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  • cleverfernandes196

CRÍTICAS E ELOGIOS – AS PÉROLAS VERDADEIRAS E AS FALSAS

A sensação é que na vida estamos sempre entre este dois extremos, ora recebendo uma coisa, ora outra. Parece que navegamos entre críticos mordazes e elogios de bajuladores, entre polianas e rabugentos, são dois pesos insuportáveis. Nenhum destes extremos são bons, pois nos negam o que a boa critica e o verdadeiro elogia podem e devem produzir a alegria de viver. Ambos quando são honestos e verdadeiros edificam, não custam nada, são frutos da gratuidade generosa dos amigos sinceros; e, ao contrário, temos os falsos elogios e as críticas demolidoras que podem ser muito caros, no extremo valem até mesmo toda nossa vida. Já dediquei duas postagens neste blog sobre o tema elogios, intituladas: A força do elogia e O perigo dos elogios. Mas, ainda acredito que preciso escrever em outra perspectiva, o papel do crítico na avaliação de nossa existência. Quem são os críticos? Quais críticos merecem nossa atenção? Os perversos, quando respondem a primeira questão, chegam a dizer que eles são os engenheiros de obras prontas, ou sentenciam aquela frase atribuída a George Bernand Shaw: “aquele que é capaz, faz; aquele que não é, ensina“. O crítico seria nessa perspectiva alguém que não sabe fazer, mas quer e deseja ensinar como se deveria fazer. Porém, depois do trabalho realizado, criticar e tarefa fácil, mostrar os limites e erros da elaboração será sempre mais simples do que produzir. É fácil acusar que o projeto teórico foi bem pensado e elaborado, mas a execução ficou aquém do projeto. Quando não, eles conseguem demolir até mesmo projeto inicial. Todavia, a crítica quando é construtiva consegue indicar os dois lados da moeda, uma vez que não existe nada que seja 100% perfeito, na mesma medida, que não existe nada que seja 100% imperfeito. Poderíamos até questionar essas duas noções: o que é perfeição? O que é imperfeição? Além do mais, a dinâmica da vida é sempre movimento entre uma coisa e outra. E, sem dúvida, as limitações apontadas são pontos de partida para buscarmos melhorar o que foi realizado. Sem a realização não seria possível avançar. Mas para acontecer essa dinâmica é fundamental que o crítico aplique sempre a honestidade.

Há muito tempo, um grande amigo e irmão do caminho, Manoel Messias de Oliveira, me apresentou uma conto do escritor Malba Tahan, que é revelador da postura que podemos considerar paradigma do crítico sensato e honesto, aquele que merece nossa atenção. A narrativa se intitula A lenda das cinco pérolas, buscarei apresentar uma versão adaptada e sintética:

Num reino tão tão distante, o monarca queria dar um lindo presente de aniversário para sua esposa, assim mandou o seu servo buscar um vendedor de joias, pois pensou fazer algo magnifico para sua amada rainha. Muito rápido ele foi ao mercado, localizou um vendedor de pérolas e o levou ao palácio. O vendedor era muito falante e tinha uma postura muito excêntrica, era até apelidado de “xeique dos imprevistos“, pois afirmava que sua postura nos negócios seguiam a dinâmica da vida, e se apresentava sempre dizendo: “eu sei resolver de maneira diferente e com imprevisível recurso os pequenos e grandes problemas da vida“… Assim, que terminou de se apresentar ao Rei, o mercador retirou de sua bolsa duas pequenas caixas, uma amarela e outra vermelha, e revelou os seus conteúdos dez pérolas de rara e impecável beleza. E, após abri-las, com voz solene, afirmou: Ó majestade, apontando para caixa amarela, essas cinco pérolas são verdadeiras. “Valem um tesouro e são dignas da virtuosa esposa de nosso generoso e querido califa”. Depois, apontou para outra caixa, a caixa vermelha, essas outras cinco pérolas também lindas e majestosas são absolutamente falsas. São inteiramente falsas. Difícil é distinguir, mesmo para um perito experiente, quais são as falsas e quais são as verdadeiras, pois “as ilegítimas apresentam requintes de perfeição, ao passo que nas autênticas percebemos, depois de acurado exame, pequeninas manchas e ligeiros falhas“. Isso acontece, ó meu Rei, “porque a verdade, em sua singeleza, tem muitas vezes a aparência da impostura e da fraude, ao passo que a mentira, para confundir a boa fé, reveste-se com toda as cores da autenticidade e de exatidão“. A mentira muitas vezes é mais sedutora do que a verdade. Como na vida estamos sempre entre uma coisa e outra, ninguém ficará imune de comprar uma mentira como verdade, ou desconfiar desta como sendo aquela. Desta forma, como na vida, só poderei vender essas pérolas juntas, as cinco verdadeira e as cinco falsas. Assim, ao ouvir atentamente a apresentação do mercador, o rei perguntou: — “E quanto queres, ó Xeique dos Imprevistos, pelas tuas pérolas falsas e verdadeiras?”

