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PRELEÇÃO SOBRE O LIVRO “POLÍTICO” DE PLATÃO

PRIMEIRA PARTE – Existem alguns filósofos que dispensam apresentações e sem dúvida Platão está entre eles. Na verdade, Platão é o número um na história do pensamento filosófico Ocidental. Sua influência e importância são coisas indubitáveis. Como escreveu François Châtelet, este eminente historiador francês da filosofia: “A eficácia do pensamento platônico não carece de demonstração. Platão morreu em 347 antes de nossa era. Desde então, a cultura não cessou de referir-se a ele, para nele se inspirar, para criticá-lo, para tentam ultrapassá-lo. Sua obra se ergue, inelutavelmente, no horizonte de toda investigação teórica, outrora, mais recentemente e hoje. A arte, a literatura, que nela se alimentaram, não podem hoje nem tampouco ontem ignorá-la. De todos os pensadores, ele foi certamente o que teve a maior, a mais profunda, a mais durável influencia” (1981, p. 65). Platão era seu codinome, seu apelido, seu nome verdadeiro era Aristocles. Ele nasceu na cidade de Atenas no ano de 428/427 antes da era comum. Família Aristocrática tinha na linhagem familiar o Rei Codro da parte de pai, e Sólon (o grande legislador ateniense) por parte mãe. Tinha política correndo nas veias dos dois lados, por isso, a vida pública era o seu caminho natural, pois, além da “herança genética”, desde a juventude, Platão já respirava a vida política, num tipo de herança da cultura familiar. Nascimento, inteligência, aptidões pessoais, tudo nele convergia para isso, ele mesmo deixou um registro explicando este desejo latente. Platão escreveu o seguinte em uma carta endereçada aos parentes e amigos de Dion de Siracusa “outrora na minha juventude experimentei o que tantos jovens experimentaram. Tinha o projeto de, no dia em que pudesse dispor de mim, imediatamente intervir na política” (Carta VII). Até ele tinha certeza que tudo o levava para vida pública, entretanto, a vida nem sempre segue o rumo previsível.

Sua família e amigos tinham certeza que ele entraria para a vida publica porém, como nunca estamos no controle pleno de nossas vidas, o senhor destino quis outra coisa para vida de Platão. Colocou em seu caminho a cativante filosofia. Ele a conheceu e foi seduzido por ela. De acordo com Aristóteles, ele foi inicialmente discípulo de Crátilo, um seguidor da filosofia de Heráclito de Éfeso, e, posteriormente, tornou-se fiel discípulo do grande Sócrates. Segundo alguns biógrafos, o estudar Filosofia no círculo de amigos de Sócrates tinha ainda como objetivo preparar-se melhor para a vida política, entretanto, os acontecimentos orientaram a vida do jovem Platão para outra direção. Aquilo que era meio para algo tornou-se meta. Ele até assumiu aos 24 anos um cargo, quando dois parentes da aristocracia Cármides e Crítias assumiram o poder no governo de Atenas. Mas o método violento aplicado na gestão destes seus parentes lhe provocaram uma experiência amagar e frustrante. Alem dessa frustração, outro desgosto com a vida política em Atenas aconteceu com a condenação de Sócrates à morte, Platão jamais perdoou o regime democrático por tal ato, para ele a democracia não era o melhor dos regimes. Afastou-se da política militante e logo após a morte de seu mestre deixou sua terra natal. Viajou por varias cidades. Convidado pelo tirano de Siracusa, na Sicília, o rei Dionísio I para participar do Conselho palaciano, sem titubear, aceitou, pois acreditava que poderia influenciar Dionísio na gestão, implantando ideias do rei-filósofo, que já estavam presentes no seu livro Gorgia. Todavia, as coisa não aconteceram como Platão havia imaginado. O astuto político não foi seduzido por sua ideias. Na verdade, o que aconteceu foi uma indisposição entre o filósofo e o tirano. Apesar dessa indisposição, ele continuou na corte como conselheiro. Muito obstinado, ou melhor, como ensina Edgar Morin, possuído pela ideia do rei-filósofo se aproxima de Díon, parente de Dionísio I, e estabelece um forte vinculo de amizade. Platão apostava tudo nesta amizade, ele acreditava ter encontrado um discípulo preparado para por em ação sua ideias de se tornar o rei-filósofo. Platão conspirador golpista. Esta manobra golpista não deu certo. Dionisio I descobriu a articulação do filósofo, e ficou possesso e determinou a sua prisão e imediatamente definiu que ele fosse vendido como escravo, uma pena inferior a pena capital, o que normalmente acontecia com os traidores. Platão foi apenas vendido como escravo. Porém, antes de chegar a seu destino foi resgatado por seu amigo Aniceros de Cirene.

