top of page
  • cleverfernandes196

ESQUECIMENTO E VIDA

O filósofo espanhol Baltasar Gracián (1601-1685), em seu Oráculo Manual y arte de prudencia publicado em 1647, escreveu: “Saber olvidar [Saber esquecer]! É antes uma sorte do que uma arte [visto que] a memória não é apenas rebelde porque nos deixa na mão quando mais precisamos dela, mas também é insensata, pois chega correndo quando não é hora”. Podemos até advogar o direito ao esquecimento, mas esquecer ou lembrar não esta em nossas mãos. Como bem salientou Baltasar, saber esquecer é uma sorte, pois, muitas vezes, só conquistamos a paz interior quando temos a sorte de esquecer as desventuras, as dores sofridas e vividas. A paz vem pelo esquecimento. Entretanto, mesmo os sortudos esquecidos não são imunes da insensatez da memória involuntária, que subitamente surge como lembrança dolorosa e indesejada, pois eles de repente podem ser tomados por imagens mentais que os fazem relembrar de acontecimentos que desejariam ardentemente nunca mais reviver. O esquecimento é fonte de vida, pois, se de um lado, temos a paz e alegria do esquecimento, do outro, temos a dor e tristeza da lembrança. O esquecimento é libertador, ele nos liberta do passado sofrido para podermos viver o presente, pois o que fui ontem não pode determinar meus gestos de hoje. A plena alegria de poder se renovar. “Não deixeis que o mais leve peso do passado te escravize”, nos diz André Gides, no seu livro Os frutos da terra. Em outras palavras, “somente o hoje, sem o peso do ontem, sem a ansiedade do amanhã”. O esquecimento nos salva das culpas e dos rancores, ele é uma saúde. Esquecer para recomeçar a vida pós situação traumática. A vida ficaria inviável se fosse possível cumprir o juramento tipo o proferido pelo sobrevivente do campo de concentração nazista Elie Wiesel: “Não esquecerei jamais aquilo, mesmo que seja condenado a viver tanto tempo quanto o próprio Deus. Jamais”. Ele saiu do campo de concentração, mas, o campo jamais sairá dele, a dor dos tormentos sofridos naquele lugar de horrores transformaram a vida de Elie Wiesel num perpétuo sofrimento, numa noite sem fim. Porém, ele não disse que recordará sempre, sua afirmação é verdadeira, pois, nessa dupla negação, revela sua impotência: “Não esquecerei jamais”. Não esquecer é diferente de recordar. o ato de recordar é ativo, enquanto que o não esquecer é passivo. Como nos ensinou Baltasar Gracián: Esquecer é sorte, não é arte. Não existe cursos para aprender a esquecer, o esquecimento não se ensina, diferente da mnemotécnica, que é uma técnica de estimulação da memoria, técnica para potencializar a memorização, que podem ser ensinadas, apesar da eficácia duvidosa, já que não temos as chaves para controlar as entradas e saídas do nosso conteúdo mental. As lembranças surgem algumas vezes como espectros não desejados, outras como suave e doce brisa, porém, mesmo reconhecendo esse duplo movimento delas, o esquecimento é mais importante para nossa saúde mental, para nossa vida. Só se vive sem culpa quem consegue esquecer, na mesma medida que só se vive sem rancor quem perdoa e esquece as ofensas sofridas. O perdão inclui o esquecimento, é fundamental escrever as injurias, os agravos, os ultrajes sofridos na areia para que os ventos e as águas de Lete apaguem estes registros dolorosos e, assim, sumam com qualquer resquício que podem gerar o rancor, sentimento triste que pode paralisar a existência. Viva o esquecimento, ou, como escreveu Nietzsche: “Bem-aventurado aqueles que esquecem, porque acabam esquecendo-se também da insensatez que cometeram” e “como é agradável podermos esquecer!”

3 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

@2020 gerenciado por Jéssika Miranda 

bottom of page