O mercador, sem pestanejar respondeu: — “Cada pérola verdadeira custa apenas dez dinares; cada pérola falsa custará quinhentos dinares. [E reforçou sua sentença] Mas só venderei as cinco legítimas àquele que adquirir, também, as cinco imitações”.

O Rei não se conteve e deu uma gargalhada, diante daquele absurdo. E, o Rei sentenciou: O mercador de Damasco! “É bem estranho que procures vender o falso cinqüenta vezes mais caro que o verdadeiro. O certo, o justo, o conveniente, seria que as pérolas autênticas custassem quinhentos ou mil dinares cada uma e que as ilegítimas fossem vendidas, em conjunto, por meia dúzia de moedas!”.

Neste momento, o mercador resolveu dar a primeira lição do conto. Ele de forma elegante argumentou: “A longa experiência da vida ensinou-me que, na realidade, o homem paga sempre pelo que é enganoso, e falso, muito mais do que despende por aquilo que é verdadeiro e sincero. Um amigo falso, por exemplo, custa-nos caro, ao passo que um amigo leal e dedicado não nos custa dissabores nem prejuízos. O jovem que faz um casamento falso arrepende-se; paga com intermináveis amarguras da existência o passo errado que a ilusão de um momento o levou a praticar; aquele que escolhe uma boa esposa e realiza um matrimônio acertado e feliz prospera e enriquece. Ainda desta vez o falso custou caro; o verdadeiro deixou a impressão de não ter custado meio sequim em relação ao lucro que proporcionou. Baseado em tais argumentos, deliberei fixar para as minhas pérolas preços bem diversos, e esses preços, ao espírito menos avisado, podem parecer desconexos; as falsas custam cinqüenta vezes mais caro do que as verdadeiras! Faço, nas minhas transações, a imitação exata da vida!”.

O falso é mais caro do que o verdadeiro na vida e nos negócios. Para o mercador, sempre pagamos mais pelo falso, o verdadeiro não nos custa nada. Os elogios falsos podem nos valer muito caro, pois produzirá delírios e fantasias nos fazendo flutuar numa bola de sabão, que rapidamente explodirá. A queda será dolorosa. Apesar da argumentação do mercador, o rei não se deixou vencer facilmente pela extravagância do mercador. E, além disso, um tesoureiro real desconfiado sugeriu que o mercador estava querendo enganar o rei vendendo pérolas que poderiam ser todas falsas. Diante da dúvida lançada pelo tesoureiro, o rei deliberou que antes os seus técnicos deveriam avaliar todas as perolas. “E, num gesto rápido, e quase impulsivo, o califa tomou as duas caixas e, juntou, num só grupo, as dez pérolas que acabara de adquirir”. Depois de misturar as pérolas, determinou que os dois joalheiros do palácio deveriam ser ouvidos separadamente, e não poderiam revelar ao outro sua avaliação das pérolas. Desta forma aconteceu a avaliação, para satisfazer o desejo do rei em saber até que ponto o mercador era leal e honesto. O primeiro avaliador, um jovem joalheiro, chegou e examinou detalhadamente cada uma das pérolas e falou ao rei: — “Do exame que acabo de proceder nestas pérolas, ó Rei magnânimo, pude concluir que não existe, nesta coleção, uma só que seja verdadeira. São todas falsas! Esta coleção pouco vale, ou melhor, nada vale. […] Este vendedor, a meu ver, não passa de um intrujão que pretende ilaquear a vossa boa fé e explorar a vossa generosidade“. O rei ordenou sua saída e mandou entrar o segundo avaliador, era o mais experiente joalheiro palaciano, ele cuidadosamente observou pérolas por pérolas, “revirando-as entre os dedos trêmulos, riscando-as de leve com a ponta de uma espátula dourada, o judicioso joalheiro assim falou: — Estas pérolas, ó Emir dos Crentes, são as mais lindas e as mais verdadeiras que pude, até hoje, observar. Não encontro nesta dezena de preciosas gemas uma só que não seja perfeita na cor, na forma e no brilho. Felicito-vos, portanto, pela compra que acabais de fazer”. O rei ficou surpreso com a total divergência dos avaliadores. Entrou num impasse, mas como pessoa prudente, sensata e conciliadora resolveu interpelar o mercador: — “Infelizmente, meu amigo, depois de ouvidos os dois peritos em pérolas, a tua situação é delicada. Se eu aceitar, como certo, o parecer do jovem joalheiro cairá sobre ti grave acusação. Ingrata será a tua sorte. Jamais deixei impune os impostores e intrujões. Admitido o voto do meu mais antigo joalheiro, homem sensato e judicioso, ficará ainda assim pairando sobre o teu nome a triste sombra da mentira e da leviandade. Ofereces ao califa dos Crentes dez pérolas verdadeiras e procuras, na verdade, deslustrar esta corte, zombar da nossa magnanimidade, fazendo crer que cinco eram falsas! Exijo, pois, que sejas leal e sincero. Que há de certo e positivo em toda esta confusão?”.