Assim, após essa desventura golpista, Platão retorna para sua cidade natal, Atenas, e fundou sua Escola de Filosofia, conhecida por Academia, por causa do Ginásio onde funcionava situado no parque dedicado ao herói Academos. Ficou na direção desta instituição até sua morte, ocorrida provavelmente em 347 antes da era comum, aos 81 anos de idade.

Ao logo de sua existência, Platão escreveu muito, temos acesso atualmente a trinta e seis trabalhos produzidos pelo filósofo de Atena. De acordo com Umberto Padovani, um Historiador da Filosofia italiano, em seu livro “História da Filosofia”, a produção “de Platão abrange mais de cinquenta anos da sua vida: desde a morte de Sócrates, até a sua morte. Possuímos todas as obras por ele publicadas – e também alguns escritos Apócrifos. Isto é, trinta e seis diálogos, treze epístolas e uma coleção de definições” (1993, p. 115). Não existe duvida entre os interpretes e comentadores do pensamento de Platão, a parte mais importante da criação produtiva de Platão é composta pelos diálogos. Eles representam a evolução do pensamento Platônico, da fase juvenil à maturidade.

Desta produção literária apenas três tratam especificamente do problema da política, são elas: • República • Político • Leis

A principal obra de filosofia política de Platão é sem dúvida a República, nela Platão traça o seu estado ideal, o reino da razão, o estado onde o mandatário maior é o filósofo, mesmo sendo a sua mais importante obra política, hoje não vamos falar dela, provavelmente na próxima aula poderemos coloca-la como objeto de nossa analise. Em linha bem gerais, é possível dizer que as preocupações centrais das obras políticas de Platão foram, sem dúvida, demolir o regime democrático e apresentar soluções politicas ao mundo Grego. Na aula de hoje vamos investigar e refletir sobre a filosofia política do dialogo Político, que é uma das obras da maturidade intelectual do pensador.

O pesquisador Richard Romeiro de Oliveira, em seu ensaio intitulado “Tempo dos Deuses, tempo dos homens: Mito e História no Político de Platão”, escreveu que: Platão é um “autor de extraordinário talento literário e dotado de uma prodigiosa capacidade criativa, Platão, não se limita a explorar os problemas Filosóficos a partir do métodos estritamente dialético e conceitual herdado de seu mestre Sócrates, mas, em conluio com os procedimentos próprios da argumentação racional, quase sempre nos brinda com mitos de rara beleza poética e simbólica”. Para qualquer leitor dos diálogos, esse comentário de Richard Romeiro de Oliveira, sem dúvida alguma, é um dos elementos mais característicos e fascinantes da Filosofia de Platão. Espero que todos que leram este diálogo tenham observado este detalhe na e da produção literária do filósofo de Atenas.

Logo no inicio e pela varias lembranças do Sofista, outro diálogo de Platão, fica claro que o Político é o diálogo que sucede imediatamente ao Sofista. Até os personagens são os mesmos: Sócrates, Teodoro, o Estrangeiro de Éleia, Teeteto e o Jovem Sócrates. Tudo bem que no conjunto da obra apenas dois personagens monopolizaram o diálogo: o protagonista, o Estrangeiro de Éleia; e, o interlocutor principal, o Jovem Sócrates. Além desta sequência, o diálogo Político também utiliza do mesmo método empregado no diálogo Sofista. Uma característica digna de nota, digamos que pedagógica do filósofo, é que em cada diálogo Platão busca definir um coisa: o amor, no Banquete; a imortalidade da alma, no Fédon; o estado ideal, na República; entre outros. O que ele procura definir neste diálogo, e será objetivo desta aula, é a natureza do político e, a partir dessa natureza, revelar as entranhas da própria política.

