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  • cleverfernandes196

FELICIDADE, RIQUEZA E PODER: O RISCO DE VIVER

Muitas pessoas acreditam que a equação perfeita da vida é a seguinte: Riqueza mais Poder igual a Felicidade [F= R+P], mas será mesmo que esta é a fórmula da vida feliz? Numa investigação rápida nas obras de alguns pensadores na História da Filosofia Ocidental encontraríamos muitas respostas negativas a essa questão. Num texto publicado neste Blog intitulado “ESPINOSA, CONHECIMENTO E FELICIDADE” é possível ver a posição do filósofo de Amsterdam. Ele tem uma posição equilibrada, chamei naquele momento de uma visão conciliadora, pois para ele riqueza e poder não são em si fontes nem de felicidade ou tristeza, apenas lança um alerta: não podemos querer riqueza pela riqueza, nem o poder pelo poder, quem age assim estará sendo coveiro da própria felicidade. É preciso ver a riqueza e o poder como meio e não fim em si. Mas não vou aqui repetir o que já escrevi. Quero pensar agora a resposta a essa questão do filósofo Sêneca. Ele nasceu em Córdoba, Espanha, no ano 4 a.C., durante o Império Romano. Estudou retórica e filosofia, e foi um importante pensador, escritor, mestre da retórica e membro do Senado Romano. Escreveu vários livros entre eles: Da ira, Sobre a brevidade da vida, Sobre a tranquilidade da alma, Da felicidade, entre outras. As primeiras páginas do seu livro “Da felicidade” são incríveis, determinantes e reveladoras de sua visão sobre o tema. Ele é enfático. Vejamos o que escreveu:

“Todos os homens, caro Galião, querem viver felizes, mas, para descobrir o que torna a vida feliz, vai-se tentando, pois não é fácil alcançar a felicidade, uma vez que quanto mais a procuramos mais dela nos afastamos. Podemos nos enganar no caminho, tomar a direção errada; quanto maior a pressa, maior a distancia. Devemos determinar, por isso, em primeiro lugar, o que desejamos e, em seguida, por onde podemos avançar mais rapidamente nesse sentido. Dessa forma, veremos ao longo do percurso, sendo este o adequado, o quanto nos adiantamos cada dia e o quanto nos aproximamos de nosso objetivo. No entanto, se perambularmos daqui para lá́ sem seguir outro guia senão os rumores e os chamados discordantes que nos levam a vários lugares, nossa curta vida se consumirá em erros, ainda que trabalhemos dia e noite para melhorar o nosso espírito. Devemos decidir, por conseguinte, para onde vamos nos dirigir e por onde, não sem a ajuda de algum homem sábio que haja explorado o caminho pelo qual avançamos, porque a situação aqui não é a mesma que em outras viagens; nestas há atalhos, e os habitantes a quem se pergunta o caminho não permitem que nos extraviemos. Quanto mais frequentado e mais conhecido que seja o trajeto, maior é o risco de ficar à deriva. Nada é mais importante, portanto, que não seguir como ovelhas o rebanho dos que nos precederam, indo assim não aonde querem que se vá́, senão aonde se deseja ir. E, certamente, nada é pior do que nos acomodarmos ao clamor da maioria, convencidos de que o melhor é aquilo a que todos se submetem, considerar bons os exemplos numerosos e não viver racionalmente, mas sim por imitação. Daí, a grande quantidade de pessoas que se precipitam umas sobre as outras. Como acontece em uma grande catástrofe coletiva, quando as pessoas são esmagadas, ninguém cai sem arrastar a outro, e os primeiros são a perdição dos que os seguem. Isso tu podes ver acontecer ao longo da vida; ninguém erra por si só, apenas repete o erro dos outros. É prejudicial, portanto, apegar-se aos que estão à tua frente, ainda mais quando cada um prefere crer em lugar de julgar por si mesmo, deixando de emitir juízo próprio sobre a vida. Por isso, adota-se, quase sempre, a postura alheia. Assim, o equivoco, passando de mão em mão, acaba por nos prejudicar. Morremos seguindo o exemplo dos demais. A saída é nos separarmos da massa e ficarmos a salvo. Mas agora as pessoas entram em conflito com a razão em defesa de sua própria desgraça. A mesma coisa acontece nas eleições. Aqueles que foram eleitos para o cargo de pretores são admirados pelos que os elegeram. O beneplácito popular é volúvel. Aprovamos algo que logo depois é condenado. Este é o resultado de toda decisão com base no parecer da maioria. Quando se trata da felicidade, não é adequado que me respondas de acordo com o costume da separação dos votos: “A maioria está deste lado, então, do outro está a parte pior”. Em se tratando de assuntos humanos, não é bom que as coisas melhores agradem à maioria. A multidão é argumento negativo. Busquemos o melhor, não o mais comum, aquilo que conceda uma felicidade eterna, não o que aprova o vulgo, péssimo interprete da verdade. Chamo vulgo tanto àqueles que vestem a clâmide quanto aos que carregam coroas. Não olho a cor das roupas que adornam os corpos, não confio nos olhos para conhecer o homem. Tenho um instrumento melhor e mais confiável para discernir o verdadeiro do falso; o bem do espírito, o espírito o há de encontrar. Se o homem tivesse a oportunidade de olhar para dentro de si próprio, como se torturaria, confessaria a verdade e diria: “Tudo que tenho feito até agora, preferia que não tivesse sido feito; quando penso em tudo o que disse, invejo os mudos”.

