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  • cleverfernandes196

O IMPÉRIO DAS OPNIÕES

Quando escrevi a primeira versão d’O IMPÉRIO DAS OPINIÕES não conhecia o texto do professor da Universidade de Barcelona, Jorge Larrosa Bondía, intitulado NOTAS SOBRE A EXPERIÊNCIA E O SABER DA EXPERIÊNCIA e também não tinha assistido ao vídeo do canal no YouTube O Mundo Segundo Ana Roxo, no qual ela faz uma resenha interessante do artigo de Bondía [veja ao vídeo a partir deste link: [https://www.youtube.com/watch?v=vZ7TYWoJF-0&feature=share]

Depois de ler o artigo e assistir ao vídeo percebi ressonância interessante entre as ideias do professor Bondía e o meu texto, por isso resolvi reescrevê-lo.[Antes é bom que se diga, este artigo do professor de Barcelona foi uma conferência proferida no I Seminário Internacional de Educação de Campinas-São Paulo-Brasil, em julho de 2001]. Ele começa sua exposição sobre Educação com uma proposta de pensar a educação a partir do par experiência/sentido escapando assim da tradicional reflexão educacional a partir do par teoria/prática. Além dessa opção, Bondía faz uma profissão de “fé” que transcrevo:

“O que vou fazer é, simplesmente, explorar algumas palavras e tratar de compartilhá-las. E isto a partir da convicção de que as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente ‘raciocinar’ ou ‘calcular’ ou ‘argumentar’, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. E isto, o sentido ou o sem-sentido, é algo que tem a ver com as palavras. E, portanto, também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo em que vivemos. E o modo como agimos em relação a tudo isso”.

Somos palavras, nos construímos e nos constituímos na e com as palavras. Por isso, nosso mundo é do tamanho de nossa linguagem, como nos ensinou o filósofo Ludwig Wittgenstein, e também nesse sentido Bondía afirma: “As palavras que nomeamos o que somos, o que fazemos, o que pensamos, o que percebemos ou o que sentimos são mais do que simplesmente palavras”. São expressões daquilo que somos e temos de mais precioso. O ser humano é palavra.

Dentro de sua proposta de explorador das palavras ele começa com a palavra experiência mostrando o seu significado em vários idiomas e concluiu: “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. A experiência é aquilo que nos afeta para o bem ou para o mal. Porém, nunca na história humana passaram tantas coisas sem tocar, sem se traduzir em experiência subjetiva. Temos um volume imenso de informação, mas, este é o primeiro alerta do autor, “a informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência”. Vivemos num mundo de excesso de informação. Por isso, o nosso tempo é denominado por muitos de sociedade da informação, que é diferente de uma sociedade do conhecimento, ou sociedade da experiência, ou sociedade do saber. É fundamental não confundir essas coisas experiência, informação e saber, e para evitar isso Bondia escreveu: “A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informando.” Nessa inusitada sociedade da informação as pessoas estão freneticamente desejando cada vez mais informação sem experiência, elas passam a maior parte do seu tempo buscando novas informações. O importante é estar informado. O professor Bondía diz que “com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça”. Esse excesso de informação serve como blindagem contra as experiências e, além disso, o sujeito senhor das informações é também senhor das opiniões. Nessa sociedade da informação vivemos na verdade NUM IMPÉRIO DAS OPINIÕES. De acordo com Bondía, esse excesso de opinião é o segundo obstáculo que anula nossas experiências. A pessoa que tem opinião supostamente pessoal, própria e crítica sobre tudo o que acontece no mundo não sentirá necessidade de experimentar nada. Basta a informação. Assim, com as informações à disposição vinte quatro horas num tempo instantâneo, todo mundo se considera competente em todas as áreas do “conhecimento” humano e por isso sente-se à vontade para lançar nas redes sociais suas opiniões e impressões vagas e superficiais sobre todos os assuntos do mundo. Na verdade, como disse Bondía, “pensa que tem de ter uma opinião”. O estranho é não opinar. Criamos um mercado onde se vendem toda sorte de opiniões, e o pior é que estas opiniões vomitadas são aceitas no mercado dos trouxas como verdades, enquanto a maioria não passam de preconceitos. Mas, não somos apenas vendedores nesse mercado das ilusões, nesse mundo veloz de informações instantâneas também somos consumidores vorazes e insaciáveis de notícias e novidades. Navegamos ávidos o tempo todo buscado mais e mais informações e, ao mesmo tempo, destilamos nossas opiniões comentando desde a vida íntima dos outros à macroeconomia mundial. Não conseguimos ficar em silêncio, somos provocados e estimulados a nos posicionar diante de tudo. Neste sentido, Bondía nos diz que o sujeito moderno “quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio. Ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, são também inimigas mortais da experiência”.