O Político não é um dialogo fácil. Para alguns, é, até, um dialogo aborrecido, pois nele o velho Platão usa e abusa da dicotomia, o que fatiga o leitor. Mas ele é a coroa da doutrina política platônica, ou melhor o Político é o ápice da Filosofia Política de Platão desenvolvida nas obras a República e nas Leis, em outras palavras, com este diálogo Platão encerra a sua ideia sobre política.

SEGUNDA PARTE – Vamos agora ler e analisar esta obra. Como vocês viram na leitura que fizeram, que o protagonista deste diálogo, o Estrangeiro de Eleia, logo no inicio anuncia o objetivo daquele encontro lançando um questionamento: “devemos ou não colocar o político entre da sábios?” Questão que o jovem Sócrates não exita em responder com um sonoro sim. Antes da aula, um aluno me fez esta pergunta, respondi que que nem Platão como político foi sábio, basta observar suas experiências relatada a pouco, mas em tese ou em teoria, o político deveria ser sábio, entretanto, a ações políticas são movidas pelas paixões e isso produz situações outras que não são muito sabias. Mas vamos ao texto.

Na seqüência do diálogo, nosso protagonista, o Estrangeiro liga o presente diálogo com o anterior, ele disse: “nesse caso devemos classificar as ciências do mesmo mudo como o fazíamos ao estudar a personagem precedente?” Lembre-se a personagem anterior que ele esta falando é o Sofista. Mas, ele faz uma ponderação e uma redefinição do questionamento inicial: nessa classificação, porém, o político não teria o mesmo lugar. E acrescentar que, “então onde poderíamos encontrar o caminho pelo qual podemos chegar à compreensão do que é o político?” Esta é a questão levantada pelo Estrangeiro de Eleia.

Para suspense dos leitor, o Estrangeiro de Éleia nos dirige para um debate aparentemente distante do objeto e objetivo do diálogo. Ele lembra que as ciências em geral são classificadas em duas partes: Ciências Práticas e Ciências Puramente Teóricas. Este movimento para classificação das ciências é para nos alertar, politica é ciência. Mas de qual tipo? A resposta não é objetiva e nem direta. Mas ele não tem dúvida existe uma ciência especifica; característica fundamental que o soberano (político) deveria ter. Por isso, Platão busca em seu diálogo a natureza desta arte política ou desta ciência do fazer política. Podíamos dizer que Platão busca em seu diálogo o estatuto ontológico do ser da política. E ele parte de duas evidencias que são claras e distintas para ele: 1° – A Ciência política é a única ciência real; 2° – O rei para manter-se no poder não recorre à força das mãos ou ao vigor de seu corpo, mas à força de sua inteligência e de sua alma.

A partir destas duas evidências, o Estrangeiro de Eleia, protagonista do diálogo, conduz o raciocínio do jovem Sócrates a seguintes ideias: Como o rei no seu ofício, como soberano, lança mãos de sua inteligência e não de seu corpo, ele afirma que podemos concluir que o rei tem mais relação com a ciência teórica do que com as artes manuais, ou com todas as artes práticas. Se antes Platão havia dividido as ciências em duas partes teóricas e práticas, agora ele considera que é necessário, é conveniente, a fim de proceder com seu método de analise, classificar a ciência teórica. É este procedimento de divisão, subdivisão, classificação, reclassificação quase infinita, usando e abusando da dicotomia que faz deste diálogo um texto aborrecido e fatigante. Mas seguindo o raciocínio do autor somos induzidos a seguinte ideia. A arte do cálculo e arte da arquitetura são ambas ciências teóricas, mas o calculista e o arquiteto são diferentes, pois o primeiro é totalmente teórico enquanto que o segundo não. Assim, somos levados a uma nova dicotomia platônica: a ciência teórica divide-se em: Artes Crítica e Arte Diretiva. A Arte Crítica não tem ligação com a realidade, diríamos que é uma Ciência Pura. Enquanto que a outra, a Arte Diretiva esta diretamente articulada como a realidade, podemos dizem é uma Ciência Aplicada.