Diante da situação espinhosa, o mercador pensou e falou para o Rei: —- “Acabais, o Príncipe do lslã, de apelar para a minha sinceridade. Faço da sinceridade ponto de honra da minha vida. A sinceridade é sempre louvável, mas cumpre que seja delicada e prudente. Falar com sinceridade sobre coisas que devemos calar é ser brutal e descaridoso. Logo que a sinceridade ofende e magoa muda de nome e vira grosseria e estupidez. A sinceridade é a maneira suave de dizer as verdades que devem ser ditas sem ofender, sem melindrar. Tem a perfeita sinceridade limites que a boa educação torna intransponível. Para atender, pois, ao vosso justo desejo vou expor, com a maior sinceridade, o que penso sobre este caso sem afastar uma linha da lealdade e da lisura”. Após este preambulo, o mercador fez uma avalização e tipificou os seus avaliadores. Estamos diante de três homens, três tipos de posturas frente a vida: O primeiro tipo, é o homem desconfiado de tudo, foi ele que alertou ao rei para duvidar da veracidade do mercador. Este homem, o tesoureiro real, é incapaz de acreditar em qualquer um. É um homem desconfiado. “Suspeita de tudo e de todos. Tem o coração cortado e recortado pelos espinhos do receio e da desconfiança. Lamento-o. Será sempre infeliz. A vida para ele será a eterna ternura entre o medo dos homens e a descrença de Deus. Por não confiar jamais nos outros é incapaz de confiar em si próprio. A meu ver, tomou um roteiro errado pelos caminhos da vida. Só aqueles que confiam podem ser felizes. Precisamos confiar nos amigos, nos homens de bem, em nossos chefes e superiores, naqueles, enfim, que agem com lisura e retidão. Cumpre-nos confiar nas pessoas dignas que não deram jamais motivos para suspeitas e desconfianças. E ainda mais: confiar no Amor; confiar na Bondade; confiar em Deus”. O segundo, o jovem joalheiro, “é um pessimista. Em tudo, em todos só vê defeitos, imperfeições, vícios e deformidades. Para esse jovem, a perfeição, a pureza e o requinte não existem. E cego para as qualidades que adornam as criaturas, mas tem olhos de lince para descobrir manchas e falhas. Se lê um trecho de prosa, ou um verso, não é para admirar a ideia, mas para sublinhar negligências. Não louvo a maneira de agir daqueles que procedem como este jovem joalheiro. A vida é curta; apreciemos com alegria o que há de belo e esqueçamos as máculas e deformidades”. O terceiro tipo, o mais velho dos joalheiro real, é um otimista. “Tem um bom coração; é um simples. Encara a vida com benignidade e otimismo. Para ele tudo é lindo, gracioso e puro. O bondoso joalheiro só vê qualidades. A indulgência de seu espírito não permite que ele perceba os tristes defeitos e as deploráveis mazelas. Para ele tudo é excelente e nobre”. Após a sua avaliação dos avaliadores, o mercador conclui que: “O homem equilibrado será incapaz de agir como o jovem joalheiro, que só vê falhas e labéus, mas deve evita também proceder como o velho joalheiro, que só reconhece os bons e nobres predicados. Sejamos justos, procedendo com nobreza, exaltando também as qualidades e os legítimos valores”. Assim, satisfeito com as explicação, o Rei comprou as pérolas e agradeceu ao Mercador pela lição de vida.

