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cleverfernandes196

A INDIGESTÃO PRODUZ RESSENTIMENTO

O filósofo Epicuro nos ensinou que temos três tipos de desejos: a) os naturais e necessários, b) os naturais, mas não necessários, e, por fim, c) os não naturais e não necessários… Assim, comer liga-se ao primeiro tipo, aos desejos relacionados com a própria conservação da vida, a alimentação não é apenas prazer, comer é algo natural e necessário para a vida, entretanto, satisfazer esse desejo, ou qualquer outro, de forma desregrada produzirá consequências, tudo tem efeitos colaterais. Temos consciência que comer demais, ou comer algo contaminado e estragado, ou comer algo de origem duvidosa e desconhecida, pode nos fazer muito mal, podemos ser afetados por uma forte indigestão, dificuldade de digerir os alimentos ingeridos e isso pode nos provocar gastura, mal estar, dores e irritação. A indigestão pode ser seguida de indisposição associada a dores abdominais, náuseas e vômitos. Ela acontece quando o corpo rejeita algo que não compõe, aquilo que o organismo não consegue absorver, e parece que o alimento indigesto está agindo num processo de decomposição corporal. Na vida, como na alimentação, temos que ter cuidado com o que estamos ingerindo, pois as experiências vividas ou sofridas são alimentos agradáveis e saborosos; bem como, desagradáveis e amargos, podem nos fortalecer, enfraquecer ou até nos matar. Assim como os alimentos podem não cair bem, as relações, os encontros na e da vida também podem não cair muito bem. As experiências da vida mal digeridas produz também indigestão, e com elas o ressentimento. Exatamente, é a indigestão que gera o ressentimento e, assim ressentidos, podemos nos fechar as novas experiências. O ressentido é quase sempre uma pessoa passiva, reativa e pessimista, uma vez que vive em indigestão permanente, por isso, não tem disposição para realizar novas experiências seja pelo receio do sofrimento, seja pelo pessimismo que lhe garante que as experiências serão dolorosas. Entretanto, na vida, a indigestão não é apenas uma dificuldade de digerir, como no caso da indigestão corporal, mas a indigestão das experiências da vida acontece também na louca tentativa de reter, segurar, manter, ficar preso na mesma estação de desconforto e sofrimento das relações indigestas. Não aceitar o fim da relação, da experiência, é também um tipo de indigestão. Desta forma, quem tenta impedir o fluir da vida, não faz a boa digestão das suas experiências… Parece que não quer aceitar a dinâmica a vida, ela é feita de encontros e desencontros, de alegrias e tristezas, de vitórias e derrotas, ou, podemos dizer, como canta o poeta Milton Nascimento, de encontros e despedidas. Nossa vida é uma estação, gente chegando e saindo, o vai e vem é permanente…

Todos os dias é um vai-e-vem A vida se repete na estação Tem gente que chega prá ficar Tem gente que vai Prá nunca mais…

Não é possível impedir esse acontecimento, quem tenta constrói em si e para si uma dor sem fim, uma indigestão permanente, e, ao mesmo tempo, terá com essa atitude uma velhice ressentida. Se tornará um exemplo da caricatura do velho rabugento da literatura, do cinema, do desenho animado, uma vez que, ninguém nasce rabugento, nos tornamos nas indigestões sofridas na vida. Mas, como a vida não é um fato consumado, existe solução para esse problema de indigestão existencial. O remédio para essa indigestão, o grande remédio para a indigestão da vida, é o saudável esquecimento, ele é “uma força plástica, regeneradora e curativa“, no diz Nietzsche. Esquecer, deixar passar, superar as experiências da vida para não sofrer de indigestão. Todavia, não existe apenas este tipo de indigestão individual fruto dos desencontros da vida, podemos viver indigestões coletivas, que são situações de experiências sociais de dor e sofrimento. O povo brasileiro está passando por uma situação dessa natureza, estamos vivendo num tempo difícil, um tempo de grande indigestão coletiva, as últimas eleições foram indigestas, e podemos sentir isso em múltiplos espaços sociais, atuais e virtuais, um mal estar civilizatório. Isso é visível nas relações sociais em muitos ambientes, tais como os familiares e os do mundo trabalho; depois das eleições eles não são mais os mesmos. Penso que as redes sociais são importantes termômetros dessa insatisfação, náusea, gastura e irritação típicas das indigestões, são sentidas nas postagens de muita gente. Existe um dor estomacal coletiva, sinal que não conseguimos digerir essas últimas eleições. Assim, tudo indica, serão alguns anos indigestos, mantendo essa situação teremos um país ressentido, reativo, em crise. O remédio nessa situação, não é o mesmo da indigestão frutos das indigestas relações interpessoais, não é só esquecer e seguir a vida, neste caso apenas ações de resistência e de insurreição poderão diminuir esta indigestão coletiva. A forma mais simples de insurreição e de resistência está no ato de pensar. Os estados autoritários de linhagem fascista odeiam o pensamento plural, assim o ato de pensar torna-se um ato de desobediência, de transgressão, de insubordinação, é uma forma de dizer não ao indigesto pensamento estatal, que deseja amordaçar o pensarÉ fundamental insurgir para não sucumbirmos num tipo de Estado religioso, estado da desrazão. O remédio para a indigestão do estado fascista é o pensamento nômade. Viver num Estado dessa natureza é indigesto demais…

Quero agradecer ao amigo e colaborador deste blog, Nertan Silva-Maia, pela provocante e instigante ilustração intitulada INDIGESTÃO.

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