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  • cleverfernandes196

A VIDA E A SOMBRA

Atualizado: 18 de fev. de 2021

É no crepúsculo que a vida acontece, na luminosa vida social apenas revelamos a sombra do que realmente somos. As pessoas não se mostram, não se revelam na totalidade como mecanismo de sobrevivência na selva da vida social. Por isso, quando as pessoas fazem determinadas coisas que nunca imaginamos que seria capaz de fazer o que fez, a surpresa surge como uma erupção vulcânica, pois, naquele instante ela saiu da sombra, se revelou. Como escreveu Marcel Proust, no Caminho de Guermantes, “uma pessoa não está… nítida e imóvel diante dos nossos olhos, com as suas qualidades, os seus defeitos, os seus projetos, as suas intenções para conosco (como um jardim que contemplamos, com todos os seus canteiros, através de um gradil), MAS É UMA SOMBRA em que não podemos jamais penetrar, para a qual não existe conhecimento direto, a cujo respeito formamos inúmeras crenças, com auxílio de palavras e até de atos, palavras e atos que só nos fornecem informações insuficientes e alias contraditórias, uma sombra onde podemos alternadamente imaginar, com a mesma verossimilhança, que brilham o ódio e o amor”. Na dinâmica das sombras a vida social como um rio flui, somos sombras para os outros na mesma medida que eles os são para nós.  Sombras impenetráveis, temos sempre uma visão deformada do outro. O poeta argentino Jorge Luís Borges no seu livro Elogio da sombra, escreveu o seguinte poema:

HERÁCLITO

“O segundo crepúsculo.

A noite que mergulha no sono

A purificação e o esquecimento.

O primeiro crepúsculo.

A manhã que foi a aurora.

O dia que foi a manhã.

O dia numeroso que será a tarde desgastada.

O segundo crepúsculo.

Esse outro hábito do tempo, a noite.

A purificação e o esquecimento.

O primeiro crepúsculo…

A aurora sigilosa e na aurora a inquietude do grego.

Que trama é esta do será, do é e do foi?

Que rio é este pelo qual flui o Ganges?

Que rio é este cuja fonte é inconcebível?

Que rio é este que arrasta mitologias e espadas?

É inútil que durma.

Corre no sonho, no deserto, num porão.

O rio me arrebata e sou esse rio.

De matéria perecível fui feito, de misterioso tempo.

Talvez o manancial esteja em mim.

Talvez de minha sombra, fatais e ilusórios, surjam os dias”.

O título não poderia mais apropriado para a poesia do Borges: Heráclito é o filósofo da aurora da filosofia grega considerado o enigmático, pois seus escritos eram e ainda os são enigmas. Escreveu em forma de sentenças, aforismas e máximas. Heráclito com suas sentenças lembra o animal mitológico a esfinge com sua provocação: Decifra-me ou te devoro? Somos sombras, somos rios em movimentos, somos indecifráveis, pois somos mutantes. Não lamente, pois você sempre será apenas a sombra do amigo, do pai, do filho, etc…. que você acreditava ser. Somos sombras, pois somos rios caudalosos, turvos e violentos. Como escreveu o poeta Paulo Ricardo, da banda RPM, em sua música Olhar 43: “ É um lago negro o seu olhar; É água turva de beber, se envenenar”.

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