O que é importante para um envelhecimento saudável? Para tentar responder a esta questão pensei em três pontos, que se completam: o primeiro, uma coisa obvia, o envelhecimento saudável é consequência de uma vida saudável. Deste modo, quem deseja uma velhice saudável, precisa viver de acordo com este propósito…. Ninguém chega nesta fase da vida com saúde alimentando-se de qualquer jeito, mantendo uma vida sedentária, e consumindo álcool e tabaco em excesso. Mas, uma vida sem excesso, não é garantia de uma saúde na velhice isso é apenas possibilidade de um saudável envelhecimento. Além disso, entrando no segundo ponto, penso que a saúde no envelhecimento se liga diretamente as nossas companhias, por isso, temos que cuidar da saúde de nossas relações com os outros. Sem dúvida, as relações interpessoais são muito importantes na vida e para a vida, e envelhecer ao lado das pessoas que amamos, e que nos ama, é extremamente importante para a nossa saúde. Mas, é importante também ampliar nossos relacionamentos, mantendo-se ativos e interessados em novas relações. Agora, para manter os amigos por vários verões ao nosso lado e conquistar outros no outono da vida, temos que manter ao longo de nossa existência dois ingredientes básicos: o bom humor e a sabedoria. E, por fim, o terceiro ponto, o envelhecimento saudável conecta-se também a aceitação de um fato inexorável: vamos envelhecer. Portanto, a questão fundamental e mais importante é aceitarmos o envelhecimento, o que não é coisa fácil. E são duas as principais dificuldades na aceitação do envelhecimento: o utilitarismo da sociedade e a valorização apenas do novo. A visão utilitária está associada ao processo de produção e de consumo, isto é, as pessoas são úteis enquanto são agentes de produção e de consumo, quando não são mais capazes de produzir tornam-se peças descartáveis, por isso, abandonadas nos cantos das casas ou lançadas em asilos. Além disso, a supervalorização da juventude em detrimento do idoso é visível em todos os espaços sociais: na família, no mundo do trabalho, no mundo do entretenimento, entre outros. A visão comum só enxerga o jovem como belo, dinâmico, saudável e aberto às mudanças; enquanto que o velho e a velhice são sempre o oposto de tudo isso. Mentalidade perversa, como se não houvesse beleza em todas as fases da vida. A aceitação do envelhecimento passa necessariamente por uma mudança de mentalidade. Ao contrario vamos perpetuar esta ideologia dominante, que movimenta milhões na indústria ilusória do rejuvenescimento. Então, além de manter uma vida saudável e envelhecer ao lado de quem amamos, temos que amar o nosso envelhecimento. A auto-aceitação é fundamental para um envelhecimento mentalmente saudável e feliz, pois não é possível parar este processo inexorável e ninguém escapa ao efeito corrosivo do tempo. Afinal, todos estão envelhecendo, desde o nascimento estamos envelhecendo, a cada momento. Mas, para Gilles Deleuze saber envelhecer não está ligado necessariamente a boa saúde e tampouco a vontade de apegar-se à vida. Numa visão profundamente espinosana, ele escreveu: “SABER ENVELHECER é reconhecer que chegou o momento em que as noções comuns devem fazê-los compreender em que as coisas e os outros corpos não convém com o seu, em outras palavras, como a potência de agir diminuiu não podemos querer e, muito menos, agir da mesma forma. Temos que ter novas coisas e novas relações com elas e com as pessoas. Então, inevitavelmente, é preciso encontrar uma nova graça que será a idade vivida, além disso é fundamental não apegar-se. Isto é uma grande sabedoria. A sabedoria e o bom humor são os ingredientes para bem envelhecer”. O filósofo francês ainda acrescenta que “há casos em que a velhice dá, não uma eterna juventude mas, ao contrário, uma soberana liberdade, uma necessidade pura em que se desfruta de um momento de graça entre a vida e a morte”. Como ele ainda salienta: “Enquanto eu sou jovem, a morte é verdadeiramente alguma coisa que vem de fora, é verdadeiramente um acidente extrínseco, salvo em caso de doença interna. Não há noção comum, mas em troca é verdade que quando um corpo envelhece, sua potência de agir diminui: eu não posso mais fazer o que ontem eu ainda podia fazer; isso me fascina no envelhecimento, essa espécie de diminuição da potência de agir. O que é, vitalmente, um palhaço? É o tipo que, precisamente, não aceita o envelhecimento, não sabe envelhecer suficientemente rápido. Não que seja preciso envelhecer demasiadamente rápido, porque essa é também uma outra maneira de ser palhaço: fazer-se de velho. Quanto mais envelhecemos, menos temos vontade de fazer maus encontros, mas quando somos jovens lançamo-nos no risco do mau encontro. É fascinante o tipo que, à medida que sua potência de agir diminui em função do envelhecimento, seu poder de ser afetado se modifica, mas não ele, que continua querendo fazer-se de jovem. É muito triste. Há uma passagem fascinante num romance de Fitzgerald (o número do esqui aquático), dez páginas de imensa beleza sobre não saber envelhecer… Vocês sabem, os espetáculos que são constrangedores para os próprios espectadores”. Os idosos que não conseguiram fazer a passagem de estação vive produzindo estes espetáculos constrangedores em vários espaços. Saber envelhecer é aceitar essa condição. No início escrevi sobre o que é importante para o envelhecimento saudável é destaquei três elementos: criar hábitos de vida saudável; manter boas relações interpessoais e aceitar o inexorável processo de envelhecimento. Além disso, é preciso manter o bom-humor e traduzir essa experiência com a sabedoria acumulada nas várias estações vividas. Com fluxo vital cada pessoa terá seu ritmo, então não existe uma única maneira de viver a última estação da vida. Envelhecer não se trata apenas aceitar os cabelos brancos, quando ainda se tem, ou as rugas no rosto e a flacidez corporal. Como disse Deleuze, saber envelhecer é saber escolher bom encontros. Precisamos ser seletivos nos encontros que vamos realizar, pois não temos tempo a perder. Porque gastar tempo justamente na última estação da vida quando exatamente nos falta tempo para nos interessar pelo que não nos interessamos na vida. Envelhecer bem e com sabedoria fazendo aquilo que nos agrada. Para finalizar transcrevo o poema de Mário de Andrade:
O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS
“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!”
Assim sem perda de tempo, vamos envelhecer da melhor forma possível, fazendo exatamente o que nos deixa feliz, respeitando as nossas limitações impostas pelo tempo. Vamos sugar a essência da vida.
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