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SEXO NA PANDEMIA É PRIVILÉGIO

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Por Giulia Alioli


Tenho vontade de chorar enquanto escrevo e vontade de não me inscrever nesse texto com a assinatura do meu nome (alguém me empresta um), talvez assim eu me sinta mais livre para convencer as palavras a comunicar o que sinto, ou para convencer essa moça que vos escreve a confessar os sentimentos que a arranham neste momento. Pois bem, não posso negar que gostaria de ser sedutora neste texto, do mesmo modo que aprendi a usar base no rosto, delineador nos olhos e batom cor de rosa (choque!) quando quero me sentir bonita e desejada (e nem vou falar do tempo que impliquei ferozmente com o uso de maquiagem). E quem seria o alvo da minha sedução? Tenho algumas pessoas em mente. Em primeiro lugar, o amigo que me convidou para escrever livremente para o seu blog Filosofia e Vida, um homem marcante, sábio e produtor de textos sedutores, que me encantam. O segundo alvo é composto por todas as mulheres geniais que conheço e admiro, com as quais forço descaradamente aproximações, risos e amizades, no intuito de captar um pouco do modo como elas sentem, veem e pensam as experiências da vida. O terceiro alvo é um escritor recém-chegado ao porto, com o qual tenho trocado pensamentos, piolhos e risos e com o qual gostaria de efetivar em termos práticos o ato da sedução erótica perseguida nesse texto. Confessei!


Em outras palavras, talvez eu consiga sexo com esse texto. A vontade de chorar volta outra vez, agora até consigo um pouco, sendo criada por mãe negra e nordestina, conseguir chorar com facilidade é outra habilidade que não tenho. Dessa vez a emoção chega em forma de lágrima por saber da morte da prima de uma colega de trabalho, não a conheci, mas me solidarizo com as quase três milhões de pessoas que morreram na pandemia provocada pelo covid 19 e com todas as que estão sofrendo em hospitais, casas e ruas. As experiências de escassez, de quase-morte, de angústias provocadas pelo não-saber, pela constatação de que vida e morte compõem o par dialético implacável da existência são o corolário das intensas experiências provocadas pela pandemia do século XXI.

Há muito o que ser dito nesse texto, talvez essa frase indique pré-textos. O que eu sinto como necessidade de dizer agora é que estou convencida de que sexo na pandemia é privilégio. E falo sobre sexo seguro, consentido, feito no prazer, na busca pelo gozo, na tentativa de construção do afeto e que nada tem a ver com o aumento dos casos de estupros e outras violências cometidas contra as mulheres na pandemia. Eu falo sobre o grupo de mulheres sem maridos (esposas), namoradas(os), contatinhos, peguetes, crushs ou outras formas de relacionamentos sexuais ou amorosos. São das crônicas do cotidiano das sem sexo na pandemia e dessa sociologia das emoções que eu gostaria de falar.

Nesse jogo das pulsões de morte e de vida, em termos freudianos (nem gostaria de citar homens no meu texto, mas aí vai), para o meu corpo, sexo é necessidade vital, tal como se alimentar bem ou tomar vitamina c para fortalecer o sistema imunológico. E para as mulheres de vida sexual ativa, que gostam, querem e assumidamente procuram por sexo, chupões e dengos, adentrar a pandemia sem companheiras(os) (e, diga-se de passagem, imunizados), a ausência compulsória de sexo pode ser angustiante em absoluto. E como gosto de relatos autobiográficos, posso afirmar por minha própria experiência, de mulher de 36 anos, solteira e amante das práticas sexuais com mamadas, chupões, conchinhas e arranhões que não tem leitura freudiana, lacaniana (ou de como é possível sublimar o desejo sexual no trabalho ou outras construções) que dê conta do meu mal-estar causado pela ausência de sexo na pandemia.

