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Mulheres que elevam outras mulheres, a sororidade e o feminismo

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Por Jéssika Miranda

O feminismo é um conjunto de movimentos políticos e sociais que se constrói e reconstrói o tempo todo. O feminismo sofre mudanças em gerações diferentes. Como nascemos em uma sociedade patriarcal e machista é bem difícil entender e se perceber uma mulher feminista. Parece que existem regras e conceitos que você precisa "defender”, então, por isso às vezes parece ser menos difícil se reconhecer não-feminista. Digo isso por experiência própria. Ao que parece, tem uma escritora francesa que escreveu vários livros, o mais famoso se chama “O segundo Sexo” (Simone de Beauvoir). Todas as minhas amigas feministas/militantes já leram, e eu aprendi feminismo nesses diálogos (também). Confesso, nunca concluí a leitura do livro. São 935 páginas, apenas um livro. E a minha vida acadêmica já me demanda várias outras leituras, e muitas outras páginas, desculpa grupo (e cara leitora), mas não deu tempo, ainda! Só fico triste porque até os homens, que ironicamente, se vestem do feminismo já leram; deve ser difícil debater feminismo com um homem-feminista que já leu e entendeu Simone. Foda-se! Posição de fala e de escuta são diferentes. Isso eu já entendi.

Pra você que, assim como eu, ainda não leu “O segundo sexo”, como entender o feminismo ou como se posicionar nesses debates e/ou fazer parte dele? A minha experiência pode não ser tão diferente da sua, não estou afirmando que somos todas iguais, não somos. Passei a estudar e entender o feminismo quando sofri com relacionamentos abusivos, geralmente com homens. Meus irmãos, meu pai, colegas da escola, namorados, professores, e vários outros personagens masculinos. Isso não exclui nós mulheres. Nós somos machistas também. Ser feminista, não exclui de você toda uma criação e doutrinação machista. Contudo, quando algumas situações problemas começaram a me incomodar passei a refletir sobre como em toda ocasião eu era colocada como frágil, submissa, louca, e ao mesmo tempo objetificada e sexualizada. Vou citar um exemplo: meu pai e meu irmão não conseguiram me ensinar a dirigir (entre palavrões e expressões de quase morte - não os culpo), então aprendi “sozinha”, na força do ódio e da vontade de ser livre (amo dirigir); depois ensinei meu namorado (ex.), e depois os três afirmaram que eu não sabia/sei dirigir. Para os três, eu sei dirigir apenas quando precisam que eu dirija quando para eles. Como boa ariana que sou, não fiquei calada. Depois de várias situações, em que eu me dispus a falar e questionar, fui obviamente taxada como a “feminazi” - uma expressão muito usada pelos homens para ridicularizar uma mulher que se posiciona política e socialmente (não reproduza esse discurso, ele é machista, são homens tentando constranger e diminuir mulheres). Provavelmente você vai se perceber em uma situação em que um homem já diminuiu sua capacidade física, sua profissão, sua capacidade cognitiva, seu corpo, suas falas, seus posicionamentos. Acredito que sim!

Me entendi feminista quando tive que reconhecer meus espaços, meu corpo e objetivos como meus. Não permiti mais que alguém (seja quem foor) determinasse o que eu quero, sou e posso fazer. Ser uma boa motorista ou não foi apenas um dos pequenos detalhes, existem problemas maiores e estruturais. Tive que ser mais incisiva quando direitos foram questionados. E isso acontece diariamente. Até hoje não consigo aceitar a virgindade da mulher (a pureza apenas da mulher) ser considerada como um presente ao marido. Passei anos achando que iria para o inferno sem direito a purgatório. Apenas mais uma invenção dos homens para doutrinar as mulheres. Mas como uma boa ariana... (ironias à parte).


Tive que estudar, ponderar e refletir sobre meus direitos, sobre quem eu sou; também tive que fazer terapia para conseguir me inventar e conhecer. Eu sou feminista não porque quero ser mais que um homem, ou porque odeio homens. Eu sou feminista porque quero que outras mulheres não tenham que sofrer para ter sonhos próprios e conquistar seus espaços. É nesse ponto que quero chegar. O ponto em que meu feminismo se transformou em empoderamento feminino para erguer outras mulheres. De uma mulher falando para outra mulher: o meu feminismo me ensinou a sonhar por um mundo melhor para outras mulheres e lutar por isso. Eu considero isso digno. Mas isso só é possível na coletividade. O coletivo me conduziu à “sororidade”. Encontrei na sororidade a expressão mais verdadeira de empoderamento feminino. Usando as palavras de Valeria Sabater,

