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  • cleverfernandes196

AMIZADE, ANIVERSÁRIO E REDES SOCIAIS

Com o advento da internet e redes sociais assistimos mudanças assustadoras nas relações humanas, estamos em contato com um número gigantesco de pessoas o tempo todo. Nunca foi tão verdadeira a sentença que não somos uma ilha, e que não conseguimos nos isolar facilmente. Mesmo quando estamos desconectados a sensação é de estranheza, como se precisássemos desta conexão com o mundo virtual e nos faltasse algo. A produção dessa nova tecnologia de comunicação produziu possibilidades instantâneas de comunicação entre as pessoas. E, como ela intensificou-se a categoria do “amigo virtual”, que já existia nas trocas de cartas manuscritas e pelo telefone fixo, porém em escala e velocidade inferior ao que temos hoje em dia. Pode parecer estranho para os filhos deste tempo, veloz e digital, que seus pais e avós tinham o habito de escrever cartas para informar, notificar e se relacionar com as pessoas distantes conhecidas ou não, e tinham que esperar semanas ou até meses para receber respostas delas. Além disso, eles também ligavam para grupos de relacionamentos para conversarem, num tipo de sala de bate-papo, com estranhos que viravam “amigos virtuais”, claro que apenas alguns. Era tudo muito rudimentar, nada tão sofisticado como temos hoje, não tínhamos a interatividade nas relações virtuais como atualmente. Além do mais, ampliamos as trocas de notícias, informações, opiniões, fotos, vídeos numa velocidade quase instantânea, o mundo ficou muito pequeno. Estamos vivendo numa Aldeia Global. Mas se, por um lado, essa inovação tecnológica aproximou as pessoas distantes geograficamente, por outro, as relações virtuais nem sempre as aproximaram afetivamente, este tipo de contato e relação são intensos, mas são indubitavelmente mais frágeis superficiais e banais. Podemos começar e terminar uma amizade virtual num click, isso não acontece no mundo real. Mas, o que significa ser amigo neste espaço cibernético? É possível pensar relações apenas neste mundo virtual? Com as mudanças nas relações, a amizade passou por uma transformação incrível, esvaziamos seu significado, pois não estamos falando da mesma coisa quando afirmamos que temos N amigos no Facebook e declaramos ter meia dúzia de amigos de verdade, não tem o mesmo peso, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Nesse sentido Zygmunt Bauman, num fragmento de vídeo do Programa Café Filosófico, nos diz:

“Um viciado em facebook me confessou – não confessou, mas de fato gabou-se – que havia feito 500 amigos em um dia. Minha resposta foi: eu tenho 86 anos, mas não tenho 500 amigos. Eu não consegui isso! Então, provavelmente, quando ele diz ‘amigo’, e eu digo ‘amigo’, não queremos dizer a mesma coisa, são coisas diferentes. Quando eu era jovem, eu não tinha o conceito de redes, eu tinha o conceito de laços humanos, comunidades… esse tipo de coisa, mas não de redes […]

Qual a diferença entre comunidade e rede?

A comunidade precede você. Você nasce em uma comunidade. De outro lado temos a rede, o que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede é feita e mantida viva por duas atividades diferentes: conectar e desconectar.

Eu penso que a atratividade desse novo tipo de amizade, o tipo de amizade de facebook, como eu a chamo, está exatamente aí: que é tão fácil de desconectar. É fácil conectar e fazer amigos, mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar.

Imagine que o que você tem não são amigos online, conexões online, compartilhamento online, mas conexões off-line, conexões reais, frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Assim, romper relações é sempre um evento muito traumático, você tem que encontrar desculpas, tem que se explicar, tem que mentir com frequência, e, mesmo assim, você não se sente seguro, porque seu parceiro diz que você não têm direitos, que você é sujo etc., é difícil.

Na internet é tão fácil, você só pressiona “delete” e pronto, em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso mina os laços humanos.” (© obvious: http://lounge.obviousmag.org/canteiro/2013/10/3-minutos-com-bauman-as-amizades-de-facebook.html#ixzz43kKuJJlG)

