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  • cleverfernandes196

TEMOR, PREOCUPAÇÃO E IMAGINAÇÃO

Temor, preocupação e imaginação estão intimamente relacionados, neste texto buscarei revelar essas possíveis interconexões. O poeta Renato Russo escreveu: “Muitos temores nasce do cansaço e da solidão“. De fato, cansaço e solidão, são fontes de temores em nossas vidas, pois somos programados culturalmente para crer que nascemos predestinados a encantar o mundo e os outros, e, ao mesmo tempo, somos seduzidos ou iludidos, pelo canto de sereia como Odisseu, que nascemos para o sucesso e para a felicidade. Além disso, ou por isso, estamos convencidos que basta lutar para conquistar nosso lugar ao sol, já que o “sol nasce pra todos, só não sabe quem não quer”, canta o poeta. Assim, muitos encaram a vida como uma grande competição, e, para eles, a conquista pelos primeiros lugares é o que dá sentido a existência. Nesta perspectiva, a vida pertence aos fortes, aos determinados e aos obstinados, por isso, essas pessoas fazem tudo para vencer, e assim, saborear o doce e alegre gosto da vitória, pois ninguém imagina ou deseja sentir o sabor amargo e triste da derrota e do fracasso. Mas, após toda sorte de ação para conseguir o sucesso e, depois de muita labuta, para vencer na vida, pessoal e profissional, várias pessoas não conseguem o êxito, por isso o cansaço toma conta delas, o esmorecimento intensifica-se e elas vão perdendo as forças e, por causa disso, começam a temer a vida. Os temores nascem do cansaço, por causa dele a pessoa sente-se sem vitalidade, pois a confiança é abalada e o fantasma da derrota começa a rondar sua mente. Da mesma forma, para alguns, a solidão é outra fonte de temores. Somos convencidos que ninguém é feliz sozinho por isso temos medo da solidão e, como crianças, confundimos os solitários com a própria solidão, mas o “solitário não é solidão”. Entretanto, alimentamos e somos alimentados por essa fantasia, a necessidade do outro como imperativo para viver sem a companhia da solidão. Como expressão de uma época e uma mentalidade, a canção “um homem pra chamar de seu” é emblemática neste sentido. Erasmo Carlos nessa canção sintetiza todo esse pavor da solidão, em sua música ele a denomina de uma fera que jamais conseguimos escapar, por isso a pessoa precisa de alguém para chamar de seu, duplo problema na sentença poética de Erasmo: primeiro acreditar na possibilidade de alguém ter posse sobre o outro, e, segundo, pensar que por estar acompanhada a solidão desapareceria como ato mágico, negando assim a solidão a dois, ou mesmo a solidão em meio à multidão. A solidão não é apenas uma questão simples de proximidade física, é necessária uma proximidade afetiva, querer estar perto do outro. Porém, o ápice da luta contra a solidão fica para os últimos versos da canção: “filosofia é poesia que dizia a minha vó; antes mal acompanhada do que só; você precisa de um homem pra chamar de seu; mesmo que esse homem seja eu.” O desatino faz aceitar essa ideia que precisamos de alguém, por isso lutamos na vida para não vivermos sozinhos. Algumas pessoas são dominadas por essa sandice e mantêm relações doentias simplesmente por medo da solidão, uma coisa muito louca. Na contramão dessa tosca canção, alguns sociólogos afirmam que hoje as pessoas estão fazendo o movimento contrário. Por exemplo, o sociólogo Eric Klinenberg, autor do estudo GOING SOLO: The Extraordinary Riseand Surprising Appeal of Living Alone, publicado em New York, 2012, está convencido, após sua investigação realizada a partir da década de 1990, que naquela época, nos Estados Unidos da America, aconteceu um extraordinário aumento na vida de solteiros. Ele acredita que as pessoas descobriram que viver só significa desfrutar de relações com mais qualidade, e um dos fatores é que estes solteiros investigados perceberam que a solidão é muito melhor que viver mal acompanhados. Essa mudança de postura e mentalidade em relação à vida sozinha, não é coisa exclusiva dos solteiros nova-iorquinos, no Brasil estamos presenciando um crescimento significativo de pessoas morando sozinhas, de acordo com os últimos dados do IBGE, em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), os solteiros no Brasil são cerca de 77 milhões, e, entre estes, aproximadamente 25 milhões moram sozinhos. A solidão encarada como oportunidade, não mais o receio da vida solitária. Sem duvida, as pessoas estão vivendo cada vez mais sozinhas, o temor da solidão é menor do que o de viver mal acompanhado, ao contrário do conselho da vovó do Erasmo Carlos, as pessoas não estão loucas por qualquer tipo de