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  • cleverfernandes196

POLÍTICOS ENTRE SADE E MAQUIAVEL

É lugar comum afirmar que os políticos são leitores de Maquiavel, e que a “bíblia” deles é o livro O Príncipe (escrito em 1513, como um manual de orientação para quem quer conquistar e manter o poder do estado, mas só foi publicado, postumamente, em 1532). Muitos de fato são leitores e usuários das potentes ideias do pensador de Florença, entretanto, penso que a dose maquiavélica usada por eles nunca é pura. Eles fazem um coquetel, uma combinação de ideias, para mim, neste colocam uma dose cavalar do pensamento do Marquês de Sade. Ao escrever isso, fico imaginando algumas sobrancelhas se arqueando só porque leram o nome de Sade, pois, sempre que se lê o nome do Marquês, imagina-se quase que instantaneamente orgias, sexo selvagem e libertinagem de todas as formas. De fato, Sade dedicou-se a produção de livros de contos eróticos e pornográficos. Foi um grande escritor, e neste gênero literário é uma referência importante. Ousou tanto, que escreveu até A ESCOLA DA LIBERTINAGEM, subtítulo de sua obra Os 120 dias de Sodoma. Antes de seguirmos, não podemos de forma simplista equacionar essas duas variáveis Autor=Obra, não se deve reduzir o romancista a sua criação, ele não pode ser confundido com o personagem por ele criado. As ações narradas não são descrições de vivências, mesmo as autobiografias estão recheadas de imaginação, na verdade, podemos dizer que autobiografias são auto-ficções. Assim, precisamos mudar essa visão comum de Sade, que acredita na relação direta entre ele e seus personagem. Ele foi ao longo do tempo estigmatizado pela perversão sexual dos seus personagens. Perversão usada pela medicina. Sade deu nome a um conjunto de sintomas de uma conduta psicologicamente estranha. Deleuze nos mostra que a história da medicina tem vários exemplos de médicos que deram nomes a doenças, por exemplo, o mal de Parkinson, a síndrome de Roger, etc… “O médico não inventou a doença. Mas separou sintomas até então associados, agrupou outros antes dissociados, ou seja, constituiu um quadro clínico profundamente original“. Podemos dizer que essa é a eficácia da literatura do Sade, ele agrupou e apresentou em seus personagens sintomas daquilo que posteriormente foi designado como sadismo, que é classificado como uma psicopatologia, a perversão caracterizada pela obtenção de prazer sexual com a humilhação ou sofrimento físico de outrem. Como nos ensinou também Gilles Deleuze, os autores de literatura são sintomatologistas, são em certa medida médicos da civilização. Então, Sade precisa ser visto primeiramente como o criador e não o doente. Apenas repito a saudável necessidade de manter a distância entre o autor e sua obra. Sade é um sintomatologista.