São muitos desejos e idealizações gritando comigo na pandemia. E mesmo que eu não queira dar ouvido a elas e que eu as confronte com a constatação de que estou viva e desfrutando do privilégio de uma quarentena classe média (que almoça e janta), elas se escondem atrás da porta e me assustam todos os dias, como o diabo amoroso de Jacques Cazotte. A primeira assombração que apresentarei nestas angustiantes linhas é a maternidade. Nas idealizações daquela que tudo planeja e pode controlar, aos 35 anos eu iniciaria o meu projeto de maternidade e a primeira criança nasceria. Fantasia posta. Desejo frustrado. O cenário de 2020: 35 anos, solteira, morando sozinha em um apartamento, um pé de manjericão murcho (porque definitivamente não tenho green fingers) e a pandemia do século XXI instaurada. E não há Simone de Beauvoir, Silvia Federici, Lélia Gonzalez, Angela Davis, Marcia Tiburi, Djamila Ribeiro, debates do mulherismo indígena, africano, conversas com amigas feministas, talento e profissionalismo da minha analista lacaniana, palestras com praticantes do sagrado feminino, massagem no útero com óleo de Artemísia que deem conta do paranauê. É meu e segue sendo angustiante. Agora são 36 anos e eu tenho um útero com óvulos contados. É pressão social? É biológico? É desejo de controlar? É sintoma do baby boomer? Je ne sais pa, mermã! Onde encontrar cromossomos do bem, pessoas interessantes e dispostas a construir comigo no meio de uma pandemia que se alastra no horizonte? E ainda faz sentido esse plano de procriação no meio da pandemia?

A segunda assombração é a solidão. Nem adianta tentar me convencer do contrário com o discurso de solitude, self-love, etc. Eu acho que entendo disso e tento bravamente enfrentar os meus desertos como diria sabiamente Ailton Krenak. Mas estou convencida de que nada pode substituir a serotonina produzida no pessoalmente dos abraços, dos beijos, da conversa interessante de frente para o mar, da troca de fluidos, do toque das mãos, do cheiro no olho esquerdo de quem me interessa. E por mais que eu entenda que estamos, no sentido existencial, solitárias(os) no mundo, assim chegamos e de igual modo partiremos, a ideia de solidão constante e de ausência de outro corpo humano para troca de afetos, me assusta. O óbvio se confirma, nos tornamos humanos na presença e na interação com nossos pares, pois somos seres constituídos na socialização enquanto elemento educativo. Muitas separações ocorreram na pandemia, mas por outro lado muitos casais resolveram juntar as escovas de dentes e formar uma família, uma hipótese é a de que o casamento no imaginário popular pode representar ideia de companhia e de basta à solidão. Resta saber se trata de desespero e medo de ficar só ou de desejo consciente de compartilhar a vida com outra pessoa na intensidade da intimidade da vida a dois, como diz um amigo, ‘compartilhando remelas, suor e suspiros’.

Assombrações postas. Me falta falar sobre gambiarras possíveis para o enfrentamento da falta de sexo na pandemia. A primeira delas é descobrir o próprio corpo, nas masturbação, massagens e tatos, vislumbrando-o como fonte de prazer. Além disso, outra opção é desbravar o mercado crescente dos sex shops no Brasil, pois segundo reportagem do G1, vendas em sex shops aumentaram na pandemia, o que significa que um “milhão de vibradores e consolos chegaram às casas dos(as) brasileiros(as) durante o período de isolamento social”. Ainda que eu prefira pessoas a objetos, o uso de vibradores é uma possibilidade na ausência (e presença) de um (uma) parceiro(a). No meu caso, só preciso descobrir se existe uma oficina de vibradores, o meu quebrou antes da pandemia, embora com funcionamento limitado, com um pouco de criatividade, é possível ter algum segundo de prazer.