Podemos dizer, que essa avaliação do Mercador é magnifica para pensarmos nos críticos da vida alheia. O bom crítico só será um avaliador honesto se não for nem como o jovem joalheiro e nem semelhante ao velho joalheiro. A postura adequado e produtiva é a do crítico que de forma justa consegue reconhecer os bons e nobres predicados e, da mesma forma, percebe e revela as limitações e falhas. As pérolas verdadeiras e as pérolas falsas devem ser destacadas numa avaliação de qualquer coisas. Destes avaliadores sensatos não precisamos temer. Assim, não tenha medo, nem se aborreça e muito menos se irrite com as críticas sofridas, ao contrário, se alegre, pois, elas são reconhecimentos pelas suas obras, os bons críticos as tornam sempre melhores, mostrando as qualidades; e os adversários as esclarecem, revelando os seus limites. E, sem dúvida, os críticos ao produzi-las também se regozijaram naquele deleite de analisar e avaliar uma obra de arte. Além disso, não esqueça, “criticamos uma pessoa ou sua obra quando subscrevemos seu ideal“. Como escreveu Nietzsche: “A crítica, a exclusiva e injusta bem como inteligente, causa para aquele que a exerce um prazer tal como o mundo deve reconhecimento a toda obra, toda ação que provoquem numerosas críticas da parte de numerosas pessoas: pois, a crítica deixa um rastro brilhante de alegria, de espírito, de admiração de si, de altivez, de ensinamentos, de boas resoluções. – O deus da alegria criou o mau e o medíocre pela mesma razão que o levou a criar o bem“. A ação de análise crítica é um exercício sério e importante, entretanto a crítica sempre será mais fácil do que o ato criativo. Após o trabalho criativo reparar as rebarbas é simples para quem tem olhos analíticos. Mas, essa ação da critica precisa reconhecer primeiro qual era a intenção do produtor, caso contrário não chegaria próximo da obra. O bom critico precisa mostrar quais são as pérolas verdadeiras e as falsas da obra analisada, e, nesse sentido, o conto de Malba Tahan é profundamente pertinente, pois, o que ele nos ensina é que não devemos confiar em elogios mecânicos e superficiais, os tipos mais comuns presentes atualmente nas redes sociais, que navegam entre dois extremos: os bajuladores de plantão e os pessimistas que só conseguem enxergar defeitos e falhas, essas pessoas sugam nosso entusiasmo, roubam nossa paciência… muitas vezes nos fazem acreditar que estamos no caminho errado, pois não conseguem enxergar nenhuma pérola verdadeira, nada de bom ou positivo. A autoavaliação deve ser um momento importante no ato criativo, pois quem produziu precisa faz com honestidade uma avaliação do próprio trabalho. Mas é bom ouvir o que os outros têm a dizer, entretanto, isso não pode ser determinante. Não podemos perder o equilíbrio frente as críticas recebida. Elas nos desterritorializam, mas, no movimento seguinte, conseguimos nos reterritorializar, pois os críticos não podem ter a força para nos manter apátrida e nem sugar todo nosso sangue. Finalizo com umas palavras bem humoradas do professor Nietzsche: “Os insetos picam, não por maldade, mas porque desse modo querem viver: ocorre o mesmo com os críticos; querem nosso sangue, não nossa dor“.

Agradeço ao meu amigo e colaborador Nertan Silva-Maia pela ilustração intitulada O PESO DA CRÍTICA E DO ELOGIO.

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