Apesar de estarmos vivendo no Brasil um período turbulento e de grande instabilidade, pois temos um grupo no poder que acredito que não são leitores nem de Maquiavel, nem de Sade, nem de coisa nenhuma. Mas, não estou pensando neste texto apenas nos políticos do Brasil atual. Acredito que a ação política se alimenta de algumas ideias, e o coquetel de ideias Maquiavel-Sade é tomado por muitos, basta olhar o comportamento e as ações públicas de vários políticos do Brasil e do Mundo. Se o sadismo é uma psicopatologia sexual visível no comportamento das pessoas que buscam o prazer na humilhação e sofrimento de outro, existe também um sadismo na ações políticas, consciente ou não. Sendo ou não leitores do Marquês de Sade muitos políticos podem ser rotulados ou diagnosticados com essa perversão: o sadismo. Vamos pensar um pouco, é evidente pelo tipo de personagens produzidos por Sade que suas ideias sexuais têm impactos também no plano político. Sua sintomatologia não é restritiva, ela nos oferece uma crítica e uma clínica do comportamento político, pois localizou um tipo de desmesura da alma humana. Ele escreveu de forma geral que “um excesso sempre conduz ao outro“. De acordo com o Marquês de Sade, basta despertar essa insaciedade libertina da alma para sentirmos seus efeitos devastadores. Ela, como o desejo, não tem limites, se lança ao infinito. O desejo nunca se esgota, e Sade acrescenta: “a libertinagem, nunca admite limite algum“. São feras indomáveis. O gatilho é simples, ceder ao desejo a primeira vez. Para Sade, “nada é mais estimulante do que um primeiro crime impune“. A realização do primeiro ato ilícito sem ser pego produz um prazer indescritível, difícil é resistir à próxima vez. Pensando na corrupção, além das vantagens do ato, o dinheiro desviado de um órgão público, o estimulante sádico, o sadismo, é a adrenalina do ato em si, o prazer quase sexual da realização. O corrupto já não racionaliza seu ato, o roubo das verbas públicas se iguala às ações produtoras de adrenalina, tais como: escalar montanha, surfa uma onda gigante, fazer uma grande travessia num canal, entre outras. A ação produtora dá tanto prazer que seus praticantes repetem N-vezes pelo puro prazer da realização. A corrupção também produz isso, o corrupto não rouba apenas pelo dinheiro, mas pelo prazer da ação. Sei que você pode estar pensando que essa linha de raciocínio é coisa dessa mente doentia do Marquês de Sade. Mas, quero mostrar para você outro pensador que escreveu algo parecido. Santo Agostinho em seu Livro II das Confissões narrou algumas atividades de sua vida, que quero compartilhar com vocês. Agostinho descreve os prazeres da prática do mal. Ele confessa: Eu quis roubar; na minha adolescência, roubei, não instigado pela necessidade, mas somente pela penúria, pelo fastio da justiça e pelo excesso da maldade. Tanto é assim, segue o Bispo de Hipona, que furtei o que tinha em abundância em muito melhores condições. Não pretendia desfrutar das coisas furtadas, mas do roubo em si (…) Roubei peras não porque eram sedutoras, nem pela sua beleza, tão pouco pelo seu sabor. Eu e alguns jovens malvados ficávamos até altas horas da noite nas ruas, resolvemos roubar este fruto, não para nos banquetearmos, se bem que provamos algumas, mas para lançarmos aos porcos. Portanto, sentencia Santo Agostinho, todo o nosso prazer consistia em praticarmos o que nos agradava, pelo fato de o roubo ser ilícito. Roubar pelo prazer do roubo. Essa confissão do santo da igreja católica é magnifica, pois se encaixa naquilo que o próprio Marquês de Sade também escreveu. Ambos indicam que existe na alma humana algo que despertado pode nos conduzir a ações inimagináveis.

É possível dizer que no seu livro Sociedade dos amigos do crime Sade revela sua posição política, que pode ser definida como cínica. Seu cinismo revela a hipocrisia de nossa sociedade. Os políticos são amigos do crime, isso todos nós sabemos e temos consciência que eles se declaram ostensivamente a favor do bem e da lei por mera conveniência, pois estão dispostos a violentar todas as leis e fazer toda sorte de maldade. Nenhum deles vão se declarar corrupto e amigo do crime, vão sempre fingir que são homens de bem e respeitadores das leis. Mas a única lei que obedecem, nos mostra Sade, é a lei insaciável do desejo. Desejo de poder, desejo de riqueza, desejo sexual. Movidos por isso fazem de tudo para realizarem seus desejos. Mas, não podemos esquecer o lado mais perverso dessa psicopatologia, o sadismo sente prazer é na humilhação e na dor física de outrem, e não podemos descartar essa característica na prática da corrupção. O corrupto tem consciência da dor, do sofrimento e da humilhação, que seu ato produz na vida de milhares de pessoas. Tenho certeza que no fundo ele sente um prazer nisso também. Por isso, não tenho dúvidas, os políticos são mais sádicos do que imaginamos, muitas vezes preferimos rotulá-los de maquiavélicos, entretanto, se fôssemos leitores do Marquês provavelmente revisaríamos nossa classificação. Lendo os livros do Sade é possível perceber os sintomas do sadismo em nossos políticos. São muito mais sádicos do que maquiavélicos.

Quero agradecer ao amigo Nertan Silva-Maia, colaborado deste blog, pela ilustração denominada “HOMO SADO-MAQUIAVÉLICO”. Nanquin e aquarela s/papel sufite, 21×29, 5cm

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