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  • cleverfernandes196

SENSIBILIDADE ARTISTICA E SENSIBILIDADE FILOSÓFICA

Atualmente tenho dedicado parte do meu tempo ouvindo as aulas de Gilles Deleuze, que estão disponíveis no site da Universidade Paris 8. Existem coisas muito engraçadas e divertidas nesses áudios, fruto do seu bom humor. Além disso, temos um potente pensamento em ação e a dinâmica ensino-aprendizagem em movimento, o que produz um tipo de gestação do conhecimento filosófico. Na aula do dia 06 de janeiro de 1981, Deleuze apresentou para seus alunos uma ideia interessante sobre sensibilidade filosófica. Essa ideia foi desenvolvida dentro da sua visão que filosofia é apenas um modo diferente do pensamento, não é superior e nem inferior aos outros dois modos do pensamento: arte e ciência. Assim, ao explicar a questão do gosto filosófico, a questão da sensibilidade filosófica, ele o fez produzindo um movimento de aproximação entre a sensibilidade filosófica e a sensibilidade artista, isto é, com o gosto artístico. Gostar é ser tocado, é sentir algo que nos provoca, é ser estimulado, é ganhar potencia de agir, isto é, potencializar a vida. Mas, é fundamental reconhecer que a sensibilidade artística é múltipla. A sensibilidade musical, nos diz Deleuze, “não é indiferenciada, não consiste apenas em dizer: ‘Eu gosto da música’. Isso também significa: eu tenho que fazer, estranhamente, por coisas que eu não me entendo, eu tenho que fazer particularmente com tal, tal … Ah, eu, é … Eu suponho … eu sou Mozart … Mozart ele me diz algo. É estranho, isso … Porque todo mundo, não é isso … Há outros que dirão não…” A pessoa se vê totalmente tocada por esse e não por todos os músicos. Porém, precisamos reconhecer que os outro não serão necessariamente impactados como fomos. A experiência humana é singular. Por isso, é necessário encontrar aquele músico que lhe fale ao coração, que toque sua sensibilidade. Mas, para Deleuze, isso não é exclusividade da arte. Ele afirma que precisamos encontrar autores que tem algo a nos dizer, que nos toque, que gostamos de ler. É necessário encontrar autores que precisamos ler. Mas isso não é só no campo literário, “na filosofia é a mesma coisa, há uma sensibilidade filosófica. De onde vem alguém? É também uma questão de moléculas. Que, se aplica a tudo […], bem, acontece que as moléculas de alguém serão atraídas, já serão, em certo sentido, cartesianas … Existe Cartesianos … Bem, eu entendo, um cartesiano é alguém que leu Descartes e quem está escrevendo livros sobre Descartes, mas isso não é muito interessante … Existem cartesianos, quando até, em um nível melhor … Consideram que Descartes lhes diz algo em seu ouvido, para eles, algo fundamental para a vida, incluindo a vida mais moderna. Bem, eu … eu tomo meu exemplo, realmente Descartes, não diz nada, nada, nada, nada … Isso cai em minhas mãos, isso me irrita. E, no entanto, não vou dizer que ele é um cara pobre, é óbvio que ele tem o gênio Descartes. De acordo, ele tem gênio, eu não tenho nada para fazer, eu, para minha conta … Ele nunca me disse nada. Bem … Então, como isso explica esse negócio de sensibilidade? Bom … Hegel … Hegel? O que é isso? Bom. O que significa essas relações moleculares … Eu defendo, aí, por relações moleculares com os autores que você lê. Encontre o que você gosta. Nunca gaste um segundo criticando alguma coisa ou alguém. Critique nunca, nunca, nunca. E se nós criticarmos você, você concorda, continue, huh, nada a fazer…”. Quando nos sensibilizamos filosoficamente, quando somos atraídos molecularmente, encontramos aquele pensador que nos potencializa a vida. Não significa assumir uma posição religiosa, não significa absolutamente ter a doutrina do pensador de cor, no coração. Claro que quando gostamos muito de um determinado músico, aprendemos as letras com muita facilidade… Cantamos como se fossemos os autores daquelas músicas, isso também acontece em outras areas do conhecimento. Deleuze mesmo afirma que: “Existem coisas, você tem que conhecê-las de cor. Seria muito bom conhecer a Ética de Spinoza de cor. Aprenda isso de cor (risos). Se, se houver textos que se aprende de cor, se há um em filosofia, é a Ética. Aprenda Kant de cor, sem sentido! É inútil. Aprenda de coração Spinoza, serve para a vida. Você diz para si mesmo, em todas as condições de vida, você diz oh bem … a que proposta se refere, isso? E há sempre um em Spinoza. Então, isso pode te servir muito”. Porém, não vamos com isso assumir uma postura de sacralização dos textos do pensador, mas quando encontramos o que gostamos de ler mergulhamos e não desejamos mais sair. Queremos devorar tudo o que ele escreveu e aprender de coração. Por isso, é tolice ficar lendo coisas que não funciona, não tem ligação com as nossas moléculas. Por isso, é necessário não perder tempo criticando, buscando apontar falhas no pensamento de autores que não nos dizem nada. Deleuze num desabafo afirma: “Acho que nada é mais triste em jovens dotados, em princípio, do que, para eles, envelhecerem sem terem encontrado os livros de que realmente gostaram. E geralmente isso, dá um temperamento, não para encontrar os livros que gostamos, ou para não gostar de nenhum, finalmente, e de repente, fazer o cientista em todos os livros … É uma coisa engraçada você se torna amargo … Você conhece o tipo de amargura do intelectual, ali, que se vinga dos autores por não ter conseguido encontrar aqueles que amava … Então … O ar de superioridade que ele tem por ser estúpido … Tudo isso é muito chato. Mas, você deve ter um relacionamento, no final, apenas com o que você gosta…”. Ninguém perde tempo ouvindo música que não gosta, filosofia é como música, não devemos perder tempo com aquelas que não nos atrai. “A filosofia faz parte da literatura e da arte em geral, dá exatamente as mesmas emoções”, mas apenas quando sentimos tocados pela ternura da escrita do pensador, porque vibramos com aquilo que toca nossa sensibilidade, com aquilo que nos atrai e nos compõe.

[Desenho de Nertan Silva-Maia, Gestando o conhecimento, obrigado meu amigo]

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