Platão faz uma nova aproxima ao objeto central do seu diálogo, isto é, no esforço de definir a natureza da ciência política ou arte política ele revela que a arte do Rei é uma arte teórica de caráter diretiva. Então, a ciência política de Platão tem uma pegada prática, visa a realidade, ou seja, é uma ciência aplicada. Mas para o leitor não perder o hábito, Platão rapidamente faz outro classificação, ele se propõe analisar esta arte diretiva. Ela também será dividida e subdivida. Assim, nosso autor compreende que, a parte diretiva da ciência teórica deve ser dividida em duas, entretanto, antes lembra que quando pensamos em dirigentes, no exercício de alguma direção, não podemos esquecer que as ordens têm sempre como finalidade alguma coisa a ser produzida. Desta forma, a arte diretiva, em sua primeira divisão, ela é a arte diretiva que visa a produção dos seres inanimados e a arte diretiva que visa a criação dos seres animados. Qualquer leitor atento perceberá que ainda vamos dividir esta ciência teórica diretiva em muitas frações até conseguirmos uma definição exata, quase matemática, da ciência política para Platão.

É brilhante o cuidado de lapidar a ideia para não deixar dúvidas em seus leitores. Além disso, também acho incrível este movimento de distanciamento e proximidade. Ele se afasta do objeto de analise, qual seja, a natureza da arte política e depois se aproxima, introduzindo no conceito a ideia logicamente deduzida. É um mestre, é o professor conduzindo o raciocínio do aprendiz, do aluno. Platão era genial. Mas vamos seguir com nossa analise.

O filósofo de Atenas nos disse que temos dois tipos de ciências diretivas: à da produção dos seres inanimados e dos seres animados. Certo? Agora, fazendo seu movimento de aproximação ao objeto de estudo, ele exclui uma das partes, melhor dizendo, ele abandona uma das partes e toma a outra para realizar uma nova divisão. Seu argumento é o seguinte: como o Rei não dirige seres inanimados e sim seres animados, é óbvio que a ciência real esta ligada a parte da ciência teórica diretiva que visa à produção dos seres animados. Nisto reside, para Platão, um papel de nobreza na ciência real. Ele escreveu: “naturalmente aquela que dirige os seres vivos é natural que a ciência real não dirige, do mesmo modo que a arquitetura, coisa sem vida: seu papel é muito mais nobre. É sobre os seres vivos que ela reina e é sobre eles que ela sempre exerceu o seu império.”

Depois dessa divisão, Platão faz uma digressão, um desvio, em sua reflexão que considero desnecessário reconstruir que em nossa aula. E quando parece que ele vai retornar de sua viagem mental ele nos conduz a outra. Uma longa, muito longa, viagem na classificação e distinção das espécies de animais. Ele lembra dos animais que são domesticados e vivem em rebanhos, os que não se cruzam, os que tem chifres e os que não tem, e segue num detalhamento incrível. Para os afoitos, para os impacientes, os filhos da pressa, os afobados, Platão coloca na boca do seu personagem central um proverbio grego que diz o seguinte: “apressa-te devagar”, e isso significa que “quem corre muito depressa cai e chega ao fim mais tarde do que aquele que não corre”. Temos um ditado popular parecido com este. “o apressado come cru”. Isso para colocar um freio ao ímpeto do jovem Sócrates que parece não tem a paciência necessária para filosofar.

A arte do filosofar não se faz na pressa, ou não se pode ter pressa quando queremos filosofar. Não podemos precipitar conclusões, corremos o risco de criar ideias temerárias. A pressa é inimiga da definição precisa e correta. Por isso, sem nenhuma pressa o Estrangeiro de Eleia segue seus passos para definir a natureza do político. Assim, depois da divisão e distinção das espécies animais, o autor, para o alivio de alguns leitores, escreveu: “agora voltamos ao ponto de que partimos, ligando tudo o que dissemos, do principio ao fim, para a definição deste termo: A Arte do Político”. Uma coisa importante e que não podemos esquecer, este esforço analítico é o mesmo esforço do matemático na demonstração de seus cálculos. Vamos acompanhar o raciocínio de Platão, veja que precisam matemática tem sua argumentação. A sua capacidade de síntese é invejável. Ele escreveu: “pois bem, nas ciências teóricas nos começamos por distingui uma parte diretiva, e, nesta, uma divisão a que chamamos, por analogia, autodirigente. A criação dos animais foi, por sua vez, considerada como uma das divisões da ciência autodiretiva, da qual é um gênero e certamente não o menor; a criação de animais nos deu a espécie da criação em rebanho, e a criação em rebanho, por sua vez, deu-nos a arte de criar os animais pedestres; e a seguir, esta arte de criar os animais pedestres no deu, como seção principal, a arte que cria a raça de animais sem chifres; e, ainda, esta raça de animais sem chifres inclui uma parte que só poderá ser pela adição necessária de três nomes: ela se chamará ‘a arte de criar raças que não se cruzam’. Por fim, a última subdivisão restante nos rebanhos bípedes, será a arte de dirigir os homens. É precisamente o que procuramos; a arte que se honra por dois nomes: política e real”.

