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ENCONTRO E DIÁLOGO NA FILOSOFIA DE BUBER

A proposta deste texto é apresentar de forma breve a filosofia do encontro ou do diálogo do pensador austríaco Martin Buber (1878-1965), a partir de suas principais ideias presente em seu trabalho EU E TU, obra mais importante deste pensador judeu. Sua filosofia do diálogo, de acordo com Von Zuben, atingiu sua expressão madura exatamente nesta obra. Além do Eu e Tu, buscarei no Ensaio Diálogo, escrito em 1930, outros elementos importantes para pensar sua filosofia. Podemos dizer que o centro do pensamento de Buber é definir as múltiplas relações do homem, pois “no começo é a relação” – escreveu Buber (2003, p. 20) – e este “fenômeno da relação foi descrito por Buber com o emprego de vários termos: diálogo, relação essencial, encontro” (VON ZUBEN, 2003, p. XLVII).

Sem dúvida, a vida começa com uma relação fundamental. A relação da criança com sua mãe, ou com alguém que a represente, é ponto chave na formação de uma pessoa, pois, é deste primeiro encontro que paulatinamente vai se formando um novo ser humano. Assim, Judith Viorst considera que, “não podemos nos tornar seres humanos completos […] sem o apoio dessa primeira ligação” (2005, p. 27) familiar. Na verdade, não poderia existe vida humana sem este primeiro encontro, pois nos tornamos pessoas na medida que nos relacionamos. O fundamento da vida esta na relação, no encontro. “O homem se torna EU na relação com o TU”, nos ensina Martin Buber. (2003, p. 32).

Nesta linha de raciocínio é possível definir o ser humano como um ser de encontros. Como afirma Alfonso López Quintás: “Encontro é o entrelaçamento de duas realidades que se enriquecem mutuamente” (1995, p. 58). Deste modo compreendido, encontro é realidade exclusiva de seres humanos, pois os objetos chocam-se; jamais se encontram. Os objetos, em si e por si, por sua natureza completa e fechada em si mesmos não se encontrarão jamais, é algo intrínseco a sua realidade. Já para o ser humano existem, de acordo com Buber, duas palavras-princípio norteadoras das relações do homem no mundo: EU-TU e EU-ISSO. A primeira, EU-TU, fundamenta o mundo da relação, a outra, EU-ISSO, está relacionada às experiências no mundo.

Para o filósofo do encontro, o mundo da relação se realiza em três esferas: A primeira é a esfera da vida com a natureza, a segunda, é a esfera da vida com os homens e, a terceira, é a esfera da vida com os seres espirituais (2003, p.6-7). Desta forma, Buber dimensiona um tripé das relações. Porém, é bom que fique claro que, O TU da relação não é apenas outro sujeito, como poderíamos de forma apressada pensar, o TU representa todas as forma de relações do homem no mundo: relação com um outro homem, com as coisas, com os objetos e com o sobrenatural, o totalmente outro, o inominável, Deus. Na mesma medida, não podemos pensar que o ISSO, da outra palavra-princípio está vinculada apenas as coisas. O outro homem pode também se tornar ISSO em nossas relações. Podemos objetivar, coisificar, as pessoas. As pessoas podem se tornar objetos em nossas mãos e em nosso olhar. Todavia, tal realidade coisificador faz parte da vida, porém, o pensador austríaco, no final da primeira parte de seu livro EU e TU, chama a atenção de seu leitor, como se estivesse conversando pessoalmente, dizendo: “E com toda a seriedade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o ISSO, mas aquele que vive somente com o ISSO não é homem(grifo meu)” (BUBER, 2003, p.39).

Mesmo sendo também uma palavra-princípio, o EU-ISSO não tem a força transformadora, só nos tornamos homens na relação EU-TU, pois o EU esta vinculado ao TU. A relação fundamental na construção do homem esta na palavra-princípio EU-TU. E, por isso, nosso filósofo do diálogo afirma:

“O TU encontra-se comigo por graça; não é através de uma procura que é encontrado. Mas endereçar-lhe a palavra-princípio [TU] é um ato de meu ser, meu ato essencial.

O TU encontra-se comigo. Mas sou eu quem entra em relação imediata com ele. Tal é a relação, o ser escolhido e o escolher, ao mesmo tempo ação e paixão. Com efeito, a ação do ser em sua totalidade como suspensão de todas as ações parciais, bem como dos sentimentos de ação, baseados em sua limitação – deve assemelhar-se a uma passividade.

A palavra-princípio EU-TU só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade. A união e a fusão em um ser total não pode ser realizada por mim e nem pode ser efetivada sem mim. O EU se realiza na relação com o TU; é tornando EU que digo TU.

Toda vida atual é encontro” (grifo meu). (BUBER, 2003, p. 12-3).

A partir desta citação, é possível assegurar que só acontecerá verdadeiro encontro na gratuidade, pois “o TU encontra-se comigo por graça”. Assim, na dialética do encontro o ser escolhido e o escolher estão imbricados, pois a relação EU-TU não acontece apenas por mim, entretanto não pode também se constituir sem mim. “O EU se realiza na relação com o TU”, isto é, o EU só acontece quando digo TU. De forma mais simples, mas na mesma linha de raciocínio, Karl Jaspers afirma: “Eu, porém, apenas sou alguém com o outro, sozinho nada sou” (1987, p.24). Por isso, de forma enfática BUBER afirma: TODA VIDA É ENCONTRO.]