Para vivermos as nossas experiências precisamos de silêncio e memória. Além disso, é necessário deletar este excesso de informações que nos estimula, excita, nos blinda e nos faz hiperativos. A experiência exige o oposto daquilo que somos programados a buscar no mundo atual: a segurança, a certeza e a proatividade, pois o sujeito da experiência se define por sua passividade, receptividade, de disponibilidade e abertura. “A experiência é território de passagem”. Por isso, quem vive a vida como uma experiência densa e verdadeira está exposto e isso o coloca numa situação de vulnerabilidade e risco. O sujeito da experiência é nômade.

O autor chama atenção para uma questão muito importante, só conseguimos uma formação real a partir das experiências, pois só ela tem uma capacidade de formação ou de transformação. Como ele disse no início de sua conferência e retoma no final: “É a experiência aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação”. Então o sujeito da experiência está aberto ao novo, não se fechar neste império das opiniões.

Mas, é possível não ser envolvido por essa postura atual de palpiteiros de tudo, basta não entrar nesse louco frenesi do mundo cibernético, comentando tudo que é postado. Não precisamos responder aquela pergunta do Facebook: O que você está pensando? Também não é necessário falar algo só porque seus amigos estão num palavrório sem fim numa determinada postagem. Não precisamos ter opinião sobre tudo e não é vergonhoso dizer que não se tem opinião formada sobre um determinado assunto. Neste sentido, o filósofo francês Michel Foucault nos apresenta uma postura radicalmente firme digna de nota. Ele considera que não devemos emitir opiniões de assuntos que não temos competência, principalmente, quando estamos numa posição de autoridade. Vejamos um trecho de sua entrevista concedida ao jornalista J. O’Higgins, em 1982.

J. O’Higgins: – Essa valorização do contexto cultural e do discurso que as pessoas têm a respeito de suas condutas sexuais é reflexo de uma decisão metodológica de contornar a distinção entre predisposição inata à homossexualidade e condicionamento social? Você tem posição a esse respeito?

Foucault: – Não tenho estritamente nada a dizer sobre esse ponto. Sem comentários.

O jornalista não ficou nada satisfeito com a resposta do filósofo e retoma metralhando três questões. – Você acha que não há uma resposta para esta questão? Ou que esta é uma falsa questão? Ou simplesmente ela não o interessa?

O pensador de forma enfática respondeu: – NÃO, NADA DISSO. Eu simplesmente não creio que seja útil falar de coisas que estão além de minha competência. A questão que você coloca não é de minha alçada e eu não gosto de falar de coisas que realmente não constituem o objeto do meu trabalho. Sobre esta questão eu tenho somente uma opinião, e por ser uma opinião, é sem interesse.

Ainda não satisfeito, o entrevistador continuou parado na mesma estação e voltou a insistir: – Mas as opiniões podem ser interessantes, você não acha?

Foucault retomou sua argumentação: – É verdade, eu poderia dar minha opinião, mas ela apenas teria sentido na medida em que todos fossem consultados. Eu não quero, sob pretexto de que estou sendo entrevistado, me aproveitar de uma posição de autoridade para fazer comércio de opiniões.

Essa postura do pensador francês é o oposto daquilo que temos atualmente nas redes sociais, onde todos se consideram competentes para emitir sua visão de mundo, seus valores e seus preconceitos como expressões da verdade. No império das opiniões o que vale é falar, qualquer coisa num Palavrórios vazios e sem fundamentos.

Penso que precisamos ter duplo cuidado neste império das opiniões: cuidado com aquilo que estamos vendendo e com aquilo que estamos comprando como verdade neste mercado das opiniões nas redes sociais, pois algumas verdades são apenas opiniões vagas e superficiais.

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