda não postas! […] Meu tormento de ontem me afadigou; super-esgotei-lhe a amargura; não acredito mais, e sem vertigem me debruço sobre o abismo futuro. Ventos do abismo, transformai-me!”. A existência é um processo de criação e recriação constante. O passado não pode determinar o presente, e assim, a vida na visão gideana é transformação contínua. O ontem não pode determinar o hoje e tem-se que sem medo, sem vergonha e sem vertigem, lançar-se nas aventuras do instante seguinte. Porém, sabemos que, de acordo com Erasmo de Rotterdam, “duas coisas, sobretudo, impedem que o homem saiba ao certo o que deve fazer: uma é a vergonha, que cega a inteligência e arrefece a coragem; a outra é o medo, que, indicando o perigo, obriga a preferir a inércia à ação”. O medo e a vergonha são dois sentimentos paralisantes, eles nos afetam e inibem nossa ação. Só conseguimos seguir a vida quando superamos o medo e a vergonha, pois na dinâmica da transformação humana é preciso acolher corajosamente o novo, é preciso romper as amarras da insegurança. Negar a inércia. A vida plena está nesta aventura e na aceitação do abandono. “Não deixes que o mais leve peso do passado te escravize”, pois, o que se viveu ontem não gera segurança nenhuma. Estamos no viver caminhando como bêbados equilibristas, por isso não existe nenhum tipo de segurança, essa constatação é fatal para muitos. Porém, “não existe remédio direto e inequívoco para esse dilema. Não importa o quanto se tente negar, a vida se passa na companhia da incerteza. Cada decisão tende a permanecer arbitrária, ninguém estará livre de riscos e seguro contra o fracasso e desapontamentos posteriores”, salienta Zygmunt Bauman. Apesar de tal constatação, todos querem viver na absoluta segurança, essa atitude é uma ilusão irresistível. O que para muitos é fonte de segurança, a experiência vivida, o passado, para o nietzschiano André Gide, a recordação só tem sobre o ser humano a força necessária para dar unidade a vida. Desta forma, assumindo esta ideia, o passado tem uma função específica dar uma unidade a vida, ou seja, dar uma identidade na diferença, pois, temos consciência de nossa identidade pessoal, mas, também, ao mesmo tempo, somos diferentes daquilo que fomos. Então, o passado não tem a função de ser parâmetro, muito menos ele não consegue dar segurança, pois tudo que vivemos é novidade, além do mais, o passado não pôde condicionar nossas ações presente. Ele é apenas uma referência identitária, não algo para ser repetido como rito sagrado. E, mesmo desejando ou querendo muito, não podemos e nem temos como repetir um único instante vivido. A todo o momento estamos sempre diante de um presente único e singular. Esta novidade cotidiana, não pode gerar medo. Temos que aceitar que a vida flui como as águas nos rios, e também precisamos reconhecer que as pessoas, em nossas vidas, são como pássaros que pousam em nossos ombros… Eles chegam a um determinado tempo e a qualquer momento podem voar para ver outras paisagens, e, por isso, temos que aprender que eles não são nossas propriedades. Todos os pássaros vão voar, pois todas as companhias em nossas vidas são temporárias. É múltiplo os fatores que fazem as pessoas voarem, mas, isso não significa que este distanciamento é o fim de tudo, pois a proximidade afetiva não esta ligada necessariamente à proximidade física. Minha ideia tem ressonância direta com um autor Richard Bach, particularmente, com seu livro intitulado “Longe é um lugar que não existe”, pois o afeto não se finda, não se esgota com as distâncias geográfica e temporal. O amor, o afeto, a amizade verdadeira transcendem o tempo e o espaço, assim podemos assegurar que a proximidade afetiva não esta condicionada a proximidade físico-temporal. Para quem ama, a amizade não terá fim só porque deixamos de conviver diariamente. Vargas Tellado escreveu: “dizem que os amigos verdadeiros passam longos períodos