Após desenvolvem este raciocínio, com uma argumentação lógica impecável, o afoito jovem Sócrates precipita uma conclusão: o político é o pastor do rebanho humano, assim, a política é a ciência que se ocupa da vida dos homens que vivem sempre em grupos (ou rebanhos), que os faz pastor e os alimenta, tendo por objetivo a educação comum de todos os homens. Ele achou a definição exata, ENTRETANTO, o Estrangeiro de Eleia não gostou do resultado final. Para ele a investigação foi realizada de modo vacilante e no desenvolvimento cometeram faltas graves. Por isso, ele lançou três duras críticas a essa definição: 1°) Existem outros que se preocupam em nutrir/alimentar e educar os seres humanos; 2°) sendo o político um pastor é sua obrigação cuidar de tudo o que se refere ao seu rebanho, tocar música para ele, definir com quem e quando realizará os cruzamentos; “ele é o médico e só ele escolhe os coitos” de seu rebanho. Deveria fazem todos os partos. Cuidar, acalmar e protegem. E o político não faz isso. E, além disso, 3°) Existe uma diferença de natureza entre o pastor e o rebanho, o que significa que o pastor precisa ter um conhecimento superior ao do rebanho, é uma questão óbvia nesta ideia de Platão. Em nenhum lugar do mundo você encontrará um animal da mesma espécie sendo pastor das outras, isto é, um rebanho de cabras não é conduzido por outra cabra, idem para o rebanho de ovelhas, de gado etc… É sempre um ser humano que atua como pastor. Desta forma, para dirigir o rebanho de homens, o pastor deveria ser um super-homem, o übermensch do filósofo alemão Nietzsche, porém não existe, o übermensch é apenas uma invenção teórica. Assim, temos e podemos concordar com o Estrangeiro de Eleia: A definição do político como pastor dos homens não é uma boa ideia, ela não da conta da realidade. É um conceito pobre. Como o próprio Platão diz: o conceito não faz um retrato fiel do político.

Depois de desmontar o que tinha edificado, o Estrangeiro propõe uma nova experiência do pensamento para o jovem Sócrates. Para mostra o político em sua pureza é necessário, na construção conceitual, separar o político de seus rivais. Só assim Platão acredita poder apresentar uma definição digna, rica e completa sobre a política. Para isso, ele indica um novo caminho, lança mãos de um artificio literário os mitos. Esta parte é muito rica, toda vez que leio fico imprecando com a habilidade literária do velho Platão. Sem desviar do objetivo de nossa aula, mas quero chamar a atenção para alguns detalhes. Para uma pessoa desatenta, esta parte pode parecer coisa infantil, ou uma ficção sem importância. Porém, existe uma sintonia perfeita entre esta narrativa mítica e a filosofia idealista de Platão. Sua teoria das ideias advoga a existência de dois mundos: O mundo sensível e o mundo suprassensível. O mundo sensível ou o mundo natural percebido pelos sentidos é apenas uma cópia pálida e deformada, um simulacro da realidade primeira, que é o mundo suprassensível, o mundo das ideias perfeitas e eternas. O que percebemos com os nossos sentidos são sombras desta realidade suprassensível. Assim podemos dizer, que a filosofia de Platão é o mundo ao contrário, pois a verdade ou realidade da filosofia platônica é aquilo que os homens não veem com os olhos, pois o vêem com eles é apenas ilusão, miragem, é devaneio. A Filosofia de Platão da o mundo verdadeiro o que, para o senso comum é o mundo invertido. Em outras palavras, o que é verdade é aparência e o que é aparecia é verdade.

