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  • cleverfernandes196

O QUE VOCÊ QUERIA FAZER SE NINGUÉM PUDESSE TE VER?  

Os desejos terríveis, selvagens e socialmente desregrados perturbam a cabeça de muita gente. Mas, o que fazer com eles? O bom senso nos dirá, sem pestanejar: Tenha domínio de si, controle seus impulsos ou vais se arrepender amargamente. Essa orientação do bom senso é tudo o que não deseja ouvir os desejos tirânicos e descontrolados que como um turbilhão gira na cabeça de muitos seres humanos, atormentados por estes desejos selvagens. Afinal somos máquinas desejastes, máquinas controladas por uma engenhosa máquina social. É essa maquinaria coercitiva que possibilidade a nossa vida social, pois se não existisse essa maquinaria que freia estes desejos, e se as pessoas pudessem viver todos os seus selvagens desejos, estaríamos provavelmente num estado de selvageria. Existe uma força moral na vida e estão presentes em sentença controladoras, tipo a frase paulina, que diz: “tudo posso, mas nem tudo me convém”. A aceitação da liberdade, porém com uma reticência: posso tudo…, mas algumas coisas não são convenientes. Quem estabelece o que convém e o que não convém? Quem define o bem e o mal ou o que é bom e o mau? O certo é que quando nascemos essas regras já estão instituídas, já estão postas, e assim num processo de endoculturação vamos assimilando os valores sociais de nossa cultura, este processo acontece num movimento permanente, gradativo e indolor de interiorização. Permanente porque a cultura é dinâmica. Neste processo criamos uma consciência moral, internalizamos em nossa mente que certas coisas são convenientes e outras não, e rapidamente tomamos consciência que os nossos desejos selvagens não convém socialmente, por causa da nossa consciência moral não deixamos eles extravasarem e todos ficam reprimidos no mesmo lugar onde nasceram. Morrem no nascedouro, na verdade, ficam adormecidos até a próxima afecção despertar esse desejo selvagem. Eles são adormecidos, anestesiados e “controlados” por causa do medo da reprovação social. Mas o que faríamos se não existissem estes mecanismos de controle? Se fosse possível realizar os mais selvagens desejos subterrâneos? Como questiona o Capital Inicial, em sua música intitulada “Quatro vezes você”: https://m.youtube.com/watch?v=OM99O9zDjm0


“Rafaela está trancada há dois dias no banheiro

Enquanto a sua mãe

Toma prozac, enche a cara e dorme o dia inteiro

Parece muito, mas podia ser


Carolina pinta as unhas roídas de vermelho

Em vez de estudar

Fica fazendo poses nua no espelho

Parece estranho, mas podia ser


O que você faz quando

Ninguém te vê fazendo

Ou o que você queria fazer

Se ninguém pudesse te ver


Gabriel e a namorada se divertem no escuro

E o seu pai

Acha tudo que ele faz errado e sem futuro

É complicado, mas podia ser


Mariana gosta de beijar outras meninas

De vez em quando beija meninos

Só pra não cair numa rotina

É diferente, mas podia ser


O que você faz quando

Ninguém te vê fazendo

Ou o que você queria fazer

Se ninguém pudesse te ver”


Essa canção lança um questionamento muito antigo e, ao mesmo tempo, profundamente atual. O que você faz ou faria ou queria fazer se ninguém pudesse lhe ver? Platão já se debruçou sobre essa questão, perguntando sobre a justiça e as nossas ações justas, nos contou a seguinte história, em seu livro A República:


Giges era, vocês sabem, um pastor empregado do príncipe que reinava então na Lídia; depois de uma chuva abundante e de um tremor de terra, a Terra se abriu num ponto é um abismo se produziu no lugar do pasto. Vendo isto, cheio de surpresa, desceu ao abismo e, entre outras maravilhas, comuns nos contos, percebeu aí um cavalo de bronze, oco, com janelas que lhe permitiram, inclinando-se para o interior, ver que aí se achava um cadáver, de um tamanho que sobrepujava o de um homem e sem mais nada com ele do que um anel de ouro na mão; tendo retirado o anel, voltou à superfície. Ora, na época da reunião costumeira dos pastores, para apresentar ao rei um relato no que se refere aos rebanhos, ele chegou usando o anel em questão. Mas, uma vez estando com os outros, aconteceu-lhe de girar em direção de si, por acaso, o engate do anel dentro de sua mão. Ora, tão logo aconteceu isso, ele se tornou invisível para os que estavam sentados ao seu lado, que se puseram a falar dele como de alguém que tivesse ido embora. Surpreso com isso e, tendo recomeçado a tatear discretamente o anel, voltou o engate para fora e, uma vez que o girou, tornou-se visível novamente. Tendo refletido em seguida sobre isso, põe à prova a propriedade do anel e os resultados respondem à sua expectativa: quando gira para dentro o engate, torna-se invisível e visível quando gira para fora. Depois de ter assim reconhecido que o efeito era infalível, introduz-se na delegação que vai até o rei, e uma vez chegando ao palácio, seduz a esposa deste; depois, com a cumplicidade desta, ataca o rei, mata-o e se apossa do poder”.


Apesar dos limites narrativos dessa história, pois é assustador pensar que alguém pode ficar invisível numa roda de pessoas e simplesmente as pessoas na indiferença começam a falar dessa pessoa como se ela não estivesse ali. Poderíamos questionar, como assim Platão: É possível alguém ficar invisível e ninguém se assustar? E, a narrativa continua, acontece o oposto, que com certeza é tão assustador quanto a primeira. Não dá para imaginar, como alguém se torna visível repentinamente sem assustar ninguém. Mas, deixando para lá este tosco teste do anel de Giges, a questão central é que este homem reconhecido pelos seus pares como um pastor honesto e íntegro (um homem de bem), revela um lado sombrio quando conquistou este poder da invisibilidade. Quando percebe o que tem em mãos, seus desejos selvagens de poder e domínio afloram com toda força. E como ele podia fazer qualquer coisa, pois estava fora do alcance da maquinaria coercitiva, não titubeou e de forma macabra usando seu poder seduziu a rainha e, com a cumplicidade dessa, arquiteta a morte do rei. Coisa simples, já que poderia entrar e sair de qualquer lugar do palácio sem ser notado, estava com o anel da invisibilidade. Assim, por causa dessa força mágica sua sede de domínio e poder se revelou mais forte e maior, essa força instintiva sem sombra de dúvida é infinitamente maiores do que a suposta honestidade e integridade moral de Giges. A velha disputa entre instinto e instituições. Deleuze escreveu que “o instituto e a instituição são as duas formas organizadas de uma satisfação possível “, e que as instituições “impõe ao nosso corpo, mesmo em suas estruturas involuntárias, uma série de modelos, e dão à nossa inteligência um saber, uma possibilidade de prever e de projetar” (DELEUZE, A ilha deserta e outros textos, p.29 e 31); por outro lado, a força vital resiste e transgredi, mesmo que seja apenas nos desejos subterrâneos, ou nos sonhos noturnos que, segundo Freud, são onde conseguimos realizar estes desejos selvagens. Podemos voltar a questão inicial: o que faríamos se tivéssemos este anel? O que faríamos com aqueles desejos selvagens se pudéssemos nos esconder com a invisibilidade de Giges? Teríamos força para controlar os selvagens desejos tirânicos que são produzidos em nós, já que somos máquinas desejastes? Essas questões ficaram como questões, verdadeiras aporias filosóficas, ficaremos sempre na dúvida, pois existe uma impossibilidade objetiva de obter resposta para essa indagação filosófica. Vamos continuar possivelmente, por causa da maquinaria coercitiva, como os personagens da Canção do Capital Inicial:


Rafaela no banheiro;

Carolina com as poses nua no espelho;

Gabriel e a namorada no escuro;

Mariana beijando meninas e meninos

Só pra não cair numa rotina.


Mas, a grande questão da música é,


“O que você faz quando

Ninguém te vê fazendo

Ou o que você queria fazer

Se ninguém pudesse te ver”?

Ou seja, quem somos nós na solidão mais solitária?


Pense nos que você faria se ninguém pudesse lhe ver realizando seus desejos terríveis, selvagens e socialmente desregrados. Afinal, como canta Samuel Rosa, em Jackie Tequila:  “O bonde do desejo segue rumo. Caixa, bumbo e sexo”

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