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  • cleverfernandes196

NOTA INTRODUTÓRIA SOBRE FOUCAULT: PRELEÇÃO INICIAL

Coloco como objetivos desta preleção introdutória responder a duas questões: a primeira quem é Foucault? e a segunda por que estudar o livro Vigiar e Punir? Essas duas questões na verdade ligam-se a um objetivo muito especifico, ler a obra Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão [A partir de agora será indicado apenas como VP]. Mas, vamos a primeira questão.

Mas quem foi Michel Foucault?

Penso que saber algumas coisas, alguns detalhes da vida de um pensador ajuda nos estudos dos seus livros. Não que exista uma relação mecânica e direto entre a criatura e o criador. Não podemos estabelecer um determinismo forte entre o escritor e seus escritos. Não necessariamente existe uma compatibilidade, coerência e congruência entre a vida do filósofo e o seu pensamento. Porém, mesmo não existindo uma relação obrigatória e mecânica, é possível ver algumas pistas, alguns sinais e motivações filosóficas, na própria biografia do pensador, pois em certas medida somos influenciados para o bem ou para o mal pelo contexto social, econômico, politico, religioso, familiar no que formos socializados, endoculturados. A cultura produz em nós uma tipo de segunda pele. A cultura funciona como uma cápsula que, ao mesmo tempo, nos prendem e nos protegem. Não é possível sair de dentro da cápsula ou retirar esta pele cultural. Estamos enraizados nela e também dependentes dela como a aranha e sua teia. E neste sentido que compreendo a ligação entre a vida e obra de um pensador.

Foucault foi registrado como Paul – Michel Foucault. Nasceu em Poitiers, na França, no dia 15 de outubro de 1926, numa família de tradição médica, foi filho, neto e bisneto de médicos a consequência lógica, e a certeza, era que Paul–Michel seria naturalmente mais um médico da família Foucault. Porém, surpreende a todo quando aos 11 anos anunciou que desejava, que queria, ser professor de História e não médico. Apesar da força e da tradição familiar, ele não cedeu aos apelos e chantagens muito comuns nas relações afetivas e, principalmente, no seio familiar.

Além deste elemento profissional, a família de Foucault era católica praticante. A vida na casa da família Foucault era marada pela tradição católica, os mínimos detalhes de vida cotidiana da casa era regida pelos valores católicos. Para nós que estamos longe da Europa e dos conflitos inter-religioso, isso não diz muita coisa. Entretanto, situar o nosso personagem no seu tempo e espaço faz toda diferença. Ser católico na França do inicio do século XX, não é a mesma coisa que ser católico no Maranhão no século XXI. Existe uma força e uma intensidade que coordena a ações da família na educação moral dos filhos. A formação moral cristã será forjada na cabeça no menino Foucault. Assim além de romper com a tradição médica da família, muito cedo Foucault reconhece que é diferente, reconhece sua homossexualidade. Por causas da tradição religiosa da família e da época, ele travou uma luta homérica  consigo mesmo por muitos anos. Para desfaçar, ou melhor para superar, o sofrimento torturante de sentir atraído por homens ele torna-se obcecado por ocupar os primeiros lugares nos estudos escolares. Nesta época a homossexualidade era considerada doença, ao mesmo tempo, uma aberração e o homossexual um degenerado. Naquele contexto familiar e cultural, ele não sabia o que fazer, a quem recorrer (ao padre católico ou ao psiquiatra). A questão era saber como viver sendo “anormal”? Essa questão que angustiava o jovem Paul–Michael. Não é necessário ser um gênio para imaginar o monstruoso sofrimento deste jovem. De família católica e de médica, recebeu toda sorte de pressão para se endireitar, para se curar. O que no mínimo deveria ser intolerável, insuportável, enlouquecedor. Além do ambiente familiar, no maravilhoso espaço escolar, foi obrigado a viver e enfrentar as cruéis brincadeiras e os sarcasmos dos colegas de desventura escolar. Somada a isto, temos a auto-tortura, autopunição, pois não se aceitava; Foucault varias vezes tentou tirar a própria vida. Apesar de tudo sobreviveu.

Porém não fez história como havia anunciado bem cedo, aos vinte anos, em 1946, concluiu o curso de psicologia, na École Normale Superieure em Paris. E, quatro anos depois, licencia-se em Filosofia. Dupla formação: psicologo e filósofo, mas é a segunda que ele assumiu de forma definitiva numa trajetória profissional brilhante. Estudou com grandes intelectuais Franceses. Merleau-Ponty, Georges Dumézil, Luis Althuser, Jean–Hyppolite, Georges Canguilhem. A convite de Althusser filia-se ao Partido Comunista Francês – PCF – 1950, porém, sua passagem pelo PCF foi breve. Foucault nunca foi um esquerdista ortodoxo, suas posições politicas escandalizavam tanto aos conservadores de direita quanto aos progressistas de esquerda.

