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  • cleverfernandes196

O HOMEM SEM GRAVIDADE

Essa produção cinematográfica italiana no início parece um besteirol sem sentido, sem graça e massante, mas é um potente pensamento sobre a diversidade.

O homem sem gravidade representa todas as pessoas que fogem à dita “normalidade” social.

Apesar do avanço na inclusão social, das políticas publicas referentes a acessibilidade em todos os níveis, ainda temos muito a avançar, por isso ainda presenciamos situações que as famílias, para protegerem seus filhos da violência social, preferem educá-los longe do convívio social.

O isolamento do diferente ainda é realidade, e tal atitude isolacionista, por um lado, busca proteger a criança num primeiro momento da agressão social, uma vez que a vida em sociedade nunca é tranquila para quem não é “igual”, mas, por outro lado, a fragiliza e a transforma em presa fácil para os exploradores de plantão, pois num dado momento vai sair da bolha criada pela família e, nessa nova realidade, poderá viver um verdadeiro teatro dos horrores. No filme em tela o personagem, Oscar, já adulto abandonou sua mãe e se lançou no mundo após assistir um programa de televisão denominado HOMENS EXTRAORDINÁRIOS, a transformação da pessoa em celebridade pelo que ela tem ou faz de muito diferente, ou por ser muito esquisito. O homem sem gravidade tornou-se sensação no mundo do espetáculo. Televisão, capa de revista, shows, diversão e da noite para o dia ganhou muito dinheiro, e é claro o seu empresário ganhou muito mais. A vida de sonho, a vida desejada por muitos, tornou-se realidade para o Oscar. Ele como todo mundo desejava ser reconhecido, admirado e, sem dúvida, seu maior desejo era viver se relacionando com outras pessoas, abandonar a vida isolada. O desejo move o mundo, porém os desejos são sempre irrealizáveis. Por que não realizamos nossos desejos? Porque nunca se deseja a coisa, o desejo vincula-se a uma imagem da coisa, desejamos uma ilusão da coisa. O desejo está na idealidade, idealizamos as coisas e por isso nunca desejamos as coisas como elas são. A frustração e decepção são frutos desse desejo idealizado, é produto da nossa ilusão. A idealização é a impotência de amar. Oscar por ter vivido isolado desejava uma vida social inexistente, porque idealizada. Mas não é só o Oscar que vive essa experiência ilusória, as pessoas, mesmos aquelas que aparentemente são conscientes dessa verdade sofrem deste mal. A ilusão é marca da vida humana, o desejo daquilo que não existe. Seu maior desejo era sair do isolamento social, entretanto, não tinha ideia que poderia viver a solidão no meio da multidão, mas no momento tinha certeza que a vida sem atividade, sem diversão, sem ação, sem o convívio com as pessoas era a pior coisa do muito. Era desesperador. Pascal, lá no século XVII, já havia sinalizado o desespero humano de ficar sem desejar algo, sem atividade, sem paixão, sem negocio, ele escreveu: “Nada é mais insuportável ao homem do que um repouso total, sem paixões, sem negócios, sem distrações, sem atividade. Sente então seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Incontinenti subirá do fundo de sua alma o tédio, o negrume, a triste, a pena, o despeito, o desespero” (Pensamento 131). Desejamos a diversão, pois não suportamos o tédio, porém na real realidade somos confrontadas com a solidão em meio a multidão, essa busca por interação movimenta a vida pelo medo do nada de sentido da vida. A diversão é a fuga pelo nada que somos. Somos seres insuficientes. Essa luta pelo medo do isolamento movimentou Oscar. Nosso personagem viveu a ilusão do show business. Oscar vivendo o sonho do consumismo, das festas, dos prazeres. Nessa nova vida não existia espaço para sua mãe até o momento que percebeu, ele não era uma pessoa, era uma mercadoria. Descobriu isso quando resolveu contratar uma editora para produzir um livro sobre sua vida. O empresário marcou uma reunião para definir como seria esta história, para surpresa do ingênuo Oscar o que a editora desejava publicar era uma ficção, não sua vida monótona, vivida apenas na presença de sua mãe e avó, ele não tinha pai. Ninguém iria comprar um livro sobre a vida real do Oscar, todos queriam saber do homem que voa, que não sofre o efeito da gravidade. Diante da situação, ele resolveu por um ponto final, já que o mundo é uma farsa, criaram uma morte para o homem sem gravidade. Os jornais, revistas e telejornais anunciaram a súbita morte de Oscar e, ao mesmo tempo, a desconstrução do seu poder extraordinária, anunciaram que tudo não passava de efeitos cinematográfico. Oscar volta a viver juntos de sua mãe até ela morrer, depois vive como cadeirante, trabalhando na recepção de um hotel, na verdade uma casa de prostituição, onde era conhecido como Porta. Existe um desdobramento final quase conto de fadas no filme, ele reencontra com a única criança que teve contado na vida. A Magda que lhe tinha dado uma mochila cor-de-rosa e por circunstâncias não apresentadas na película, tinha se tornado uma prostituta, os dois se reaproximam e recordam as brincadeiras infantis, se apaixonam e casam. Apesar de florear no final, essa produção nos faz pensar sobre o drama da existência, como as pessoas sofrem e são exploradas por serem diferentes. Parece que nessa farsante vida social a diferença nunca será respeitada nela mesma, pois continuamos a subordinar a diferença a uma identidade social dita normal.

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