relacionamento. Porém, elas ainda não enxergam a solidão como algo bom e assim não percebem a oportunidade proporcionada por este estilo de vida.A vida solitária é um momento para descobrir que somos a melhor companhia para nós mesmos; além disso, ficar só pode enriquecer nossa vida interior, nos fortalece, pois podemos aproveitar esta oportunidade para o exercício do autoconhecimento. A solidão é uma terapia fantástica contra a massacrante pressão da multidão. Além do mais, alguém que não conhece a solidão jamais vai saborear as delicias da leitura. O cansaço e solidão são apenas uma das múltiplas fontes dos nossos temores, mas sem dúvida nossa imaginação fértil e desocupada é a fábrica mais potente de nossos receios e medos na e da vida.Entretanto, nossa pseuda-onipotência tenta esconder nossos temores, mas eles estão lá, bem guardados. Lutamos contra eles, e nos defendemos dessas inquietudes do viver. Mas, temos nossa imaginação produzindo os nossos maiores temores o tempo todo. Ela produz aquela inquietude das e nas relações, pois tememos a solidão na mesma medida que tememos o desconhecido. Mesmo sabendo que ninguém conhece ninguém, temos a ilusão de conhecer as pessoas próximas, como se a proximidade eliminasse o desconhecimento do outro. Na verdade, existe a ilusão da proximidade, como disse o personagem do filme Nada é para sempre, “são aqueles com quem vivemos [convivemos] e achamos conhecer que nos iludem mais”.A questão é que toda relação tem um pouco de inquietude produzida pelo desconhecimento, se, por um lado, esta inquietude pode provocar ações em direção ao outro na tentativa de conhecê-lo, por outro lado, ela também é nociva à relação, pois nenhuma relação sobrevive quando ela está submersa num tipo de preocupação permanente, quando o outro continua sempre em meio as sombras. Mas, qual a saída desta cilada? Não temos resposta definitiva. Apesar disso, uma coisa é certa, a preocupação pode ter seu fim quando as pessoas entregam-se totalmente, quando elas na relação se mostram mais e se revelam sem reservas ficando transparentes, eliminando o máximo das sombras entre elas, desta forma esta inquietude vai sendo substituída pela cumplicidade e confiança, e a relação vai ganhando consistência e força. A durabilidade de uma relação encontra-se exatamente na diminuição da inquietude, isso implica a redução das sombras, pois a preocupação é uma coisa que não resolve nada na vida, apenas gera fantasmas e dores imaginárias do mundo das possibilidades. Gera o medo e isso reage como um ácido que vai corroendo tudo, assim os afetos que ligam aquelas pessoas são eliminados, pois, a preocupação é corrosiva como ácido e o temor do desconhecido pode produzir o fim da relação. Mas, parece paradoxal: não nos revelamos sem máscaras e maquiagens por medo da não aceitação; e, ao mesmo tempo, os segredos geram na outra pessoa preocupação, alimento para imaginação que a partir de um ponto produz monstros inimagináveis. Porém,será que o afeto sobreviveria à transparência? Estamos realmente dispostos a ver e aceitar o outro como ele é? Ou o nosso maior medo é exatamente ver no outro aquilo que imaginávamos e temíamos ser verdade? Quando poderemos revelar a nossa verdadeira natureza sem receio? Será que é possível uma vida sem sombras? Parece que não. Em teoria vivemos em uma sociedade que tem a verdade como valor, que deseja a autenticidade e a transparência, isto é, uma vida sem nenhuma sombra, mas a realidade é outra. A vida não acontece apenas ao meio dia, quando o Sol está a Pino e por isso não produz sombra, mas não são todos os dias sem sombras. A vida não está numa “luz que não produz sombra”, ela flui dia e noite, por isso não existe possibilidade de eliminar totalmente as suas sombras. E existem sombras em nossas vidas que jamais serão reveladas, aquelas sombras deformadas que volta involuntariamente quando estamos na solidão mais solitária, elas surgem como fantasmas, por isso evitamos a solidão quando temos que conviver com aquelas sombras em nossa alma. O temor nascendo da preocupação e da imaginação de um dia essas sombras virem a luz, o que provocaria um grande mal-estar na vida. Mas, mesmo vivendo o momento mais complicado da vida, uma coisa é certa, sempre existirão coisas piores, como escreveu o grande Renato Russo: “Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã”. Sempre existirá escuridão mais escura, e solidão mais solitária, mas, o poeta de forma otimista nos diz: “Espera que o Sol já vem!”, para iluminar toda escuridão e aquecer todo ser solitário com sua companhia.

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