Michel Foucault foi aluno brilhante em uma geração de grandes pensadores. Só para exemplificar: ele foi companheiro de estudo de Pierre Bourdier e Paul Vayne. Amigo pessoal de Pierre Bourdier, Roland Borthes e Gilles Deleuze. Assim, que concluiu o curso de Filosofia, sua segunda graduação, Foucault entra no Hospital psiquiátrico Sainte-Anne para trabalhar como psicólogo, isso em 1951. No ano seguinte, além do trabalho no hospital, assume a cadeira de professor assistente de psicologia, na Universidade de Lille. Entre os anos de 1955 a 1968 ficou fora da França, viajando, e trabalhando, pesquisando e escrevendo. Em 1955 foi para Suécia onde escreveu sua tese de doutorado, a História da Loucura, apresentado em 1961. Viveu na Alemanha, Polônia e Tunísia. Assim que se tornou famoso com seus livros, com o sucesso e o reconhecimento, Foucault retornou a Paris, no ano marcante da História mundial, em 1968, o ano que é um acontecimento, ano das transformações culturais. Neste ano , Foucault foi trabalhar na Universidade Paris VIII.

Como não era filósofo de Gabinete ou dos intramuros da Universidade, Foucault participou ativamente das manifestações de maio de 1968. Dois anos depois, em 1970, ingressou no Collége de France, onde trabalhou até sua morte em 1984. Neste mesmo ano, 1970, Foucault realizou sua primeira viagem ao Estados Unidos da América. Aos 44 anos, Foucault conquistou o mundo e, de acordo com o pesquisador argentino Daniel Molina, a experiência californiana vivida durante seus últimos dez anos de vida foi essencial: Ensinou e pesquisou na Universidade de Berkeley; e nas Saunas Gays de Los Angeles se iniciou em praticas sado-masoquistas e em uma tímida experiência com as drogas [LSD e Maconha].

Na década de 1970, Foucault esteve também varias vezes ao Brasil. Aqui deixou amigos e admiradores de suas obras. Sua última passagem pelo nosso Pais foi em 1978, quando ficou por vários meses e viajou bastante pelas praias do Nordeste. O professor aposentado da UFRJ, Roberto Machado foi o primeiro a difundir as ideias de Foucault no Brasil. Escreveu e traduziu livros de Foucault. Ele foi autorizado pelo próprio Foucault a organizar o livro A Microfísica do Poder, coletânea de texto foucaultiano. Nesta obra Roberto Machado fez uma fantástica introdução ao pensamento de Foucault, que com certeza vale a pena ler.

Nietzsche e Heidegger foram as principais influencias sobre o pensamento de Foucault. Nietzsche foi para ele uma iluminação, livre permitiu sentir mais segurança para elaborar seus ponto de vista singular: o experimento e o perspectivismo Nietzschiano foram os dois conceitos que motivaram o pensador Francês. Foucault soube ver no pensador Alemão o Poeta, o Artista, o Filósofo e o Pensador. E para ele, Nietzsche revelou o poder e o gozo de ser diferente. A influência heideggriana não era considerada por ele como marcante. Porém, existe uma presença dele em suas obras. A questão fenomenológica existencial e a articulação do poetar e o filosofo de Heidegger. Uma também influencia revelada pelo próprio pensador foi a de Kant. Foucault no final dos anos 1970 declara em um texto sobre Kant que era moderno e fez filosofia como Kant. Mas isso foi no final da sua vida.

A vida intelectual foucaultiano é tradicionalmente divida em três momentos:

1) Arqueologia do saber;

2) Genecologia do Poder [analítica do poder];

3) Ontologia do Presente [ética-política e bio-políticos.]