Desta forma, Platão pode escrever esta extraordinária lenda da mudança na orbita do sol, que hora grava de leste para deste e depois mudou de sentido, pois sua filosofia opera uma virada muito mais significativa, como falamos. O tradutor do texto que estamos lendo introduziu uma nota explicativa e apresentou a lenda que agora reescrevo: Conforme uma lenda, Atreu convidou seu irmão Tiestes com seu filho para jantar. Quando a criança estava brincando no pátio, o vingativo tio Atreu o prendeu, matou, assou e serviu no jantar. Seu pai, que poderia ser denunciado no conselho tutela por abandono de incapaz, não suspeitou de nada, comeu seu filho. Depois do jantar, o pai desatento perguntou sobre o paradeiro do menino. O tio Atreu sorrindo com sadismo, mostra para seu irmão a cabeça do sobrinho sem nome e explica que a carne que ele havia servido era seu filho. A única testemunha ocular deste crime monstruoso foi o deus sol, que tudo vê, e depois deste crime ficou perturbado ao ponto de virá a direção do seu carro. Desde aquele tempo, que ninguém sabe quando, o sol não mais nasceu no oeste e sim a leste. Outro astros em solidariedade o acompanharam, mudando do mesmo modo o sentido de seus movimentos.

Esta tragédia familiar mudou o movimento cósmico. A alusão a esta tragédia foi apenas para introduzir o mito de Cronos. Este mito relata a época de ouro quando o mundo é totalmente dirigido por deus. E isso produz uma harmonia perfeita, pois o movimento regular das coisas são respeitados não existe conflito… Não existia fome, sede, os animais eram todos dóceis e amigos dos homens, não havia partos, os homens brotavam da terra. Isso lembra também a narrativa do paraíso terrestre bíblico, e, ao mesmo tempo, a utopia do profeta Isaías sonhando na harmonia planetária. Onde leão e a cabra pastaram juntos, a criança poderá colocar a mão na toca da serpente, etc.. Entretanto, esta idade de ouro no domínio do deus Cronos tem seu fim, quando entramos na época de Zeus. Vamos abrir mais uma nota explicativa sobre como aconteceu esta vira da era de Cronos para era Zeus. Cronos era pai de Zeus, e reza a tradição que Cronos devorava seus filhos, pois sabia quer sempre o filho que tomar posse do trono. Por manobra de Réia, mãe de Zeus, Cronos não comeu seu filho caçula. Zeus é criado em um bosque na ilha de Creta e, assim, que cresceu enfrentou seu pai, primeiro lhe obrigando a tomar uma bebida mágica, que restituiu a vida de seus irmãos devorados. Depois, com a ajuda de seus irmãos, Poseidon e Hades travaram uma guerra contra Cronos. Conseguiram matar o seu pai. Dividiram seu corpo em três partes e enterraram cada parte em um lugar. Após a vitória cada um governava um mundo. Zeus, com o céu e a terra; Poseidon, tornou-se senhor dos mares e Hades, senhor do submundo. A morada dos mortos.

Após esta tragédia familiar, temos o período em que deus abandonou a direção do mundo e, então, este entregou a si mesmo, a própria sorte, põe-se a se movimentar numa direção contraria que produziu uma perturbação cósmica. Se no período de Cronos havia uma Harmonia total, agora na Era de Zeus temos o caos. Esta perturbação repercutem também sobre os homens e a desordem acaba por dominar tudo. É o caosmo, onde tudo é caos e esquecimento. O Estrangeiro de Eleia observa que, a principio, essa ausência do deus não se fez tão sentida no mundo: “o universo, embora se movendo por sua própria conta e sem o auxilio da divindade, consegue se manter dentro de certa harmonia e regularidade, rememorando, quando possível, as lições recebidas de seu pai, o demiurgo divino. Mas tal situação não se manteve por muito tempo e, em virtude do caráter corpóreo de sua composição primitiva, avançou ele para um Estado de desorganização e entropia gradativamente maiores, esquecendo as lições do demiurgo” (Richard Oliveira)