sem se falar e  jamais questionarão a solidez da amizade. Quando eles se encontram, independentemente do tempo e da distância, parece que se viram ontem. Entendem que a vida é corrida e que a fina poeira dos dias jamais encobrirá o que você sente por eles”. O tempo e a distância jamais vão encobrir o afeto verdadeiro, por isso longe é um lugar que não existe para quem ama. Além dessa situação de distanciamento fruto da dinâmica da vida, outra questão da existência é que não somos eternos. A morte é realidade intransferível para todos, não adianta  tentar prender as pessoas, um dia elas vão partir ou vão morrer, só você é eterno com você mesmo. Por isso, precisamos aprender a aproveitar a presença dessas pessoas que amamos, e o primeiro passo é ser uma boa companhia para si mesmo, ninguém consegue aproveitar a companhia do outro se não suporta a própria presença. Somos todos nômades na vida, como pássaros voando na dinâmica da vida. Assim, pensando a metáfora do pássaro, temos que aproveitar a presença destes pássaros nômades em nossas vidas, pelo tempo que eles permaneceram em nossos ombros, pois só assim, com atenção e cuidado, teremos boas recordações da suavidade de seu canto, que não sai de nosso ouvido; da beleza de sua plumagem, que ainda enchem nossos olhos de alegria; do frescor inebriante do seu perfume, que não deixa nosso nariz; e da leveza de sua presença, que não abandona nosso coração. É evidente que, para muitos, esta possibilidade é assustadora. A simples possibilidade do voo do pássaro produz terríveis receios, e, assim, num ato de desatino, constroem gaiolas e aprisionam o pássaro, acreditando que agora o pássaro não vai abandoná-lo… Ledo engano. Esta atitude gera na verdade uma falsa segurança, pois a gaiola não eterniza o pássaro. Além de não resolver a questão do abandono, pássaro preso não canta apenas lamenta, sua plumagem perde o brilho… Temos que aceitar, não existe segurança na vida humana. Gaiolas não gera segurança. Nossa existência é repleta de surpresa, pois, a cada instante estamos frente a estranhas possibilidades. A vida acontece em caminhos incertos, por isso, temos que manter a atenção e o cuidado a todo instante, pois, os perigos estão a toda parte. A incerteza dos caminhos que precisamos tomar nos atormenta durante toda a vida, uma vez que não existem caminhos antes de caminharmos, estamos sempre vivendo o novo. Nossas escolhas produzem os caminhos, pois, como já disse, “o caminho só existe quando você passa”, e, ninguém tem certeza se esta foi a melhor escolha, temos apenas esperança. Milan Kundera escreveu: “… porque não tem senão uma vida, [o homem] não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento”. Qual a vida que merece ser vivida? Qual o melhor caminho para a vida? Quando escolhemos uma vida, um caminho, acreditamos que estamos acertando, mas a vida é sempre uma caixa de surpresa, ela é sempre novidade. As escolhas aparentemente boas podem se revelar o oposto daquilo que esperávamos, mas, não sou tão radical como, o poeta Eurípedes que acreditava que “é o inesperado que chega, jamais o que esperamos”. Apesar desta surpresa da e na vida, a certeza que temos é que a vida é escolha, e, cada uma é como o passo do bêbado equilibrista na corda bamba; não temos garantias, apenas temos que continuar caminhando, escolhendo isso ou aquilo, se relacionando com esta ou aquela pessoa. A vida é a arte de equilibrar-se em uma corda estendida entre o nosso nascimento e nossa morte, e equilibrar é sempre um risco, pois, não existe vida sem risco, temos e vamos correr os riscos de cair, já que não podemos paralisar o fluir da vida, vamos viver escolhendo a vida que achamos que merece ser vivida, afinal, como canta o poeta Caetano, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, e o que somos é fruto de nossas escolhas na insegurança do viver.

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