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  • cleverfernandes196

ARTE COMO SAÚDE PARA A VIDA

A relação entre a filosofia e a arte ao longo da história do pensamento foi sempre muito controvertida. Para Platão a produção artística não se preocupa com a verdade e essa visão platônica se sustenta em sua teoria das ideias, pois, para ele, existem dois mundos: o mundo sensível e o mundo suprassensível. O mundo sensível ou mundo natural percebido pelos sentidos é apenas uma cópia pálida e deformada da realidade primeira, que é o mundo suprassensível ou mundo das ideias perfeitas e eternas. Sendo o mundo visível uma sombra dessa realidade primeira, a arte como reprodução criativa desse mundo natural é cópia da cópia, por isso, nesta perspectiva, ela não tem nenhum valor. É um simulacro.

Apesar desta visão negativa do pensamento platônico em relação à arte, ao longo da história da filosofia, existem outras visões que compreendem arte como uma forma legitima e importante do pensamento humano. Quero destacar três pensadores: Schopenhauer , Nietzsche e Deleuze:


  1. SCHOPENHAUER, seguindo Kant, compreendia a arte como momento sublime. A arte, em particular a música, tem o poder para aquietar o coração humano. Quando somos envolvidos pela beleza e leveza da música não desejamos mais nada, apenas ela. A arte basta por si. A vontade cega e irracional controladora de tudo fica suspensa… Somos levados a uma tranquilidade na alma na presença da arte.


  1. NIETZSCHE, mesmo sendo discípulos do primeiro, tem uma visão radicalmente diferente. Enquanto que para Schopenhauer a arte é a quietude, para Nietzsche, ao contrário, ela potencializava a vida. Ela alimenta a vontade de poder, produzindo vitalidade. Além disso, para ele, “a arte possui mais valor do que a verdade” (Vontade de Potencia, n.822 ou 853), e, por isso, sentencia: “Vivemos, certamente, graças ao caráter superficial de nosso intelecto, em uma perpétua ilusão: então, para viver, necessitamos da arte a cada momento. Nosso olho nos paralisa nas formas. Contudo, se nós mesmos educarmos gradualmente este olho, veremos também reinar em nós mesmos uma força artística. Veremos até mesmo na natureza os mecanismos contrários ao saber absoluto: o filósofo reconhece a linguagem da natureza e diz: NECESSITAMOS DA ARTE E SÓ NOS FALTA UMA PARTE DO SABER”.(O livro do filósofo, Fr 51).


  1. Gilles DELEUZE, na esteira do pensamento nietzschiano, assegura também que a arte produz vida. A arte cria rotas ou linhas de vida. Quando a vida se encontra num território fechado, a arte nos provoca uma desterritorialização. A arte é ato de resistência contra toda forma de fascismo, toda forma de dominação. Ela é devir e, como devir, a arte produz vida nova, apresenta possibilidades impensáveis. Ele, citando Proust, escreveu: A obra de arte “é promessa de felicidade porque nos ensina não só que em todo amor o geral jaz ao lado do particular como também a passar deste àquele, numa ginástica que […] NOS FORTALECE CONTRA A DOR”. A arte ensina e fortalece a vida, e por isso, podemos revitalizar a vida a partir da arte. A arte é saúde para a vida. É nesta perspectiva que podemos nos refugiar na literatura, pois, ela nos promete felicidade, nos fortalece das dores da alma e preenche as lacunas deixadas pela vida. As experiências produzidas pela obra de arte nos fazem pensar e sentir o mundo de outra maneira, ela nos apresentam possibilidade inimagináveis… Os livros e os filmes nos ajudam a viver e nos dão lições sobre a vida.


Evidente que temos autores prediletos, eles são nossos companheiros escolhidos para trilhar conosco as aventuras e desventuras da vida. Podemos aproveitar destas experiências mentais para vivermos e pensarmos o impensável. Acredito que a arte de viver consiste em sabermos nos servir destas companhias agradáveis, os personagens criados na leveza da arte, que nos revelam situações e possibilidades que na dureza da realidade, muitas vezes, não enxergamos. A arte mostra rotas de vida e, assim, nos ajuda a suportar a travessia no deserto da vida real… Deste modo, ler e assistir filmes são devenires importantes para a sobrevivência neste mundo duro e pesado. Nietzsche escreveu que “nós temos arte para que não venhamos a sucumbir pela verdade”. Sucumbir no mundo, sem sonho e nem imaginação, que nos obriga a manter os pés na realidade, entretanto, quem tem os pés cravados na realidade não voa e, por isso, não conseguem viajar nos livros e nem nos filmes e, muitas vezes, não se permite chorar ou sorrir lendo ou assistindo um filme. A saúde mental está exatamente em se permitir sonhar e imaginar outros mundos, outras vidas.

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