Ou como Gilles Deleuze classificou em sua obra sobre Foucault, livro escrito para homenagear o pensador francês. Para ele podemos dividir a produção filosófica de Foucault em três tipos de trabalhos:

I. do ARQUIVISTA;

II. do CARTÓGRAFO;

III. do”TOPOLÓGO”.

Existe muitas controvérsia sobre a forma como os comentadores analisaram as obras do Foucault. Ele mesmo contestava a divisão e principalmente o rótulo de estruturalista. Mas quem quiser entrar neste debate leia o livro: Michel Foucault: uma trajetória Filosófica: para além do estruturalismo e Hermenêutica, dos pesquisadores Hubert Dreyfus e Paul Rabinow. Neste livro tem uma entrevista muito interessante do Foucault, que é muito esclarecedora da visão do próprio filósofo sobre suas obras. Ainda dentro desta controversia sobre o estrutualismo ou fase estruturalista de Foucault podemos acrescentar um detalhe. Roberto Machado, como falei anteriormente, amigo e estudioso do pensamento de Foucault, disse em uma aula de seu curso Deleuze, filosofia e literatura [disponível na internet] afirmou o contrário do que o próprio Foucault na entrevista. De acordo com Roberto Machado, antes do acontecimento de maio de 1968, a intelectualidade francesa foi fortemente influenciada pelo pensamento estruturalista. Lembre que afirmamos no inicio dessa preleção, o meio cultural influencia o pensamento e a forma de produzir ciência, filosofia e arte. Machado assegura que o livro Palavras e Coisas escrito em 1966 é estruturalista em sua abordagem e escrita. “Neste período Foucault flertava com os ideias estruturalista”, afirma Roberto Machado isso explicando e analisando um texto escrito por Deleuze em 1967, intitulado “Em que se pode reconhecer o estruturalismo”, publicado apenas em 1972, na Coleção de História da Filosofia, organizada por François Chátelet, Tomo VIII. Neste período da publicação, o próprio Deleuze já não tinha nenhuma afinidade ou proximidade com essa corrente de pensamento. Deixou publicar o seu texto, mas vez questão de colocar em destaque “ESTAMOS EM 1967”, uma forma de se proteger, de esclarecer que naquela momento ele não tinha nenhuma ligação com este projeto filosófico. Você pode ler este texto na coletânea intitulado “Ilha Deserta e outros textos“, páginas 221-247, publicado pela Editora iluminuras.

Penso que isso basta para responder a primeira questão do inicio desta preleção. Com o que falamos até agora, temos uma visão geral de quem é Foucault e também acredito que temos sinais da importante do livro VP, que vamos ler a seguir.

Para concluir essa primeira parte de nosso preleção, quero apenas ressaltar que Foucault é um filosofo. E a tarefa filosófica para ele é afirmativa e consiste em lançar as bases teóricas e metodológicas para se fazer novos mundos de investigações do passado Histórico da humanidade e ao mesmo tempo do próprio presente. Ele escrever o seguinte: “eu procuro diagnosticar, fazer o diagnostico do presente; dizer o que nos somos, hoje, e o que significa, hoje, dizer o que nos dizemos. O trabalho de escavação sobre nossos pés caracteriza o pensamento contemporâneo, disse Nietzsche, e neste sendo posso me declarar filósofo” (Dits et Ecrits, vol 1. P. 606.).

[SEGUNDA PARTE]

Quando lemos o título da obras temos aparentemente em mãos um livro de história, de história da modernização da arte de punir, história da institucionalização do sistema penal. história do sistema penal. Porém, isso não é um livro tradicional de história. Não vamos encontrar nas páginas do VP uma narrativa linear de história dos sistemas penais do mundo, o que temos em nossas mãos é um livro de Filosofia. Foucault é um Filósofo, o que temos em mãos então é exatamente um filósofo em ação. Foucault produzindo uma rede de conceitos inovadores e revolucionários, produzindo uma máquina de guerra. E nessa leitura que iniciamos, pretendo mostrar para vocês a inovação conceitual forjada por ele no VP. Podemos dizer que Foucault utiliza a História para pensar o mundo, a vida, a sociedade presente. Ele mesmo escreveu: O “objetivo desse livro: uma história correlativa da alma moderna e de um novo poder de julgar; uma genealogia do atual complexo cientifico-judiciário onde o poder de punir se apoia, recebe suas justificações e suas regras, estende seus efeitos e mascara sua exorbitante singularidade” (VP, p.23). Mesmo afirmando seu objetivo de fazer uma história, ao longo do livro temos um filósofo em ação. O tempo todo Foucault esta apresentando conceitos, e com eles em mente analisa o processo histórico do sistema Penal Francês.

