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  • cleverfernandes196

OS DESCULPANTES VERSUS OS CULPABILIZANTES

Atualizado: 18 de fev. de 2021

Não estamos sozinhos no mundo, isso é uma fato incontestável. A vida é uma luta, uma tentativa de se impor uns sob os outros. Nessa trama da existência temos dois tipos de pessoas: as que sempre estão pedindo desculpas, os desculpantes; e, aquelas que sempre estão acusando, os culpabilizantes. Para Milan Kundera, esta disputa entre desculpantes e culpabilizantes acontece como resposta a essa luta de todos contra todos, lembrando a máxima hobbesiana “homem é lobo do homem”. Como estamos supostamente numa sociedade civilizada, as pessoas não vão simplesmente se atirarem umas sobre as outras como animais, apesar que na selvageria do transito das grandes cidades isso nem sempre é uma verdade. O romancista tcheco escreveu: “A vida é uma luta de todos contra todos. É sabido. Mas como essa luta acontece numa sociedade mais ou menos civilizada? As pessoas não podem se atirar umas sobre as outras sempre que se encontram. Em vez disso, tentam jogar no outro o constrangimento da culpabilidade. Ganhará aquele que conseguir tornar o outro culpado. Perderá aquele que reconhecer sua culpa. Você vai pela rua, mergulhado em pensamentos. Em sua direção vem uma moça, como se estivesse sozinha no mundo, sem olhar nem para a esquerda nem para a direita, indo direto em frente. Vocês se esbarram. Eis o momento da verdade. Quem vai insultar o outro, e quem vai se desculpar? É uma situação-modelo: Na realidade, cada um dos dois é ao mesmo tempo o que sofre o esbarrão e o que esbarrou. E, no entanto, há os que se consideram, imediatamente, espontaneamente, os que esbarraram, portanto culpados [são os desculpantes]. E há os outros, que se veem sempre, imediatamente, espontaneamente, como os que sofreram o esbarrão, portanto no direito de acusar o outro e de fazer com que este seja punido [são os culpabilizantes]” (KUNDERA, 2014, p.54).

Apesar da situação-modelo parecer simples e especifico, na vida estamos o tempo todo nos esbarrando uns nos outros. Para o bem ou para o mau estamos nos encontrado com toda sorte de pessoas, e sempre as pessoas que estão acostumadas a acusar vão sempre acusar o outro como responsável pelas suas adversidades. Os culpabilizantes são ávidos e rápidos na arte de acusarem, nunca reconhecem suas falhas, nunca estão errados. São senhores da razão. São verdadeiros campos minados prestes a explodir a qualquer hora, pois se ofendem por tudo. Usam de sua força argumentativa para fazer o outro se sentir responsável pelo seu suposto sofrimento. Os culpabilizantes são insatisfeitos com sua existência e essa condição os transformam em pessoas que são facilmente sequestrados pelos sentimentos de ódio, rancor e mágoa. As pequenas coisas da vida os desestabilizam muito rápido, para quem olha de fora da situação e ouve os despautérios daquela pessoa pode até pensar que estamos próximos da terceira guerra mundial. Ao contrário destes, os desculpantes estão o tempo todo reconhecendo culpar, pois “quem se desculpa se declara culpado” (KUNDERA, 2014, p.54). Essa postura também é preocupante, uma vez que quando nos declaramos culpados estamos encorajando o outro a seguir nos injuriando, nos denunciando publicamente até esgotar sua fúria arrasadora. Os desculpantes não são vítimas, mas produzem seu próprio cadafalso quando assumem a responsabilidade da situação produzida pelo esbarrão. Muitas vezes a postura do desculpante de assumir a culpa é apenas uma forma de por um ponto final na situação de embaraço, mas as consequências do pedido de desculpas são muitas vezes fatais. Ele é enforcado no seu cadafalso da desculpa. Nem sempre, mas o exercito dos desculpantes são na maioria das vezes constituídos por pessoas que aparentemente são satisfeitas com a própria vida, porém são na verdade pessoas carentes que não medem esforços para se aproximar do outro assumindo humildemente a culpa pela situação. No fundo, os desculpantes pensam que vão agradar o outro com seu pedido de desculpa. Mas, muitas pessoas acreditam que eles são movidos muito mais pelo medo, pela covardia e pela fraqueza de enfrentar o outro. Mas, afinal, você é mais desculpante ou culpabilizante na vida?

KUNDERA, Milan. A FESTA DA INSIGNIFICÂNCIA. Tradução de Bulhões Carbalho da Fonseca. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.


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