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  • cleverfernandes196

REMORSO, RANCOR E O PERDÃO

Muitas pessoas vivem a vida toda oscilando entre o remorso e o rancor, entre o arrependimento e a humilhação, frutos de práticas injustas cometidas ou sofridas, pois quando ofendemos os outros cometendo uma injustiça somos afetados por um sentimento pesado: o remorso; e, quando somos ofendidos pelos outros injustamente somos afetados por outro tipo de sentimento pesado: o rancor. Eles são muito próximos, e ambos são alimentados pelo passado não superado e, por isso, ficam como fantasmas rondando nossas mentes. Ficamos ruminando aquelas situações dolorosas vividas e sofridas em nossos corações. Não deixamos de sofrer, atualizamos o sofrimento presentificando o passado o tempo todo. Mas só existe um remédio para curarmos esta doença da alma: o perdão. Apenas ele cura as feridas abertas por causa das injustiças sofridas. O perdão produz leveza e tranqüilidade. Entretanto, perdoar em tempos de intolerância, estupidez e incompreensão não é coisa fácil, parece na verdade coisa impossível. A idéia de perdoar as pessoas ganhou força com o advento do cristianismo, pois é o ponto forte da mensagem cristã, e sem nenhuma dúvida perdão e amor são as mais revolucionárias idéias da e na História Humana, pena que na agenda de muitos pregadores cristãos esta mensagem é sufocada, soterrada e substituída pela teologia da prosperidade e pelas promessas de milagres. Porém, não tenho dúvida, sem o perdão e o amor o cristianismo perde sua força revolucionária e torna-se mensagem vazia. O anúncio da Boa Nova (evangelion do grego) só tem sentido a partir da pregação do amor e do perdão. Mas, sem ater-me a esta economia domestica da pregação cristã, a vida humana é impossível, é intolerável, sem o perdão. Todos sabem que nossa matriz cultural tem em suas digitais os valores judaico-cristãos. Somos herdeiros dessa visão de mundo, por isso podemos afirmar sem medo de errar que nossa cosmovisão Ocidental é judaico-cristã, mas também não podemos esquecer que herdamos elementos greco-romanos, porém recebemos do cristianismo esta idéia que devemos perdoar a quem nos tem ofendido, ou humilhado, ou injuriado. Mas o que é perdoar? Podemos definir que perdoar é uma declaração que aquela atitude, aquele comportamento, aquela ofensa recebida não será levada em consideração. A injustiça sofrida será desconsiderada. Porém esta declaração não pode ser verbal. Tenho consciência que no plano teórico isso é coisa fácil, pois “a lição sabemos de cor, só nos resta apreender”, para que venha o Sol de primavera, como canta o poeta Beto Guedes. Perdoar de verdade, viver na carne esta potente idéia só para sujeitos ativos, pois os ressentidos são dominados pelo rancor. Mas para não nos tornarmos prisioneiros do rancor, este sentimento pesado, temos que perdoar e o perdão precisa passar por uma tríade: dor, luto e esquecimento. A pessoa ofendida sentirá a dor da ofensa, por causa da decepção, vai também viver um período de luto e depois, caso consiga perdoar, esquecerá a ofensa. Entretanto, se a pessoa não superar a dor e o luto, ficará paralisada na ofensa recebida e jamais perdoará de verdade. A dor intensa e a tristeza paralisa a vida, perdemos a potencia de agir. Existem pessoas que vivem a vida toda parada na estação da dor. Coisa triste. Por isso, não basta verbalizar para o outro que o perdoou e, nos momentos de raiva, desenterrar a ofensa supostamente perdoada, revelando que o cadáver foi enterrado em cova rasa, e, por isso, sempre vem à tona. Na dinâmica do perdão às ofensas devem ser sepultadas em covas profundas, pois o perdão só acontece quando conseguimos passar pela tríade [dor, luto, esquecimento], colocando muita areia sobre a injustiça sofrida. Não existe perdão sem esquecimento. A filósofa Hannah Arendt afirma que a faculdade de perdoar é a única solução possível para o problema da irreversibilidade da ação humana. Da mesma forma, a pessoa que cometeu a injustiça não pode apenas ficar parada no arrependimento, ela precisa agir, é necessário pedir perdão. A dor do remorso também paralisa as pessoas, por isso pedir perdão é tão complicado quanto perdoar. Mas não existe uma sem a outra. Si perdoar e perdoar o outro é fundamental para a vida, pois o perdão serve para “desfazer” os atos do passado e sem ele não haverá futuro possível. A vida é curta demais para vivermos afetados por estes dois pesados sentimentos: o rancor e o remorso. Eles são como âncoras, nos entorpecem em suas dores. E, por causa deles, ficamos muito tempo parados na mesma estação sem força e ânimo para embarcar no trem da vida. Como escreveu os poetas Beto Guedes e Ronaldo Bastos: “quem perdeu o trem da história por querer; saiu do juízo sem saber; foi mais um covarde a se esconder diante de um novo mundo”. E não podemos duvidar da força destes dois sentimentos. Eles nos acovardam, nos tiram o juízo e nos impedem de enxergarmos a chegada do novo mundo, pois estamos paralisados na dores vividas e sofridas num passado distante.

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