Exatamente isso. O VP é um estudo regional. Foucault em uma nota (a de número 23) do Capítulo 1 explicita isso, veja o que ele anotou: “só estudarei o nascimento da prisão no sistema penal Francês. As diferenças entre os desenvolvimentos Históricos e as instituições tornariam muito pesadas a tarefa de entrar em detalhes e excessivamente esquemático o trabalho de fornecer o fenômeno de conjunto”, fim de nota (VP, p.57). Assim, poderem nos perguntamos: como um estudo especifico, regional, local pode ter uma importância universal? Por que estudar o nascimento da prisão no sistema penal Francês? Já que estamos aqui no Brasil, no Maranhão, em Bacabal.

Acredito que a resposta esta no estilo e no tipo de obra produzida por ele. Foucault não fez uma narrativa histórica linear sobre o sistema penal Francês. Volto a dizer: ele produziu um livro de filosofia, e sua filosofia de matriz nietzschiana, por isso intempestiva. Sua atualidade esta na intempestividade. Então, é como obra filosófica e não Histórica que devemos ler, estudar, analisar e compreender o funcionamento do VP.

Além disso, o VP pode ser compreendido como subproduto da militância de Foucault, na GIP (Le groupe d’information sur les prisons“). Deleuze tem uma texto explicativo para a atuação deste grupo intitulado “Aquilo que os prisioneiros esperam de nós”, nele deixa claro que o GIP não é um grupo subversivo a inspirar os prisioneiros, não é também um grupo de intelectuais sonhadores, ele é uma organização de vigilância sobre as condições dos presídios. Dessas reuniões e de uma longa investigação nos arquivos franceses que foi produzido essa grande obra de Michel Foucault.

Nessa parte da preleção vamos dedicar a estudar uma parte do VP, não é possível detalhar este monumental livro, por isso, para efeito dessa apresentação daquilo que ele tem de mais inovador, vamos estudar a novidade sobre o conceito poder em Foucault. Então, podemos dizer que, o objetivo dessa parte final de nossa preleção será analisar os conceitos poder e disciplina, ou especificamente, o conceito foucaultiano de poder disciplinar. Em Foucault temos dois usos do termo disciplina: “uma na ordem do saber (formar discursiva de controle da produção de novos discursos) e outro na ordem do poder (o conjunto de técnicas em virtude das quais os sistemas de poder tem por objetivo e resultado a singularização dos indivíduos)”. Porém, não podemos deixar de dizer que estes usos do termo disciplina, ou estas duas abordagens compreensiva do termo disciplina, não tem vida separada, são sempre inter-relacionadas. Não se compreende elas sem estabelecer uma relação entre a ordem do saber e a ordem do poder. Poder e Saber são irmã siameses.  Na analítica do poder disciplinar na filosofia de Foucault, vamos limitar nossa investigação apenas a obra VP, mesmo sabendo que existem outras obras que ele também falou sobre essa articulação entre essa duas ordens, especificamente vamos estudar a terceira parte do VP, pois ela esta inteiramente dedicado à análise do poder disciplinar. Nessa parte da obra, Foucault elabora uma minuciosa e detalhada análise do poder disciplinar, buscando sua relação com as ciências humanas, a significação para a história social e para a política moderna.

Edgardo Castro, em seu livro sobre o Vacabulario de Foucault, destaca que VP trata o poder disciplinar como uma forma de poder que tem como objetivo os corpos em seus detalhes, em sua organização interna, na eficácia de seus movimentos. “Neste sentido – escreve o pesquisador argentino – há que distingui-la das outras formas de poder que também têm por objetivo o corpo:

  1. O PODER DA ESCRAVIDÃO, que estabelece uma relação de propriedade sobre o corpo;

  2. O PODER DA DOMESTICAÇÃO, que se define pela satisfação do capricho do amo;

  3. O PODER DA VASSALAGEM, que tem uma relação codificada entre o senhor e os súditos, mas uma distante relação corporal;

  4. O PODER DO ASCETISMO CRISTÃO, marcado pela renúncia, não pelo fortalecimento das capacidades corporais” (p. 111).

Então vamos ver, no texto do Foucault, como e quais são as distinções do poder disciplinar e o corpo.

A Terceira parte do VP intitulado de DISCIPLINA esta dividida em três capítulos: o primeiro Os corpos dóceis, o segundo Os recursos para o bom adestramento e o terceiro O panoptismo.