A relação EU-TU, como já falamos, é definidora do novo ser, pois nos tornamos um ser humano quando temos um TU a nossa frente, porém ficou claro também que isso não depende exclusivamente de mim. A dinâmica da relação humana é mais complexa, depende do acolhimento do outro. O EU depende do TU.

Além disso, o mediador do encontro é necessariamente o diálogo. Não existirá encontro sem dialogo. Assim, no ensaio Diálogo, BUBER (1982, p.53-4) distingue três tipos de diálogos: o autêntico, “onde cada um dos participantes tem de fato em mente o outro ou os outros na sua presença e no seu modo de ser e a eles se volta com a intenção de estabelecer entre eles e si próprio uma reciprocidade viva”; o técnico, “que é movido unicamente pela necessidade de um entendimento objetivo”; o monólogo, que na verdade é o diálogo disfarçado, onde duas ou mais pessoas reunidas num local, falam, cada uma consigo mesma.

A existência humana gravita entre o diálogo técnico e o monólogo, são raras as vezes que estabelecemos um diálogo autêntico, pois o movimento básico do diálogo, segundo Buber, consiste no voltar-se-para-o-outro. O que parece coisa banal, basta olhar para o outro no momento da conversação, entretanto, não é só isso. O encontro do EU e do TU se transforma em um momento dialógico quando, e, somente quando, nos voltamos de corpo e alma ao nosso interlocutor. Ao contrário do que se pensa, o movimento básico do monólogo não é o desviar-se-do-outro, e sim o dobrar-se-em-si-mesmo. No monólogo, o diálogo torna-se uma ilusão, pois o EU olha para o próprio umbigo. No diálogo autêntico olhamos com atenção ao outro. Sem dúvida, tal postura acontece quando nos permitimos encontrar com o outro de forma plena. E tais encontros são marcantes, na verdade, fundantes da e na existência. A existência neste momento se revela como relação humana.

Mas são poucos, raros os verdadeiros diálogos e encontros que vivemos em nossas vidas. A densidade de alguns diálogos são tão grande que jamais esquecemos, eles acontecem naqueles encontros verdadeiros que realizamos. A densidade em meio à banalidade de alguns expõe a fragilidade da existência humana e, ao mesmo tempo, o perigo inerente aos mais banais momentos da e na vida. É indubitável que experienciamos a nossa existência nos momentos cotidianos e é nestes instantes que se realiza a vida vivida. “Não é incrível como a vida é uma coisa e então, de repente [num instante], torna-se outra?”, questiona a personagem central do filme Se eu ficar (2014). Os instantes são definidores da vida. Basta um encontro, um instante, para mudar toda a existência completamente. Por isso podemos dizer, que nele existimos. André Gide, no livro Fruto da Terra, escreve:

“Imaginas que possas, neste instante preciso, experimentar a sensação poderosa, completa, imediata da vida – sem o esquecimento do que ela não é? O hábito de teu pensamento perturba-te; vives no passado, no futuro, e nada percebes espontaneamente. Nós não somos nada, […], senão no Instantâneo da vida; todo o passado aí morre antes que algo do que está por vir aí nasça. INSTANTE! Compreenderás, […], que força tem sua presença! Pois cada instante é essencialmente insubstituível! É preciso que saibas, por vezes, nele concentrar-se unicamente” (1986, p. 63-4).

INSTANTE! É nele que o ser humano é sempre novidade. A cada momento o ser humano experimenta situações novas e inéditas, em encontros e diálogos inesquecíveis. Não é só o tempo imediato que é novo, mas tudo. Negar isso é banalizar a existência, é encarar com indiferença as múltiplas possibilidades oferecidas a cada instante, é negar a própria vida. Para Buber, nós estamos presos numa couraça que nos impede de perceber a dinâmica poderosa dos instantes. O pensador do diálogo afirma que

“Cada um de nós está preso numa couraça que, graças à força do hábito, deixa logo de sentir. São apenas instantes que atravessam a couraça e que incitam a alma à receptividade. E quando tal instante agiu sobre nós e nos tornamos então atentos, perguntamo-nos: ‘Que é que aconteceu aí de peculiar? Não era algo semelhante ao que me acontece todos os dias?’, então podemos nos responder: ‘Realmente, nada de peculiar aconteceu, é assim todos os dias, só que nós não estamos aí presentes todos os dias’”. (BUBER, 1982, p.43)

Assim, só quando estamos presentes à própria vida percebemos os instantes que atravessam a couraça protetora. Somente quando somos fiéis aos momentos da vida vivida, experienciamos uma vida real, que não é simplesmente a soma banal de momentos repetitivos. Ao respondermos e responsabilizamos pela força dos instantes estamos vivos e isso é tudo, e assim nos deixamos entrar na dinâmica do diálogo e deixarmos o monólogo e nos permitimos entrar de fato em um diálogo autêntico. Passamos do dobrar-se-em-si-mesmo para voltar-se-para-o-outro. Deixamos o egocentrismo narcísico para compreender o outro como outro. O encontro e o diálogo verdadeiro são formadores da vida humana.

Referências:

BUBER, Martin. Qué es el hombre?. México: Fondo de Cultura Economica, 1967.

___. Do diálogo e do dialógico.São Paulo: Perspectiva, 1982.

___. EU e TU. 6.ed. São Paulo: Centauro, 2003.

GIDE, André. Os frutos da terra. Rio de Janeiro: Rio Gráfica, 1986.

LÓPEZ QUINTÁS, Alfonso. O amor humano: seu sentido e alcance. Petrópolis: Vozes, 1995.

VIORST, Judith. Perdas necessárias. 4.ed. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 2005.

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