Próxima gambiarra possível é convidar o amigo, o colega de trabalho, o vizinho solteiro ou aquele conhecido respeitador da quarentena para transar. Mas muito cuidado, meninas. Além do corona vírus temos outros desafios, o machismo, e como diria Boaventura de Sousa Santos capitalismo, patriarcado e colonialismo andam lado a lado e de mãos dadas. Isso significa que mesmo uma mulher solteira, segura de si, consciente dos seus desejos e que luta por seus orgasmos como diria a sexóloga Betty Dodson, poderá se deparar com homens aparentemente livres e descolados, mas profundamente colados ao machismo. Então, para ilustrar o que digo, relatarei a história do amigo de uma amiga, ambientada neste cenário pandêmico. Esse rapaz, a quem chamarei de homem militante recebeu o convite de sua colega de trabalho para uma visita casual e com o intuito de dividir conversas, cozinha, vinho e jantar. A colega que se dizia faminta não imaginaria que a reação do seu colega seria de susto, recuo e comentário preconceituoso, pois afinal de contas, onde já se viu uma mulher agir assim? Quando soube dessa história pensei, “quanto machismo”, por que mulheres que agem de forma pragmática em busca de sexo, gozo e prazer ainda são vistas como a puta fácil que quer sexo? E nem vou entrar no debate sobre o respeito à profissão das putas (garotas de programa) e do quanto ser chamada de puta é elogio, etc. Em outras palavras, tão importante quanto escolher o boy da militância correta, que dê conta de mulheres decididas e que lidam abertamente com seus desejos sexuais, é conseguirmos bancar o tipo de mulheres que nos tornamos ou que gostaríamos de nos tornar. Eis um dilema posto para muitas de nós. E para seguir na chuva de confessos, como diria Elza Soares, em alguns momentos esse também é o meu dilema: conseguir sustentar o lugar da mulher que rompe com a moralidade padrão de castidade feminina.

Outra gambiarra, o Tinder - “o mercado de carnes”, como classificou uma amiga querida que curiosamente encontrou o seu atual namorado nesse aplicativo. Não por acaso, essa mesma amiga insistiu para que eu entrasse nos aplicativos de relacionamentos. A minha timidez de que me vissem, medo de que me julgassem desesperada ou com outros rótulos desapareceram parcialmente em 2021, quando descobri que a maioria dos meus amigos e amigas, de diferentes grupos etários, geracionais e territoriais encontrou seus atuais parceiros com a ajuda desses cupidos digitais. Então decidi me lançar na experiência sociológica do Tinder. A minha primeira experiência nesse aplicativo aconteceu em 2019 e durou 24h, depois 2020 com duração de 48h e 2021 com tempo de permanência de 72 horas. Nessa última experiência combinei que me manteria firme no propósito de conhecer alguém e que me esforçaria para levar a sério as conversas, sem ser cínica e sarcástica com os rapazes que cruzassem o meu match. Resultado. Que preguiça do Tinder! Que preguiça das conversas! Que preguiça de homens que fazem culto exagerado ao corpo perfeito, que são negacionistas da pandemia. Mas no meio da sonolência causada pelo tédio e preguiça das conversas que para mim são desinteressantes, uma centelha de afeto. O match dessa vez foi com um rapaz que acendeu imediatamente uma faísca de interessância no meu corpo com uma foto de seu sorriso e um quadro com uma frase de Alice Walker, “tempos difíceis exigem danças furiosas”. Que paso? Que paso? Não faço ideia. Mas desde que conheci esse rapaz não sinto sono e tenho a impressão de ter meu corpo em constate estado de euforia, de quem deseja gozar o tempo todo. Como diriam os hispano-hablantes, que raro!

Mas exatamente hoje, neste momento, me sinto em falta absoluta. Que vontade de fazer sexo com garoas de amor e com alguém que deixe a minha alma absolutamente lubrificada. Eu já tenho a pessoa em mente, poderia ser esse rapaz aí das danças furiosas, só preciso que ele queira e possa também. Mas falando em falta, não dá para terminar esse texto sem citar a clássica frase de Lacan: amar é dar o que não se tem a alguém que não quer. O amor se falta na falta, é isso? Eu não sei. A única certeza que tenho é a de que fazer sexo com alguém que toca a caverna dos seus desejos é uma das melhores experiências que uma(um) viva(o) sexuada(o) pode experimentar. Sexo é uma dança furiosa e se você tiver par para fazê-la ao som das petits mortels (como diriam as(os) francesas(es)), você é privilegiada, simmm! E lembre-se das irmãs, que assim como eu, neste momento estão na falta, porém desfrutando da experiência para compor textos como estes.

 
 
 

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