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  • cleverfernandes196

PARA QUE SERVE A FILOSOFIA? : NOTA EXPLICATIVA.

Num mundo pragmático, utilitarista e consumista a pergunta para que serve alguma coisa é comum, por isso todo professor de filosofia é obrigado a responder a questão sobre a utilidade da filosofia muitas vezes ao longo de sua vida profissional, pois tudo dentro dessa mentalidade precisa ter uma função prática, é inadmissível na cabeça produtivista moldada no mundo do capital existir algo que não tenha uma aplicação direta. No mundo da prática e da ação, a reflexão, o trabalho teórico precisa estar a serviço do agir. Nada de teoria pela teoria, conhecimento pelo conhecimento, não faz sentido neste contexto o saber pelo saber. Essa visão me faz lembrar a Idade Média, onde tudo estava ligado a Deus e a filosofia era considerada a “ancilla theologiae” (“serva da teologia”), a ciência mais importante do período. No mundo do capital as pessoas querem que a filosofia seja serva do Capital. Como historicamente ela não se curvou totalmente, os inimigos do pensar livre tentaram desqualificá-la, como algo difícil e desnecessário; e buscaram ridicularizar os filósofos, criando um estereótipo do gênio louco e lunático, alguém que não tem os pés no chão. Assim, temos uma tentativa de esvaziar e enfraquecer o pensamento filosófico. O pensamento livre e autônomo não é bem visto pelos donos do poder, por isso uma forma de matar o pensamento filosófico foi produzindo molduras para ele, criando muros para domesticar a filosofia. Para Nietzsche a filosofia perdeu sua força quando foi institucionalizada nas Universidades, quando ser filósofo tornou-se ser professor de filosofia. Muramos o pensamento. A produção do pensamento livre, selvagem e nômade foi lentamente se perdendo, pois as instituições têm seus interesses e os funcionários da filosofia não ousariam pensar para-além dos muros instituídos, não iriam se permitir pensar para-além das regras e valores dos seus patrões (O Estado, A Igreja, O Capital). Quando escreveu a sua Terceira Consideração Extemporânea intitulada Schopenhauer Educador, Nietzsche lançou a mais ácida crítica já produzida contra a filosofia. Não a toda filosofia, mas aquela institucionalizada, produzida intramuros das universidades. A filosofia serva dos valores das instituições financiadoras. Veja o que o professor da Basiléia escreveu: “Diógenes objetava quando se louvava um filósofo diante dele: ‘o que é que ele tem de extraordinário para mostrar, ele que durante tanto tempo se entregou à filosofia sem nunca ter afligido ninguém?’ Com efeito, seria necessário colocar como epitáfio no túmulo da filosofia universitária: NUNCA AFLIGIU NINGUÉM” (§8). Quais são as implicações desta sentença nietzschiana? Para Gilles Deleuze, essa ideia de Nietzsche sobre a filosofia ajuda muito na resposta a questão levantada no início dessa nota, qual seja, qual a utilidade da filosofia? Ou Para que serve a filosofia? De acordo com Deleuze, “quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, porque a pergunta pretende-se irônica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve qualquer poder estabelecido. A filosofia serve para afligir. A filosofia que não aflige ninguém e não contraria ninguém não é uma filosofia. Serve para atacar o disparate, faz do disparate qualquer coisa de vergonhoso” (2001, p.159). Assim, fica claro, a filosofia não esta a serviço de nenhum poder estabelecido. Ela é sempre instituinte, nunca instituída. A filosofia precisa afligir, provocar, instigar, contrariar e incomodar caso não aconteça isso, ela esta morta, não é filosofia. Toda filosofia a serviço do Estado ou de uma Instituição qualquer não é filosofia, é na verdade doutrina oficial dessa instituição. A filosofia é uma máquina de guerra, nômade, selvagem e intempestiva, quem nos ensinou isso foi Nietzsche, para quem ela é sempre intempestiva. O que significa ser intempestiva? Significa que a filosofia deve ser uma filosofia contra o seu tempo e, ao mesmo tempo, a favor se possível de um por vir. Então podemos dizer que a filosofia nunca será bem acolhida nos espaços institucionais: escolas, universidades, igrejas, empresas, pois estes espaços querem sempre pensamentos dóceis, sedentários, civilizados e doutrinários do comportamento humano. É comum nas escolas pedirem aos professores de filosofia que ministrem aula de ética, confundem Ética com curso de etiqueta, ensinar os bons modos sociais para as crianças e os jovens. Parece que não sabem que a Ética é um pensar sobre os valores, não é doutrinação. Visão deformada da ética filosófica. O Spinoza no alvorecer da modernidade já sabia que não era possível conciliar filosofia e instituições. Numa carta escrita para agradecer o convite da Universidade de Heidelberg, o filósofo de Amsterdam justificou sua renuncia a cátedra de professor de filosofia nos seguintes termos: “Penso, em primeiro lugar, que deveria RENUNCIAR a seguir com meus TRABALHOS FILOSÓFICOS se me entregasse ao ensino da juventude. De outro lado, ignoro DENTRO DE QUE LIMITES MINHA LIBERDADE FILOSÓFICA DEVERIA ESTAR CONTIDA, para que eu não parecesse querer conturbar a religião oficialmente estabelecida” (Carta 48). Lucidez do pensador. Spinoza tinha clareza que assumir o cargo docente iria lhe impor limitações, teria que renunciar a liberdade de pensar. Não é possível conciliar trabalho filosófico e docência, ele tinha certeza que ao se tornar funcionário teria que abdicar de sua liberdade de pensamento, teria que adequar seu pensamento aos muros de sua instituição. O preço a pagar é limitar sua potencia filosófica. A filosofia como pensamento selvagem, nômade e incivilizado não serve a nenhuma poder estabelecido. Filosofia é pensamento perturbador.

REFERÊNCIAS:

DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Porto: Rés-Editora, 2001.

SPINOZA, B. Correspondência completa e vida. São Paulo: Perspectiva, 2014. (Obras Completas II – Texto 29).

NIETZSCHE, F. Terceira Consideração Extemporânea: Schopenhauer como Educador. Trad. Jacobo Muñoz. Madrid: Biblioteca Nueva, 2001.

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