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  • cleverfernandes196

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS

O segredo dos seus olhos é uma produção cinematográfica argentina incrível. Faz-nos pensar sobre a dinâmica da vida, as escolhas e decisões, que nem sempre temos coragem de assumir. É possível dizer que existe nele um movimento entre o rosto e a máscara, a luz e a treva, a verdade e a mentira. O próprio título dessa produção cinematográfica é sugestivo, a partir dele podemos indagar: Quais são os segredos dos nossos olhos? O que nossos olhos viram e jamais revelaríamos? Os olhos tem dupla possibilidade, eles podem ocultar nossos segredos mais íntimos, e, paradoxalmente, também são reveladores dos nossos maiores segredos, pois, como diz um ditado popular: os olhos são as janelas da alma. Eles mostram nosso universo interior, por isso, algumas pessoas não conseguem conversar olhando nos olhos dos seus interlocutores, provavelmente por medo de revelarem o que realmente estão sentido ou desejam falar, pois essas pessoas são quase sempre dissimuladas e ficam com um olhar desviante. “Olhos nos olhos, quero ver o que você faz”, nos canta o poeta Chico Buarque. Olhar nos olhos é uma questão de segurança e atenção aos nossos interlocutores, quando ficamos atentos aos seus olhares, podemos saber que tipos de olhos estamos fitando: alegres, tristes, maliciosos, sanguinários, de espanto, de ressaca, tipo aqueles da famosa personagem do bruxo da literatura brasileira, Machado de Assis: olhos de Capitu, este olhar nos arrastam para lugares sombrios. Os olhos guardam os segredos de nossas experiências, escolhas e desejos ocultos, mesmo aqueles que ficam como na canção do Lulu Santos “Apenas mais uma de amor“:

Eu gosto tanto de você

Que até prefiro esconder

Deixo assim, ficar

Subentendido

Como uma ideia que existe na cabeça

E não tem a menor obrigação de acontecer“.

Boa parte das ideias que existem em nossas cabeças foram produzidas pelo olhar, aquele olhar de desejo, que muitas vezes preferimos esconder, pois não precisamos e nem devemos realmente revelar sempre o que nossos olhos estão vendo e desejando. Algumas vezes na verdade é preferível esconder, pois o que passa em nosso universo interior “não tem a menor obrigação de acontecer”.

No filme Benjamim Esposito, o personagem principal, um investigador aposentado resolveu tornar-se um escritor. Decidiu aventurar-se no mundo da produção literária, e para escrever seu romance escolheu contar a história do assassinato de uma jovem recém-casada, que a justiça argentina por interferências do regime político produziu uma grande injustiça. O assassino foi preso, julgado e condenado, mas, como era informante dos militares no poder, sua pena foi revogada. No início do filme somos impactados com cenas que são experiências mentais do aprendiz de escritor, que não tinha ideia de como iniciar aquela intrigante história. Tentou várias formas… Não ficou satisfeito com nenhuma delas… Numa noite acorda assustado, pega uma folha e anota T E M O. A primeira impressão é que aquela anotação revelava o pavor dos seus sonhos provocados pelas lembranças assustadoras da tragédia da jovem, porém só no final isso fica claro. Ele volta a dormir, e ao acordar vai ao Palácio da Justiça e se encontra com sua amiga Irene Menéndez Hasting, uma juíza, com quem trabalhou por muitos anos, e lhe revela a decisão de tornar-se um escritor. Quando disse que tinha a intensão de escrever um romance a partir deste caso politicamente complicado, ela não demonstrou entusiasmo, parece até que não queria remexer no passado, afirmou ao amigo que era incompetente na jurisdição do passado e completou: “sempre olho para frente e não gostos de olhar para trás”. Essa resistência da juíza Irene me fez lembrar da música do Capital Inicial: “Não Olhe Pra Trás”. Nela a banda canta:

Nem tudo é como você quer

Nem tudo pode ser perfeito

Pode ser fácil se você

Ver o mundo de outro jeito

Se o que é errado ficou certo

As coisas são como elas são

Se a inteligência ficou cega

De tanta informação

Se não faz sentido, discorde comigo

Não é nada demais, são águas passadas

Escolha uma estrada

E não olhe, não olhe prá trás

Você quer encontrar a solução

Sem ter nenhum problema

Insistir em se preocupar demais

Cada escolha é um dilema

Como sempre estou

Mais do seu lado que você

Siga em frente em linha reta

E não procure o que perder

Ela escolheu sua estrada e resolveu não olhar mais para trás, optou por não se preocupar com as águas passadas. Porém, a sensação é que para Irene e para muitas pessoas o passado se apresenta como um labirinto perigoso, semelhante ao do Minotauro da narrativa clássica na mitologia grega. Ela tinha receio de entrar e não conseguir sair deste passado. Não era a sua jurisdição. Não olhar para trás, seguir sempre em frente era o seu lema. Entretanto, esse é nosso maior labirinto. A vida é um labirinto em linha reta [não sem curvas] que não podemos sair. Vivemos correndo para atingir uma meta, este é o nosso verdadeiro labirinto, como Paulino Moska em uma canção mostra a contradição:

Eu ando num labirinto e você, numa estrada em linha reta

Te chamo pra festa mas você só quer atingir sua meta

Sua meta é a seta no alvo

Mas o alvo, na certa não te espera

Estamos presos no labirinto. Ireni estava presa na linha reta da vida que escolheu, definiu não olhar para trás e sempre seguir em frente. Benjamim Esposito se assustou com a reação da amiga, pois acreditava que tinha a proposta perfeita para desenvolver o seu livro, levou um balde de água fria na cabeça. Mas isso não o desanimou, ele queria olhar para trás, não só para narrar essa história trágica, sua real intenção estava em outro drama que ele escondia ou pensava que escondia, já que seus olhos denunciavam o que sentia. Mas seu amigo Sandoval lhe diz o que seus olhos são de um homem apaixonado por Irene.

Para somar com essa dificuldade de olhar para trás, a juíza ao folhear algumas fotografias antigas afirmou que “me vejo, mas não me reconheço mais”. E realmente as pessoas, principalmente quando não vivem a vida que gostariam de viver, ao olhar para o passado sentem um tipo de estranhamento. Não se reconhecem. Sentem-se estrangeiros na própria vida. Entretanto, mesmo Irene advogando essa visão de estranheza, no filme temos outro personagem revelando uma chave de leitura importante e diametralmente oposta ao da Juíza. Essa chave ajuda a solucionar um crime e faz com que o personagem principal do filme tome uma atitude frente a vida. Seu amigo Pablo Sandoval, que foi violentamente assassinado, lhe diz num determinado momento que “podemos trocar muitas coisas, mas ninguém muda as verdadeiras paixões“, isto é, ele explica que existem coisas que marcam nossa existência, são partes constitutivas de nossas vidas e que sem elas perderíamos nossa identidade, deixaríamos de ser o que somos. São essas paixões que respondem às questões levantadas pelo personagem principal: “Como se faz para viver uma vida vazia? Como faz para viver uma vida cheia de nada?”.

Quando descobrimos quais são as nossas paixões existências não ficamos mais imaginando no que aconteceu ou não em nossas vidas, pois se estamos realizando aquilo que dá sentido à vida não precisamos ficar parados na estação do passado, como disse Ricardo Morales, um personagem no filme, ao investigador Esposito: “Não fique mais imaginando no que aconteceu ou no que não aconteceu, senão serão mil passados e nenhum futuro“. Aqui cabe a lição do Roberto Gomes que escreveu: “O futuro não se constrói a partir de um presente arbitrariamente fixado, mas do questionamento do passado. É tão grave esquecer-se no passado quanto esquecer o passado. Nos dois casos desaparece a possibilidade de história“. Assim, não devemos ficar preso no passado e nem fugir para o futuro, pois são dois perigos que paralisam as nossas vidas.

Foi com essa ideia, qual seja, a de que ninguém abandona totalmente suas paixões e convicções, que o ex-investigador Benjamim Esposito conseguiu rastrear e encontrar a casa do Ricardo Morales, o ex-marido da jovem violentada. Num diálogo truncado, ele confessou que tinha matado o assassino de sua amada, e afirmou que isso aconteceu logo depois que a justiça argentina havia liberado o assassino da prisão. Porém, Benjamim não acreditou naquela confissão por causa da convicção do jovem Morales, que há 25 anos defendia apaixonadamente que a prisão perpétua seria a melhor das punição. Ele lembrava perfeitamente, a defesa de Ricardo Morales para quem a pena capital não fazia justiça, era suave demais. Ele afirmava que a pena de morte não teria a força punitiva que a prisão perpétua tem, pois a prisão forçaria o prisioneiro a viver até a morte acordando numa vida de nada. O peso da rotina de nada. A prisão é uma vida cheia de nada. Com essa ideia em mente, o investigador concluiu o diálogo e saiu da casa, porém ficou observando de longe a movimentação de Morales e descobriu que ele mantinha preso aquele assassino numa cárcere construído no seu sítio. Realizando aquilo que apaixonadamente defendia na juventude, condenou o assassino de sua esposa a prisão perpétua. Transformou a vida dele numa vida cheia de nada. É interessante a cena quando Benjamin entra nessa prisão privada, no presídio Morales, podemos chamar assim, e o assassino apenas implora para ele pedir para que o outro apenas fale com ele. A vida de nada, na indiferença do outro que não lhe fala palavra a mais de 25 anos. Uma vida sem ouvir nada de ninguém, numa vida solitária e vazia. O nada absoluto.

No final do filme temos uma revelação do significado daquela anotação intempestiva de Benjamim Espólio no meio da noite, logo no início da película:

T E M O.

Na verdade era a versão manuscrita da máquina de escrever que não tinha a letra A. Não era temor a nada e sim a declaração de seu amor oculto por Irene, ele acrescenta a letra A e o T E M O transforma-se em TE AMO. Sua paixão da vida toda e de toda vida. O filme termina com o investigador aposentado entrando no gabinete da juíza para revelar o segredo de seus olhos. Quais são os segredos de seus olhos?

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