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  • cleverfernandes196

CINQUENTA ANOS DEPOIS: MAIO DE 1968 AINDA NÃO OCORREU

Em 1984, Deleuze e Guattari publicaram um artigo intitulado “Maio de 68 não ocorreu” é impressionante o sabor de atualidade da analise realizada por eles após tanto tempo. Para Deleuze e Guattari, nos fenômenos históricos “sempre há uma parte de acontecimento, irredutível aos determinismos sociais, às séries causais”. Só os renegados, nos dizem Deleuze e Guattari, afirmam que isso ou aquilo está ultrapassado, “mas o próprio acontecimento, por mais que seja antigo, não se deixa ultrapassar: ele é abertura de possível. Ele passa no interior dos indivíduos tanto quanto na espessura de uma sociedade”. O acontecimento é “um estado instável que abre um novo campo de possíveis”, pois “o possível não preexiste, ele é criado pelo acontecimento”. Para os pensadores franceses, o maio de 1968 pertence a ordem dos acontecimentos puros, “livre de toda causalidade normal ou normativa. Sua história é uma sucessão de instabilidades e de flutuações amplificadas. Houve muitas agitações, gesticulações, discursos, besteiras, ilusões em 68, mas não é isso que conta. O que conta, nos dizem Deleuze e Guattari, é que foi um fenômeno de vidência, como se uma sociedade visse também a possibilidade de outra coisa”. É a viabilização de uma outra ordem de coisa, maio de 68 foi um grito coletivo por uma nova ordem social, marcada numa frase quase delirante, um pedido de socorro, de uma sociedade sufocada por um tipo de sistema asfixiante: “Um pouco de possível, senão sufoco“.

Mas, “quando uma mutação social aparece, não basta tirar suas consequências ou seus efeitos, segundo linhas de causalidades econômicas e políticas. É preciso que a sociedade seja capaz de formar agenciamentos coletivos que correspondam à nova subjetividade, de tal maneira que ela queira a mutação. É isso: uma verdadeira reconversão”. Porém, de acordo com Deleuze e Guattari, maio de 68 não ocorreu, porque “a sociedade francesa mostrou uma impotência radical para operar uma reconversão subjetiva no nível coletivo, tal como 68 exigia”. Assim, ao contrário do que se pensa, “maio de 68 não foi consequência de uma crise, tampouco a reação a uma crise. É antes o inverso. É a crise atual [não podemos esquecer que eles estão referindo-se a crise dos anos de 1980] na França que decorreu diretamente na incapacidade da sociedade francesa de assimilar o maio de 68”. Com essa impotência e incapacidade para agenciar uma nova subjetividade coletiva, “o possível foi continuamente fechado”. Apesar disso, Deleuze e Guattari afirmam que “topamos em toda parte com os filhos de maio de 68, eles mesmos o ignoram, e cada país, à sua maneira, produz os seus. A situação deles não é brilhante […][Mas] eles mantêm uma abertura, um possível”, pois de certa forma todos ainda estamos atravessados pelos gritos de maio de 1968. Atualmente estamos vivendo situações de abandono similares aquelas apontadas por Deleuze e Guattari no inicio da década de 1980: a expansão do fundamentalismo, a crise da principal matriz energética mundial (o petróleo), o desemprego, a questão da aposentadoria, entre outras situações. E, do mesmo modo, sem compreender qual seria a melhor saída, os lideres de ontem e de hoje apresentam a única reconversão subjetiva a de matriz “de uma capitalismo selvagem à maneira americana”… Antes e agora nosso lideres não perceberam que “só há solução se for criativa. São essas reconversões criativas que contribuiriam para resolver a crise atual e assumiriam o resgate de um maio de 68 generalizado,” nos afirmam Deleuze e Guattari. Maio de 1968 cinquenta anos depois ainda não ocorreu, estamos até o momento gritando asfixiados: “Um pouco de possível, senão sufoco“.

DELEUZE; Gilles; GUATTARI, Félix. Maio de 68 não ocorreu. In: DELEUZE, Gilles. Dois regimes de loucos: textos e entrevistas (1975-1995). São Paulo: Editora 34, 2016. p.245-8.

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