Como desdobramento dessa diferença, a forma como comemoramos o nascimento dos amigos reais não é semelhante a dos amigos apenas virtuais. Mas o fato é que, para muitos filhos das redes sociais, o dia do aniversário é um tipo de competição de popularidade. Elas ficam quase contando os números de pessoas próximas, ou distantes, ou muito distantes, conhecidas ou não, que se manifestaram em suas redes de relacionamento no dia do seu natalício. Como um candidato contando votos das urnas em dia de eleição. Ao longo do dia, que é especial para poucos amigos reais, temos a manifestações de toda sorte e ordem vindo de vários lugares. Não importa se aquelas pessoas não se lembraram daquela data espontaneamente, pois elas foram notificadas, foram informadas pelo aplicativo da rede social. Não é uma lembrança natural, fruto da amizade, da importância, do afeto que ligam aquelas pessoas ao aniversariante. Por isso, podemos nos questionar: Qual o sentido ou graça de receber este tipo de felicitação? O que significa desejar feliz aniversário neste contexto? O que se percebe é que existem na verdade expressões comuns na hora de se desejar feliz aniversário, na maioria das vezes as pessoas escrevem por escrever, nem se dão conta do que estão dizendo, de forma mecânica se escreve: felicidade, parabéns, sucesso, saúde, vida, etc. Palavrório sem sentido e quase sempre destituído de sinceridade. São palavras lançadas ao vento da formalidade social. No fundo não se deseja nada, nem para o bem, nem para o mal, é apenas um protocolo social indiferente. Evidente que existem exceções, e quem recebe de fato uma felicitação verdadeira percebe o calor e o sabor das palavras de carinho e afeto. Não é um dizer por dizer, é a manifestação que sai do mais íntimo. São palavras nascidas e fermentadas no coração. Essa manifestação de afeto é visível, pois, tem sabor, cor, perfume e tato, são palavras que se sentem no corpo todo. As coisas importantes e significativas partilhadas pelos amigos transcendem e não são capturadas nesse espaço banal e superficial das redes sociais. Porém, lamentavelmente, essas expressões sinceras de felicidade, paz, sucesso, etc., são raras, como são raros os amigos verdadeiros. E, para mim, é muito claro que essa raridade está ligada ao fato de que para desejar tudo de melhor para o outro temos que cultivar uma proximidade afetiva. Só para os que somos próximos afetivamente conseguimos desejar coisas boas sem invejá-los. Porém, antes temos que ter em nosso íntimo aquilo que nos faz humanos: o amor à vida e ao próximo. Para isso, precisamos ser homens ou mulheres de verdade, e isso custa caro, pois vivemos em uma sociedade repleta de falsidade, hipocrisia e dissimulação, nela temos apenas simulacros de pessoas. E infelizmente não existe muito espaço em nossa sociedade para quem é e deseja ser verdadeira, sincera e autêntica. A vida social é sempre uma grande farsa. O grande desafio do viver esta nisso, manter a autenticidade sem sucumbir nas armadilhas da sociedade, não cair nas armadilhas, não entrar nesta festa de máscaras, ter coragem e força para sentir a leveza da vida neste mundo pesado. Conseguir sentir o sabor de mel no fel da existência. Isso é ser uma pessoa autêntica, aquilo que Nietzsche chamou de espírito livre, que não é alguém que sabe tudo da e na vida, mas é alguém que busca. Tem sede de viver plenamente, que abraça a vida por inteiro. Aceita a vida como ela é com suas flutuações entre alegria e tristeza, prazer e dor. Não é um ser sedentário, o espírito livre ou a pessoa autêntica é um nômade. Só os seres não enraizados conseguem receber, perceber e ser feliz, pois sente a vida leve, saborosa e colorida. O ser autêntico não fica contando o número de postagens no dia do seu aniversário, pois sabe que mais importante do que a quantidade, são as poucas, sinceras, verdadeiras e reais manifestações recebidas daqueles que podemos chamar de amigos no mundo. Mas, o que significa desejar feliz aniversário para alguém? Sabemos que o dia do aniversário é especial não só para o aniversariante, mas para todos que sinceramente se importam e realmente amam aquela pessoa entre todas as que existem. E olha que existem bilhões de seres humanos neste planeta, porém, não nos relacionamos com multidão, apenas com algumas que encontramos nos caminhos da vida e, entres essas, poucas são especiais para nós, e são não por aquilo que tem ou fazem, mas pelo que são como pessoas. E elas não passam em nossas vidas, mas fazem parte e dão sentido a nossa existência. Para quem ama, a pessoa amada vale pelo seu SER e nunca pelo seu TER. A relação de amizade não segue a lógica do vale quanto pesas, pois essa lógica capitalista aproxima pessoas de coisas e não de outras pessoas, isto é, essa lógica na verdade transforma pessoas em objetos. Por isso que gosto de afirmar que proximidade física não significa grandes coisas nas relações humanas, pois, podemos conviver diariamente próximos de alguém e, ao mesmo tempo, estarmos afetivamente distantes dela, principalmente, se essa relação é utilitária, ou seja, se essa pessoa é apenas útil ou se somos apenas necessárias para ela. Este tipo de relação coisificada vive de ilusão, não é amor. A relação amorosa não é relação entre sujeito e objetivo, mas entre sujeito e sujeito, que não necessariamente precisam estar próximos fisicamente. A ilusão da proximidade física pode ser traduzida numa frase poética: “perigo é ter você perto dos olhos, mas longe do coração”. Estar próximo do coração não significa estar próximo fisicamente. Por isso, podemos continuar e nos sentirmos próximos afetivamente mesmos distante de nossos verdadeiros amigos, aqueles que amamos. Como diz a canção: “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração; assim falava a canção… Mesmo que o tempo e a distância digam não”. As pessoas especiais em nossas vidas não são esquecidas, estão carinhosamente guardadas no coração e recordamos delas sempre, principalmente, nessa data especialíssima do aniversário, e não precisamos de nenhum aplicativo notificando essa data tão especial. Então, desejar feliz aniversário é apenas intensificar a memória daqueles que verdadeiramente amamos. Festar é afirmar a vida como ela é, e a vida é uma festa.  Por isso, no dia que comemoramos o aniversário de um amigo, estamos afirmando a beleza, a alegria e a grandeza de sua vida. Momento de júbilo, e independentemente da idade desejamos sempre felicidade ao aniversariante, pois FELICIDADE NÃO TEM IDADE. Como escreveu Epicuro: “Ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito, a ‘eudaímonia’ [a Felicidade]”.

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