Isto visa demonstrar que vivemos na época em que o mundo é deixado à sua própria sorte, no qual há cidades e o problema da política e do politico se fazem presentes – Assim, o Estrangeiro de Eleia ensina que a principal lição contida no mito é de nos mostrar que definição do politico como pastor de homens possui o grave erro de confundir os governantes do ciclo de Zeus com as divindades do tempo de Cronos, pois definindo os Reis atuais como pastores, identificamos erroneamente o humano como o divino, o mortal com o imortal, confundindo o político com o deus, como Platão relata no Político. Platão destingiu no seu diálogo Político, cinco espécie de formas de governo: A Monarquia, o governo de um só, que reina graças ao consentimento dos cidadãos e que se apoia em leis; a Tirania, também governo de um só homem mas que reina contra a vontade dos cidadãos e que segue apenas o seu arbítrio; a Aristocracia, governo de um pequeno numero de ricos; a Oligarquia governo de um pequeno numero que considera apenas os seus interesses, e, por último, a Democracia, domínio da multidão que, como escreveu o ressentido Platão, “em tudo é fraco, sem grande poder tanto para o bem como para o mal, em comparação com outros (governos), porque (nele) os poderes estão muito divididos entre muitas pessoas”.

Para finalizar precisamos falar de forma pontual de duas questões fundamentais da filosofia política de Platão: 1°) sua crítica a democracia e as leis; e 2°) a importância do conhecimento para a atuação como politico.

O Estrangeiro de Eleia leva o dialogo a conclusão de que somente ao cidadão de que possui a ciência politica pode exercer o bom comando da Polis. O Estrangeiro continua falando: “parece que entre todas as constituições, esta será absoluta e unicamente a exata, na qual os chefes seriam possuidores da ciência verdadeira e não de um simulacro de ciência: e esses chefes, quem se apoiem ou não em leis, quem sejam desejados ou apenas suportados, pobres ou ricos, nada disso assume a menor importância na apreciação dessa norma exata” Além do desrespeito as leis, Platão sempre foi crítico das leis, pois elas mataram seu mestre. Ele entrega poderes quase absolutos nas mãos do Rei-filósofo. Vejamos a sequencia dos argumentos do Estrangeiro de Eleia: “é indiferente também que eles (ou chefes – O Rei-filósofo) sejam obrigados a matar ou exilar alguém a fim de purificar e semear a Polis; que exportem emigrantes como enxames de abelhas, para torna melhor a população, ou importem pessoas do Estrangeiro, concedendo-lhes cidadania, a fim de torna-la maior. Enquanto se valem da ciência e da justiça, a fim de conservá-la, tornando-a melhor possível, e por semelhantes termos definida, uma constituição deve ser, para nós, a única constituição correta”.

Quando o Estrangeiro afirmou que o chefe político, o Rei-filósofo, podia governar se apoiando ou não em leis o jovem Sócrates rapidamente questionou. Foi o momento oportuno criado por Platão para destilar seu fina ironia, com uma retórica espetacular, para criticar os limites das leis. Platão escreveu: “A lei jamais será capaz de estabilizar, ao mesmo tempo, o melhor e o mais justo para todos, de modo a ordenar as prescrições mais convenientes. A diversidade que há entre os homens e as ações e, por assim dizer, a permanente instabilidade das coisas humanas, não admite em nenhuma arte, e em assunto algum, um absoluto que valha para todos os casos e para todos os tempos.” Para Platão existe outro limite da lei: “é precisamente esse absoluto que a lei procura, semelhante a um homem obstinado e ignorante que não permite que ninguém faça alguma coisa contra a sua ordem, e não admite pergunta alguma, mesmo em presença de uma situação nova que as suas próprias prescrições não haviam previsto, e para a qual esse ou aquele caso seria melhor.”

Existem ainda muitas notas sobre este diálogo mais por hoje é só, muito obrigado pela atenção, boa noite. Até a próxima aula.

Agradecimentos:

1. Ao meu amigo Nertan Silva-Maia, pelo desenho intitulado “ALEGORIA DA AURORA”, siga o Nertan nas redes sociais;

2. A minha orientanda do curso de Licenciatura em Ciências humanas da UFMA Drielly Caroline, pela digitação dessa aula.

Referências Bibliográficas:

CHÂTELET, François. História da Filosofia: A filosofia pagã: do século VI a.C. ao século III d.C. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

BRÉHIER, Émile. História da Filosofia: Tomo Primeiro: A antiguidade e a Idade Média. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

PANDOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. 15.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1990.

CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed.rev.amp. São Paulo: Campanhia das Letras, 2002.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2003.

PLATÃO. Político. Rio de Janeiro: Ediouros, 1990.

OLIVEIRA, Richard Romeiro de. Tempo dos Deuses, tempo dos homens: Mito e História no Político de Platão. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/kr/v44n107/v44n107a04.pdf

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