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cleverfernandes196

A MORTE DA NOVA REPÚBLICA

A Nova República brasileira surgiu com o esgotamento da ditadura militar (1/Abril/1964 a 15/Março/1985), depois destes 21 anos, que fomos obrigados a viver numa República Verde-oliva, nos quais apenas os generais, que tomaram de assalto o poder, revezaram o comando o Palácio do Planalto Central, chegou ao fim essa longa noite do Brasil de torturas, desaparecimentos e mortes. A nova República teve sua origem dos escombros de uma sociedade sucateada, ela surgiu como primavera após longo e tenebroso inverno. Apesar de completar apenas 33 anos, a democracia recém construída esta sofrendo nos últimos anos ataques violentos. Estão sangrando a nova República, ela está agonizando e existe um perigo eminente dela sucumbir ao fascismo. Não acredito que seja um esgotamento do regime democrático, mas uma crise de legitimidade das instituições que deveriam ser os fundamentos dele.  Mas, quais são os fundamentos ou pilares da democracia? A primeira coisa, é a defesa intransigente dos direitos humanos e, como consequência lógica,  o reconhecimento constitucional que todo o poder emana do povo, assim a vontade popular expressa nas urnas é o fundamento maior da autoridade pública numa democracia representativa. Não existe democracia desrespeitando o sufrágio universal. Ligados visceralmente a esse exercício livre e consciente do voto em eleições regulares e livres, um democracia representativa se fundamenta também em outras duas coisas: organizações partidárias e a separação dos poderes. Não existe democracia moderna sem partidos políticos e sem o respeito aos papeis constitucionais de cada um dos três poderes. Acredito que exatamente neste ponto temos o nosso problema, nossa democracia esta passando por uma crise porque os partidos políticos e os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – não são mais reconhecidos pela maioria da população como dignos de confiança. Perderam a legitimidade. Crise de legitimidade. A corrupção corroeu a credibilidade das instituições e com ela a esperança de um Brasil diferente, que seja de fato e direito de todos e para todos os brasileiros e não apenas para alguns. Como escreveram os poetas Samuel Rosa e Chico Amaral: “se o pais não for prá cada um; pode estar certo; não vai ser prá nenhum“.  A população perdeu a confiança nas instituições e, ao mesmo tempo, a autoconfiança também foi diluída, sem essa ela deixamos de acreditamos em nossa força transformadora. A frustração tomou conta da gente, e esse sentimento é entristecedor, assim por não confiarmos em nosso própria força, nos deixamos abater pela melancolia. Frustração e melancolia são sentimentos que não são favoráveis no momento que temos que decidir os rumos da vida pessoal ou coletiva. Normalmente afetados por esses sentimentos não fazermos boas escolhas, muito pelo contrário, tomados por eles quase sempre temos as piores decisões da vida e na vida. Abatidos e reconhecendo-se impotente frente a tudo que se apresenta normalmente ficamos prostrados, paralisados, catatônicos. Antes dessa situação, a pouco tempo, nós acreditávamos que estávamos num novo Brasil, transpirávamos otimismo e alegria. Mas tudo mudou. Alguma coisa aconteceu, esta tudo diferente. O otimismo deu lugar ao pessimismo, a alegria perdeu espaço para a melancolia. Agora, aconteceu um novo movimento, a frustração e a melancolia deram lugar ao ódio e ao medo. Isso é evidente nas conversas com as pessoas. Bem como, nas redes sociais as pessoas estão demonstrando essa situação. O medo, a impotência, a fraqueza. A jovem democracia brasileira parece não vai sobreviver a esse processo eleitoral. Algumas pessoas, ligadas ao candidato da extrema-direita, estão confiantes e já cantam o réquiem da Nova República (1985-2018). Entretanto, acredito que estamos vivendo um momento singular da história da nossa República. Não é o seu fim, não é sua morte. Estamos presenciando um momento que adiamos, postergamos. É a radicalização da luta entre as duas forças sociais. A elite brasileira sempre se apropriou do Estado a seu bel prazer, porém durante os 12 anos dos governos Lula e Dilma (2003-2015), as classes alijadas, excluídas, marginalizadas sentiram a presença do Estados em suas vidas. O gosto da liberdade de viver, comer, consumir, receber oportunidade de viver com dignidade. As políticas publicas destes governos fez surgir um novo povo. Aconteceu uma desterritorialização e reterritorializaram em outro território. Com isso, o Maquiavel nos ensinou que quando um povo experimenta a liberdade jamais voltam ao jugo sem se rebelar.  Querem retroceder o Brasil 50 anos em 5. Assim, o que parece fim pode ser o amadurecimento de um povo. A consolidação de uma Nação. A luta entre este dois grupos é inevitável. Como falou o professor Vladimir Safatle:

um dia essa luta iria ocorrer. Não era possível nosso país passar mais tempo sem que essa luta um dia ocorresse. Essa é uma luta que está sendo esperada há muito tempo. Não seria possível o país se constituir enquanto país, se nós, enquanto uma verdadeira sociedade inclusiva, igualitária e com uma luta constante no sentido de justiça social, se nós não nos confrontássemos com esses grupos, com esses discursos, com essas pessoas. Não havia um outro caminho a fazer. Agora, coube ao processo histórico que fôssemos nós, neste momento, as pessoas a ter que fazer essa luta. Muitos já lutaram essa luta antes, de uma maneira ou de outra, mas nunca com todo esse drama, essa força, esse jogo que está aqui disposto. Por alguma contingência, agora somos nós. Não tem mais ninguém. Se nós perdermos, vão ser gerações e gerações que vão perder. Nós sabemos, isso não é uma brincadeira. Nós sabemos qual é a gravidade da situação e o que vai acontecer daqui pra frente. Então, não há como esmorecer“.

Aquilo que pode parecer o retorno, o retrocesso, ou a morte da nova República, é na verdade o amadurecimento, a construção de uma Nova República maiúscula, que atenda não apenas os interesses de uma elite carcomida. Mas, para que isso aconteça, não podemos esmorecer frente as forças fascistizantes. Precisamos de coragem e determinação, alimentados pela esperança. O maior educador do século XX, nas palavras do pensador Enrique Dussel, Paulo Freire em sua última carta escreveu palavras que fortalece nossa esperança:

Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho se não viver a nossa opção. Encarná-la, diminuindo, assim, a distância entre o que dizemos e o que fazemos“.

Essas palavras podem alimentar nossa esperança, mas, não a esperança que apenas espera, aquela do verbo esperançar, este tipo de esperança exige atitude, impõe coerência entre o que se diz e o que se faz, assim temos que criar uma congruência radical entre nosso discurso e nossa prática. Palavra e ação devem caminhar juntas. É impossível construir uma nação  sem a redução entre o que se diz e o que se faz. Não podemos ser honestos apenas da boca pra fora, não dá para ser o honesto, apenas com discursos a favor da honestidade. São as atitudes, a postura cotidiana permeada de honestidade que edificará uma nação honesta, justa e solidária. Ação e Palavra são fundamentais para a construção de um admirável mundo novo. A Nova República só terá seu fim se mantivermos esse abismo entre o que falamos e o que fazemos. Não podemos permitir que outro inverno tenebroso chegue em nossas terras. E o pior de tudo disso é a constatação, que a morte da democracia não será pela tomada violenta do poder. Como escreveram Steven Levitsky e Daniel Ziblatt: “Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder. Alguns desses líderes desmantelam a democracia rapidamente, como fez Hitler na sequência do incêndio do Reichstag em 1933 na Alemanha. Com mais frequência, porém, as democracias decaem aos poucos, em etapas que mal chegam a ser visíveis (p.13). Uma vez que um aspirante a ditador consegue chegar ao poder, a democracia enfrenta um segundo teste crucial: irá ele subverter as instituições democráticas ou ser constrangido por elas? As instituições isoladamente não são o bastante para conter autocratas eleitos. Constituições têm que ser defendidas – por partidos políticos e cidadãos organizados, mas também por normas democráticas. Sem normas robustas, os freios e contrapesos constitucionais não servem como os bastiões da democracia que nós imaginamos que eles sejam. As instituições se tornam armas políticas, brandidas violentamente por aqueles que as controlam contra aqueles que não as controlam. É assim que os autocratas eleitos subvertem a democracia – aparelhando tribunais e outras agências neutras e usando-os como armas, comprando a mídia e o setor privado (ou intimidando-os para que se calem) e reescrevendo as regras da política para mudar o mando de campo e virar o jogo contra os oponentes. O paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia – gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la (p.18-19).


LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar, prefácio de Jairo Nicolau. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

Agradeço ao amigo e colaborador  Nertan Silva-Maia pela ilustração intitulada “COMO AS DEMOCRACIAS MORREM”.

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