Parece claro, a felicidade não é questão de seguir a maioria, nem esperar que necessariamente o caminho mais trilhado nos conduzirá a felicidade. O autor sinaliza o oposto, para ele quanto mais frequentado e mais conhecido o trajeto, maior o risco de ficarmos à deriva. Não podemos seguir o caminho alheio e nem devemos acompanhar a inteligência de rebanho. Cada um precisa fazer seu próprio caminho feliz, é equivoco seguir o clamor da maioria e deixar-se convencer que o que a maioria faz é sempre bom. A democracia é um bom sistema político, mas na economia política da felicidade ela não conta. Frente aos dilemas da vida não podemos fazer eleição para escolher o melhor caminho. Ninguém precisa de um grupo de palpiteiros para definir o que se deve fazer com a própria vida. A vida é um projeto subjetivo, somos nós que temos que escolher responsavelmente o rumo que vamos dar a nossa existência. Não podemos abdicar de escolher o caminho de nossa vida, não acredito que seja necessário e nem conveniente convocar uma eleição tipo aquele quadro idiota do programa da rede Globo “Eles decidem”. Quem decide não são eles, só você e apenas você deve decidir sobre o rumo de sua vida. A felicidade esta no caminho que escolhemos no uso do nosso juízo. Ela não é um lugar além do horizonte, contradizendo Roberto Carlos em sua canção que diz:

“Além do horizonte deve ter

Algum lugar bonito pra viver em paz

Onde eu possa encontrar a natureza

Alegria e felicidade com certeza

Lá nesse lugar o amanhecer é lindo

Com flores festejando mais um dia que vem vindo […]”

Não existe nada além do horizonte. A felicidade é a caminhada em direção ao objetivo escolhido e seguido com fidelidade. Sejamos fieis a terra, desfrutemos dos frutos da terra, nisso consiste a felicidade, pois quanto mais simples e próximos a terra maior a chance de vivermos felizes, pois é nela que podemos encontrar a tranquilidade quando respeitamos o fluir doce e natural da coisas. Neste sentido Sêneca, em outro momento dessa obra, nos diz: “Procuremos um bem que não se afirme pela sua aparência, mas que seja sólido, constante com uma beleza interna e oculta […] A vida feliz é pois uma vida conforme à sua própria natureza […] pronta a fazer uso dos presentes da sorte, mas não a sujeitar-se a eles, assim ficamos livres daquilo que nos agita e nos assusta […] existe então na alma apaziguamento, acordo e grandeza aliadas à doçura”. Depois dessas considerações, ele de forma enfática nos apresenta sua visão sobre nosso tema especificamente: “Somos desviados do caminho reto pelas riquezas, as honras, o poder e outras coisas mais que a opinião comum considera valiosas, mas que em si mesmas nada valem.”. Riqueza nos desvia do caminho feliz, isso só não acontece quando conseguimos um campo de indiferença. De acordo com Sêneca, a doença, a dor, a pobreza, o exílio, a morte não são coisas nem boas nem más, são indiferentes e não servem como base para vida feliz, pois as coisas são boas ou ruins quando podemos escolher entre uma e outra, quando elas nos aproximam ou nos afastam da natureza. Assim, quando uma pessoa perde a riqueza ou a saúde não poderá julgar isso como um mal, pois não são mal em si. Não são frutos da escolha, está fora do domínio do homem. O fluir da existência não pode ofuscar a felicidade. Vida é devir, e a felicidade esta no devir. Como não podemos bloquear o ciclo da vida temos apenas que compreender e aceitar. Procurando viver a vida como é na sua multiplicidade. Viver é correr risco, e por isso não devemos abrir mão de correr o risco. Como escreveu Sêneca: “Rir é correr o risco de parecer tolo. Chorar é correr o risco de parecer sentimental. Estender a mão é correr o risco de se envolver. Expor seus sentimentos é correr o risco de mostrar seu verdadeiro eu. Defender seus sonhos e ideias diante da multidão é correr o risco de perder as pessoas. Amar é correr o risco de não ser correspondido. Viver é correr o risco de morrer. Confiar é correr o risco de se decepcionar. Tentar é correr o risco de fracassar. Mas devemos correr os riscos, porque o maior perigo é não arriscar nada. Há pessoas que não correm nenhum risco, não fazem nada, não têm nada e não são nada. Elas podem até evitar sofrimentos e desilusões, mas não conseguem nada, não sentem nada, não mudam, não crescem, não amam, não vivem. Acorrentadas por suas atitudes, elas viram escravas, privam-se de sua liberdade. Somente a pessoa que corre riscos é livre!”. Então, não podemos esperar uma fórmula simples, a felicidade está no caminho cheio de riscos. Não podemos pensar que apenas a riqueza e o poder podem nos desviar da vida feliz, mas são possibilidades mais intensas. Viver é correr risco sempre.

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