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  • cleverfernandes196

POR UMA VIDA NÃO-FASCISTA

Atualizado: 22 de fev. de 2021

Para nos imunizarmos do pensamento fascista precisamos saber o que é ele, pois como escreveu Humberto Gessinger, em sua Canção “Toda forma de poder”: “o fascismo é fascinante deixa a gente ignorante e fascinada”. Para não ficarmos nem ignorantes e nem fascinados o primeiro passo é compreender a dinâmica e as características do pensamento fascista. Para isso, apresentarei neste texto algumas pistas para identificarmos se já estamos colonizados por este tipo de pensamento ou ainda não. Por uma vida não-fascista é um título consagrado no mercado editorial de um livro que é coletânea de artigos, entrevistas, prefácios e ensaios do pensador francês Michel Foucault. Porém meu objetivo não é resenhar este livro, mas apresentar as ideias do pensador sobre o fascismo presente no prefácio que ele escreveu e denominou como “Introdução à vida não fascista”. Este prefácio foi publicado, em 1977, na edição estadunidense do livro Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Para Foucault este livro deleuze-guattariano é uma introdução à vida não fascista, nele os autores confrontam e combatem três adversários:

“1) Os ascetas políticos, os militantes sombrios, os terroristas da teoria, esses que gostariam de preservar a ordem pura da política e do discurso político. Os burocratas da revolução e os funcionários da verdade.

2) Os lastimáveis técnicos do desejo – os psicanalistas e os semiólogos que registram cada signo e cada sintoma, e que gostariam de reduzir a organização múltipla do desejo à lei binária da estrutura e da falta.

3) Enfim, o inimigo maior, o adversário estratégico: O FASCISMO. E não somente o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini – que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas -, mas o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora” (FOUCAULT, 2004, p.5)

Nossa luta por uma vida não fascista não é apenas contra as experiências históricas do fascismo, que no século XX foi vivenciado por muitos países, tais como: Itália (1922-1943), governada por Benito Mussolini (Il Duce); Alemanha (1933-1945), governada por Adolf Hitler (der Führer); Espanha (1936-1975), governada por Francisco Franco (El Caudillo); Portugal (1932-1968), governada por António de Oliveira Salazar; Brasil (1937-1945), governada por Getúlio Dornelles Vargas; França (1940-1944) durante a ocupação Nazista; África do Sul (1948-1994) durante o Apartheid; entre outros assustadores exemplos. As principais características do fascismo foram: o nacionalismo exacerbado, identificação de inimigos a destruir, o cerceamento das liberdades civis, o autoritarismo ordinário, um unipartidarismo prosaico, a perseguição aos movimentos de esquerda, a limitação aos direitos trabalhistas e o sexismo desenfreado. Evidente que essas características foram se consolidando paulatinamente, nenhum regime impõe tantas restrições da noite para o dia, ele vai se consolidando num processo gradativo, é no exercício do poder que as ditaduras se constroem. Mas, podemos afirmar que, a essência do pensamento fascista está no desejo de controle. Fascismo é poder de controle. Controlar a vida de todos nos mínimos detalhes: controlar o pensamento, controlar o corpo em suas múltiplas possibilidades, as biopolíticas fascistas buscam controlar a sexualidade (controle de natalidade, leis anti-aborto, repressão a homossexualidade). O fascismo é a máxima expressão da sociedade de controle. Mas não é só nas macro-políticas que temos o pensamento fascista, todos aqueles exemplos listados anteriormente são historicamente tipos do pensamento controlador, porém o fascismo que temos que combater é aquele que está dentro de nós. Todos nós somos fascistas, pois dormita em nosso coração e mente o pensamento fascista, o desejo de controlar a vida alheia. Se ficarmos atentos ao exercício da micropolítica, nas nossas múltiplas relações sociais, podemos perceber o pensamento fascista atuando o tempo todo: Nas relações familiares, nas relações escolares, nas relações pastorais, nas relações de trânsito, entre outras possibilidades. A grande questão é: como fazer para não nos tornarmos fascista? Como imunizar-se ou libertar-se dos discursos, atos e desejos do fascinante pensamento fascista? Para Foucault, “a arte de viver contrária a todas as formas de fascismo […] é acompanhada de um certo número de princípios essenciais“. Então, como nos ensinou Spinoza, “um pensamento é delimitado por outro pensamento” (Ética, I Parte, D.II), assim só podemos combater o pensamento fascista com outra forma de pensamento, e Foucault resumiu os princípios essenciais para edificarmos um pensamento antifascista necessário para uma vida não fascista, são eles:

“1. Libere a ação política de toda forma de paranoia unitária e totalizante;

  1. Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal;

  2. Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade;

  3. Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária;

  4. Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política;

  5. Não exija da ação política que ela restabeleça os direitos dos indivíduos, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é desindividualizar pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de desindividualização;

  6. Não caia de amores pelo poder”. (FOUCAULT, 2004, p.6).

A partir desta citação de Foucault podemos dizer que o pensamento antifascista deve ser um pensamento alegre, que privilegia a diferença, busca compreender os fluxos e os agenciamentos, é rizomático e nômade, e com este tipo de pensamento podemos neutralizar o desejo latente pelo poder, o delírio bastardo pela hierarquização, a busca frenética pela identidade em detrimento da diferença, a necessidade da divisão binária do mundo para suprimir a diversidade. Por uma vida não fascista é fundamental exercitar este tipo de pensamento, assim não cairemos na armadilha sedutora do fascismo. Entretanto, precisamos não apenas mudar nossa forma de pensar compreendendo os fenômenos sociais como realidades múltiplas, complexas, nômades e dinâmicas, mas é necessário que todas as formas de controle do corpo (biopolítica) e do pensamento (massificação cultural) sofram resistência por parte de quem não quer ser sufocado, assim, como disse Gilles Deleuze, “não nos cabe temer ou esperar, mas criar novas armas” para programar atos de resistências. Não há resistência ao fascismo numa sociedade de controle sem armas, e não é a esperança do verbo esperar que vai alimentar as lutas e resistências contra o pensamento fascista. Mas, uma esperança conjugada com a ação, a Esperança do verbo “esperançar”, que o professor Mario Sergio Cortella, em uma entrevista, faz a seguinte diferenciação, veja o que ele disse:

Como insistia o inesquecível Paulo Freire, não se pode confundir esperança do verbo esperançar com esperança do verbo esperar. Aliás, uma das coisas mais perniciosas que temos nesse momento é o apodrecimento da esperança; em várias situações as pessoas acham que não tem mais jeito, que não tem alternativa, que a vida é assim mesmo… Violência? O que posso fazer? Espero que termine… Desemprego? O que posso fazer? Espero que resolvam… Fome? O que posso fazer? Espero que impeçam… Corrupção? O que posso fazer? Espero que liquidem… Isso não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo. E, se há algo que Paulo Freire fez o tempo todo, foi incendiar a nossa urgência de esperanças”.

Como Cortella indica, sua ideia vem da insistente posição do grande educador brasileiro Paulo Freire para quem a esperança enquanto necessidade ontológica precisa da prática para tornar-se concretude histórica. Nesta perspectiva, só essa esperança ativa completa a prática libertadora, pois ela tem poder de transformação da realidade, ela é necessária, mas não é suficiente. A esperança do verbo esperançar é sinônimo de resistência. É dessa esperança que estamos precisando para lutar e resistir contra o pensamento fascista que tem ganhado força no Brasil. Então, por uma vida não fascista é necessária uma nova forma de pensamento, que consiga se desvencilhar das armadilhas do poder fascista, mas, não basta somente isso, é fundamental construir armas para lutarmos e resistirmos ao pensamento fascista e assim construirmos uma sociedade mais democrática, onde o pensamento é cultivado e não caçado ou aprisionado, a exemplo do projeto intitulado “escola sem partido”, que é expressão típica do controle do pensamento fascista.



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