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A HISTÓRIA DE AMOR DE FERNANDO E ISAURA – ARIANO SUASSUNA

Ariano Suassuna é um brilhante escritor paraibano, de Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa), que dispensa apresentação. Sua obra mais conhecida é a peça teatral «O auto da compadecida», uma bela sátira da cultura brasileira, que com bom humor nos faz sorrir e pensar nossas relações com o mundo religioso, político, social da primeira república. Neste outro livro em tela, «A história de amor de Fernando e Isaura», escrito em 1956, quando tinha 29 anos, ele nos emociona e até nos faz chorar. Suassuna oferece aos seus leitores uma versão da clássica história de amor Tristão e Isolda. É um livro breve, não tem cem páginas, nele temos os acontecimentos da vida de Fernando e Isaura. Ele órfão ainda menino, sonhador, trabalhador, sobrinho de um homem poderoso e rico, irmão de sua mãe, Marcos que lhe adotou como filho. Ela jovem muito bela, mãos brancas, sua beleza e temperamento intimidava os homens, por isso aceitou casar com Marcos porque temia ficar solteira, além disso, tinha uma pitada de vaidade porque as outras moças iriam morrer de inveja por ter sido ela a escolhida. Porém, nossa vida não é só escolha e definições racionais, alguns acontecimentos produzem mudanças vertiginosas. O encontro dos dois foi fruto do acaso, estavam andando pela vida quando se cruzaram. Não planejaram nada apenas foram envolvidos por algo mais forte do que eles e que ligou a suas vidas. Após narrar as desventuras do casal Fernando e Isaura, ele escreveu:

Não vale como exemplo para ninguém, pois, ao que parece, para nada serve esse amontoado de acontecimentos sem sentido ao qual ordinariamente se dá o nome de experiência. Apenas, sagrada e triste, contem ela, em si, a dor, as lágrimas, a exultação e os extravios – enfim, o bem e o mal misturados que implica, necessariamente, toda e qualquer história de homem

Nenhuma vida vale como exemplo, pois ninguém deve tentar repetir a vida de ninguém. Cada trajetória existencial é singular, a marca da vida é a singularidade, pois cada uma tem suas marcas, suas escolhas, sua realidade concreta, suas aventuras e desventuras. Desta forma, para Ariano Suassuna, as experiências vividas e sofridas são um amontoado de acontecimentos sem sentido, por isso, não servem nem para quem foi o protagonista, e nem para ninguém, como parâmetro para vivermos no futuro. O passado não deve condicionar o futuro. Não podemos caminhar agarrados ao passado, porque, como disse Henry Miller citado por Deleuze e Guattari, «ir adiante agarrado ao passado é arrastar consigo os grilhões do condenado», que são aquelas correntes com uma bola de ferro atrelada as pernas para dificultar a mobilidade do prisioneiro. Assim, deixar para trás o peso das experiências passadas torna tudo mais fácil. Então não vamos ler as narrativas para repetir em nossas vidas a vida alheia. Isso seria uma atitude insana. Ninguém deve se espelhar na vida de ninguém… Nem real, nem fictício (virtual). Cada pessoa é o compositor da própria vida que, por isso, sabe qual o tom e o ritmo que pode imprimir na composição da sua própria história. Assim, seguir o tom e ritmo existencial do outro pode produzir um efeito colateral, por isso, muitas vezes, tentar viver baseado em vidas alheias nos tornam ressentidos, pois perdemos tempo vigiando o gramado do vizinho e esquecemos de cuidar do nosso, o que faz com que ele padeça. Não é verdade que o gramado do vizinho seja melhor, viva sua vida. Afirme sua vida. Amor fati, pois o querer viver a vida do outro, nos faz ressentidos e esse ressentimento acumulado muitas vezes é porque vivemos uma mentira, vivemos a ilusão de que na vida alheia tudo são flores, nem sempre o que nossos olhos vêem estão realmente dentro do contexto correto. Ninguém sabe as dores e os amores que o outro carrega, como escreveu o poeta Caetano Veloso: «cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é». A narrativa leve, envolvente, bem estruturada segura o leitor do início ao fim. Não tenho intenção de falar da obra em linhas gerais, mesmo porque, como versão de um clássico da literatura mundial, já é bem conhecida a triste vida de amor desse casal. Mas, existe um detalhe que quero destacar. Não retirei da narrativa das experiências do Fernando e Isaura, mas apenas um alerta do Ariano Suassuna sobre nossa vida. No capítulo intitulado UMA DAMA VIRTUOSA, Suassuna sinaliza uma coisa muito interessante, qual seja, a ilusão humana de achar que é possível ter algo obscuro na vida. As sombras da nossa vida nunca são só nossas. No livro, uma dama virtuosa (ela não tem nome) resolveu revelar para o marido de Isaura que sua esposa estava lhe traindo com seu sobrinho (filho adotivo). Os dois iludidos, ou, na verdade, embriagados pela paixão, achavam que ninguém tinha percebido nada, aquela sombra era só deles. Ledo engano. É ilusão pensar que viver a própria vida sem incomodar os outros lhe imuniza das fofoqueiras de plantão. Não basta se contentar com a própria vida, mesmo não querendo saber da vida alheira, sempre teremos curiosos querendo saber da nossa vida. As redes de revistas, blogs, tabloides, sobre a vida das celebridades se alimenta dessa curiosidade sobre a vida alheia. Ninguém está blindado, protegidos das fofoqueiras. O autor escreveu:

Nossas vidas nunca são obscuras ou tão de nossa exclusiva propriedade quanto desejaríamos. E é um erro julgar que ninguém se ocupa de nós pelo simples fato de nos contentarmos em viver nossa vida, deixando em paz a dos outros”.

Sempre existirá alguém se ocupando de nossas vidas. Antes que alguém levante a bandeira em defesa da dama virtuosa de Suassuna, que só queria abrir os olhos do marido traído, seus quase marido se ele não tivesse escolhido Isaura, sua rival e por isso inimiga, quero lembrar que não foi só este olho sobre a vida alheia que temos na narrativa. No capítulo UM VOZ DO PASSADO temos outro olheiro da vida alheia: Romão, uma pessoa invejosa e de gênio maligno – caracterizado assim pelo o autor, que estava ansioso por ferir o Fernando revelando seu passado, ele que conhecia os motivos que levaram Fernando abandonar a casa do seu tio. Ele até faz isso, mas o preço foi muito alto, mas sempre será alto o preço a pagar. Essas pessoas são tipificadas por Nietzsche como pessoas de má consciência, são pessoas ressentidas, que odeiam a vida, e não suportam a alegria e liberdade de ninguém. Elas ficam sós com sua má consciência e seu tédio, numa vida que nada acontece, escreve Deleuze e Guattari, e, por isso, vivem distribuindo seus beijos de vampiros, sugando a vida feliz dos outros.

Agradeço ao Nertan Silva-Maia pela ilustração intitulada “Uma dama virtuosa” [Técnica: Marcador s/ papel vegetal, 21x28cm].

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