Por João Caetano Linhares*
Ato I Cena I
(bar do seu Zé, Evódio sentado tomando uma cerveja e triste. Entra “Amigo”)
Amigo – O que se passa, meu bom Evódio? Por que esse semblante tão triste? É natal, siô.
Evódio – Ano passado o Noel não me trouxe nada. Esse ano sinto que será a mesma coisa.
Amigo – Mas porque isso?
Evódio – Acho que não mereci.
Amigo – Conversa... Você é a melhor pessoa que conheço, mesmo sem ter condições ainda ajuda aqueles que precisam. Não há ninguém melhor que você, nem quem mereça mais.
(entra o Papai Noel. Senta à mesa com Evódio e o Amigo. Faz sinal para o seu Zé que traz uma garrafa de Jack Daniel's, serve o Papai Noel e deixa a garrafa na mesa.)
Papai Noel – E aí, meus garotinhos, o que contam de novidade?
Evódio – Nada de novo. Só levando a vida.
Amigo – Na verdade, tenho uma pergunta.
Papai Noel – Pois...
Amigo – Por que Evódio não ganhou presente ano passado?
Papai Noel – Porque não mereceu.
Amigo – Ele ganhará esse ano?
Papai Noel – (bebe um pouco da sua bebida) Não.
Amigo – Por que?
Papai Noel – Porque não merece.
Amigo – Ano passado o dono da distribuidora “distribuindo” ganhou presente...
Papai Noel – Porque ele mereceu.
Amigo – E o filho do “apresentador”, que tem a mesma idade do filho do Evódio, ganhou um helicóptero e o filho do Evódio não ganhou nada.
Papai Noel – Um mereceu e o outro não. (toma mais um gole da sua bebida, se engasga e cospe. O cuspe acerta o pé do Evódio que o recolhe com velocidade para evitar ser cuspido novamente).
Amigo – Mas...
Papai Noel – Mas... nada (interrompe, como quem não gosta de ser questionado).
Amigo – O filho do Evódio fez tudo para merecer: estudou bastante, se comportou muito bem e ajudou nas tarefas domésticas.
Papai Noel – E o que isso tem a ver?
(silêncio)
Papai Noel – Bem... Vou indo. Trabalhar porque nem todo mundo tem essa vida mansa de empregado que vocês tem. (pega a garrafa da bebida e sai em direção ao seu trenó. Arranca com o trenó e atropela, sem gravidade, um miserável que atravessava a rua).
Amigo – Ele quase mata o miserável.
Evódio – É... Não é culpa dele. Ele despreza os miseráveis.
Amigo – Esse Papai Noel é um filho da puta.

[PAUSA DEPOIS DO IMPACTO]
O Natal e uma das tarefas da filosofia
Sempre somos chamados a refletir sobre o natal. Essa data carrega uma simbologia marcante para nós que pertencemos a uma cultura cristã. Mesmo que alguém se declare ateu, foi exposto e absorveu muito dessa cultura, de modo que a data possui uma importância para nós que não sabemos, em geral, explicar muito bem.
Eu disse que o natal carrega uma simbologia, mas o que isso significa? Símbolo é uma palavra que vem do grego e significa o ato de estar ligado a outras pessoas. O símbolo era uma moeda que partida em duas partes indicava uma ligação de amizade entre duas pessoas, famílias ou cidades. Dessa forma, o natal nos liga aos demais. É uma festa e como toda festa é sinônimo de celebração. Em geral, nos reunimos com nossas famílias e confraternizamos. Nas famílias católicas, celebra-se o nascimento do cordeiro de Deus.
No entanto, temos um personagem que entrou na festa sem ser convidado e desviou o seu sentido. O “papai Noel” tem sido considerado como algo sagrado, mas é tarefa nossa levantar a pergunta pelo mito (ou seja, é tarefa da filosofia a iconoclastia), então também devemos desvelar “quem” é o Papai Noel.
Primeiro, não é parte da mitologia cristã. O Papai Noel surge em 1881 na revista americana “Harpers Weekly” e em 1931 é usado pela primeira vez na promoção da coca-cola. Segundo, o “Velho Batuta” representa o consumo. E a parte mais cruel desse mito é o fato de ligar o ganhar ou não presente ao mérito. No entanto, não tem a ver com o mérito e sim se sua família pode ou não dar o presente. Enquanto, uns pedem smartphones outros, os pobres, pedem carne ou material didático em suas cartinhas para o papai Noel.
Por fim, assumimos aqui a nossa tarefa de mostrar a quem esse lacaio serve. E não é sagrado, nem imprescindível.
*Graduado em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Federal do Piauí (2008). Mestre em Filosofia pelo programa de Mestrado em Ética e Epistemologia da Universidade Federal do Piauí (2011). Doutor pela Universidade Federal de Santa Maria com estágio doutoral na Freie Universität Berlin/Alemanha sob supervisão do professor Georg Bertram. Foi bolsista Fapepi/Capes de pós-graduação 2009/2010 e 2017/2018. Tem experiência e interesse na área de Filosofia com ênfase em Ética, Filosofia Política e Hermenêutica Filosófica. Atualmente é professor Adjunto Dedicação Exclusiva na Universidade Federal do Maranhão: Centro de Ciências, Educação e Linguagem. CCEL/Bacabal.
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