La sororidad es un pacto social, ético y emocional construido entre mujeres. Es saber ante todo, que juntas somos más fuertes que por separado, que el empoderamiento solo es posible si creamos fuertes alianzas entre nosotras, tratándonos como hermanas y no como enemigas. Una relación fundamentada en nuestra valía como colectivo con la intención de generar un auténtico cambio en nuestra sociedad” (2017)

Para explicar a sororidade na prática preciso falar um pouco da minha experiência. Imagine o cenário: uma jovem de 26 anos, negra, recém formada, professora e desempregada, natural de uma cidadezinha no interior do Maranhão que se chama Bacabal, carregando em sua mochila o celular, notebook, carregadores, calcinhas e sonhos. Entre conflitos e decepções românticas, pessoais, profissionais, questões religiosas e familiares. Sem muitas perspectivas neste território, mudou-se para Pernambuco, com literalmente cinco itens na mala: roupas, sapatos/sandália, absorvente íntimo, coragem e um objetivo: concluir o Mestrado em Sociologia. E zero em dinheiro. Lembrei da Malu – personagem da série “Coisa mais linda” – que após algumas frustrações colocou o sonho na mala e se carregou de coragem para viver algo novo em um lugar novo. Inclusive, Coisa mais linda e tantas outras narrativas do cinema trazem reflexões e exemplos de empoderamento, feminismo e sororidade. Enola Holmes, Mulher Maravilha (filmes), Greys Anatomy, Gilmore Girls, As Telefonistas (séries), trazem em suas narrativas aspectos ligados ao debate sobre representatividade feminina na atualidade. Continuando... Nesse processo de mudança de vida e descoberta de espaço, sob a qual foi absurdamente doloroso e necessário desenvolver instinto de autopreservação, conheci outras mulheres que me elevaram, me ensinaram a viver e sobreviver longe de casa. Sou uma jovem simples, e muito falante, não foi difícil conhecer pessoas, construir laços, e aprender a me movimentar. Mesmo assim, não dá pra confiar em todos, você precisa aprender a confiar em você mesma, e não é fácil. Não é fácil viver sozinha, não é fácil construir uma história quase do zero, em apartamentos e casas vazias. É preciso ter coragem e muita força de vontade.


Quero dizer que encontrei um coletivo de mulheres, umas que já leram Simone e muitas outras que não. Elas me ensinaram sobre feminismo e empoderamento através da sororidade. Mulheres que sem precisar pedir me acolheram e me cuidaram. Tomando o exemplo da narrativa de Enola Holmes, a primeira personagem feminina que me ensinou sobre ser feminista foi minha mãe. Ela me ensinou a ser forte, corajosa e a buscar o tipo de liberdade me faria feliz, com incentivo nos estudos e a seguir meus sonhos e a ter objetivos, onde repetidas vezes sussurrou em meus ouvidos: “seu marido é seu emprego”. Minha mãe me ensinou a ser extraordinária, parafraseando uma expressão usada pela mãe de Meredith Grey (série Greys Anatomy). Nesse coletivo de mulheres que me inspiraram, tenho professoras, vizinhas, amigas (de diferentes gerações), escritoras famosas e outras não. Encontrei inspiração em histórias de outras mulheres, sejam elas representadas em personagens da vida real ou cinematográfica. Não é difícil reconhecê-las. A sua inspiração pode estar do seu lado, é aquela mulher que te indica um caminho mais seguro, é a mulher que ajudou no seu parto, é a cantora com suas músicas revolucionárias e uma história de vida de superação e tragédias, é a atriz que atuou em um filme ou série, é aquela que te abraçou quando te viu chorando e triste, é também aquela mulher que te ajudou com atividades do trabalho/casa/escola/faculdade, é a vizinha que te deu comida e remédio quando você estava doente, a colega de trabalho que te da escuta... Observe, tem sempre uma mulher do teu lado te inspirando e apoiando. E, às vezes, ou quase sempre, esta mulher é você mesma. Seja você também uma mulher que inspira e ajuda outras mulheres, mesmo não que ainda não tenha lido Simone (eu recomendo a leitura). Seja extraordinária! Seja uma mulher que se coloca no lugar da outra! Seja uma mulher que ouve, acolhe e cuida de outra mulher!


Para trazer mais leveza a este texto, trago a música: “Triste, louca ou má” (Francisco, el hombre), sob a qual me trouxe inspiração para escrevê-lo.






Para quem tem interesse em fazer uma leitura leve sobre feminismo e sororidade, trago como referência dois textos com leitura agradável e escritos por mulheres:

Onda, rizoma e “sororidade” como metáforas: representações de mulheres e dos feminismos (Paris, Rio de Janeiro: anos 70/80 do século XX)

Sororidad: el valor de la alianza entre las mujeres. Disponível em em: https://lamenteesmaravillosa.com/sororidad-alianza-entre-las-mujeres/#


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