Minha intensão aqui nessa preleção é detalhar estes capítulos apresentando a construção conceitual de Foucault sobre o poder disciplinar. A questão do primeiro capítulo é o que é corpo dócil? Em linha gerais e de forma bem direta podemos dizer que, dócil é um corpo que pode ser submetido, que pode ser moldado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. Pois, se até o início do século XVII se buscava a figura ideal do soldado, que era antes de tudo uma indivíduo que se podia reconhecer de longe, pois o soldado levava ou tinha os sinais naturais de seu vigor e coragem, e, ao mesmo tempo, as marcas de seu orgulho no próprio corpo, As pessoas nasciam soldados. Seu corpo era o brasão de sua força e de sua valentia natural. O soldado nascia soldado, biologicamente talhado, como um ato de criação divino, era escolhido no nascimento, bastava apenas aprender aos poucos o ofício das armas, lutando e executando manobras, marchas etc… Construindo e adquirindo um tipo de retórica corporal, pois o corpo de soldado já lhe era natural.

Na metade do século XVIII temos uma virada. Não se esta mais a caça do soldado ideal, mas o soldado agora pode ser fabricado, produzido, forjado. Temos assim a invenção de uma nova anatomia política do corpo cuja finalidade é produzir corpos úteis e dóceis ou, se quisermos melhorar a abordagem, corpos úteis na medida de sua docilidade.

Foucault nos revela que o método que permite o controle minucioso das operações do corpo, no processo transformador, que modifica o camponês em soldado, ou expulsa o camponês e lhe da a fisionomia de soldado, que realiza a sujeição constante de suas forças e lhes impõem um relação de docilidade e utilidade é a disciplina. A disciplina como o fogo numa forja, transformando aço em laminas. O processo de moldagem do soldado a partir de praticas disciplinares.

A disciplina fábrica corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em outros termos, a disciplina dissocia o poder do corpo. A disciplina faz do corpo, por uma lado, uma aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar, e, por outro, inverte a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. Com efeito, podemos dizer que, o objetivo da disciplina é aumentar a força econômica do corpo e, ao mesmo tempo, reduzir sua força política. Neste processo de subjetivação, ou produção de individualidades pela ação disciplina. Foucault acredita que devemos considerar a disciplina a partir de um ponto de vista positivo. Assim, a forma da individualidade disciplinar responde, segundo Foucault, a quatro tipos de individualidades, ou antes uma individualidade dotada de quatro características:

Primeira característica, É CELULAR, pelo jogo da repartição espacial;

Segunda característica, É ORGÂNICA, pela codificação das atividades;

Terceira característica, É GENÉTICA, pela acumulação do tempo;

 Quarta característica, É COMBINATÓRIA, pela composição das forças.

Cada uma dessas características, a celular, a orgânica, a genética, a combinatória, correspondem a técnicas do poder disciplinar. Foucault no VP dedica uma parte significativa para explicar cada uma dessas técnicas na maquinaria do poder disciplinar, ou, como podemos dizer, como funciona o poder disciplinar no processo de produção corporal.

Depois disso, temos certeza que poder é relação. Poder não se tem se exerce. E mais, depois do VP temos consciência que o poder não esta em exercício apenas na macro-estrutura do estado, mas esta na micro-estrutura da sociedade. O poder atravessa todo o tecido social, naquilo que Foucault chamou de micro-física do poder. Foucault escreveu:

Temos em suma que admitir que esse poder se exerce mais que se possui, que não é privilégio adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégias – efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados. Esse poder, por outro lado, não se aplica pura e simplesmente como uma obrigação ou uma proibição, aos que não têm; ele os investe, passa por eles e através deles; apóia-se neles, do mesmo modo que eles, em sua luta contra esse poder, apóiam-se por sua vez nos pontos em que ele os alcança. O que significa que essas relações aprofundadam-se dentro da sociedade, que não se localizam nas relações do Estado com os cidadãos ou na fronteira das classes e que não se contentam em reproduzir ao nível dos indivíduos, dos corpos, dos gestos e dos comportamentos, a forma geral da lei ou do governo … A história dessa microfísica do poder punitivo seria então uma genealogia ou uma peça para uma genealogia da alma moderna” (p.26-7)

Nas várias relações temos o poder sendo exercido, porém não existe uma tipo de subordinação direta. O poder produz resistência. Onde há poder há resistência. Mas isso será objeto de outra aula.

[Agradecimentos:

1. Ao meu amigo Nertan Silva-Maia, pelo desenho intitulado  “Castigo foucaultiano ou a economia dos direitos suspensos”;

2. A minha orientanda do curso de Licenciatura em Ciências humanas da UFMA Drielly Caroline, pela digitação dessa aula.].

Referências Bibliográficas:

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 16.ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

DELEUZE, Gilles. A Ilha deserta e outros textos. São Paulo: Iluminuras, 2006.

___. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2013.

CASTRO, Edgardo. Introdução a Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.

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