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  • cleverfernandes196

NASCER É UM MILAGRE: DA FECUNDAÇÃO À VELHICE

NASCER é um milagre. É um acontecimento formidável que sempre provoca surpresa e admiração. Não é algo sobrenatural é naturalíssimo e por isso incrível. O nascimento se dá a partir de algo simples e frágil, basta o encontro do espermatozoide com o óvulo, isto é, tecnicamente “a fecundação humana ocorre quando o espermatozoide se funde ao óvulo e forma o zigoto. Essa formação ocorre no interior das trompas, onde o óvulo fecundado caminha, em seguida, em direção ao útero”. Temos neste acontecimento o fluir inicial da existência. A vida surge protegida, mas precisa de muito cuidado e delicadeza. Na verdade, se olharmos com atenção podemos perceber a fragilidade da vida. “Esta vida é tão pouca e pequena”, como canta divinamente Marina Lima. A breve e frágil vida acontece como um milagre, pois nossa existência é improvável frente a tantas coisas que podem eliminá-la logo na origem, mas, apesar de todas as possíveis adversidades, conseguimos sobreviver. Então, além de um milagre, viver é um ato de resistência e por isso é coisa para os fortes. Viver é muito perigoso, como já escreveu o grande mineiro Guimarães Rosa, e quando reconhecemos isso não tem como não celebrar cada instante que resistimos as múltiplas fatalidades. Todo dia é um renascimento e deveríamos comemorar nosso nascimento não só uma vez ao ano, pois precisamos celebrar a vida a todo momento. É imprescindível reconhecer a força que temos para resistir contra as adversidades naturais, vírus, bactérias e parasitas, que tentam eliminar nossa vitalidade, e que felizmente vamos lentamente adquirindo imunidade corporal; e, por outro lado, temos as adversidades sociais, toda sorte de violência urbana, toda corrupção e impunidade, que provoca desanimo e sensação de impotência, também gradativamente vamos ganhando imunidade contra os canalhas que encontramos pela vida. Como disse anteriormente, a vida é para os fortes e precisamos de muita coragem para continuarmos vivos, pois viver é sempre um risco de perdermos a vontade de continuar vivendo. Além dessas duas forças externas que precisamos vencer para preservarmos nossa existência, temos uma luta interior contra nosso temperamento, contra o desânimo e apatia. Dessa luta interna só consegue vitória quem cultiva algum tipo de vida interior ou espiritual. Espiritualidade não significa ter uma religião, mas o certo é que sem vida espiritual não é possível viver, contudo ter uma vida espiritual não significa participar de ritualismo religioso vazio. Ter vida espiritual é o exercício do autoconhecimento, conhecer a si mesmo para não se tornar presa fácil da depressão, da angústia profunda, da falta de sentido do existir. Quem se conhece cuida de si, busca com a maior segurança possível, apesar da incerteza da vida, escolher o melhor rumo para a existência, pois a vida é feita de escolhas de projetos de felicidade. Não existe um projeto pronto, um destino pré-fabricado, da mesma forma que não existe um sentido da vida, o importante é definir quais os sentidos estamos atribuindo a nossa existência tão breve. Afinal, as grandes questões da vida são: qual a vida que merece ser vivida? O que queremos ser na vida? A todo instante somos impelidos a responder essas questões, escolhendo e buscando os caminhos que consideramos apropriados. Nessa busca é fundamental escolher não só a vida possível, mas a vida que para cada um merece ser vivida com intensidade. Para chegarmos na velhice e sentirmos uma alegria pura. Na velhice a vida não é mais projeto, pois os projetos da velhice são diferentes da fase inicial da vida. Nessa idade da vida, conquistamos a liberdade. Na velhice nós já somos, “não há mais suscetibilidades, não há mais decepções fundamentais. Estamos muito mais desinteressados. Amamos as pessoas de fato pelo que elas são. Acho que afina a percepção… eu as vejo melhor, porque olho para alguém pelo que ele é, quase como se eu quisesse carregar comigo uma imagem dele, um percepto ou tirar da pessoa um percepto. Tudo isto torna a velhice uma arte. Os dias passam numa velocidade impressionante com a escansão, a fadiga. A fadiga não é uma doença, é outra história”, nos diz Deleuze no seu Abecedário. É na velhice que se confirma o milagre da vida, pois nem todo mundo é forte o suficiente para superar todas as adversidades da existência. “A velhice é uma idade esplêndida … não é um sentimento de triunfo, mas chegou lá. Chegou lá em um mundo cheio de guerras, de vírus malditos e tudo o mais. Mas conseguiu atravessar tudo isso, os vírus, as guerras e todas estas porcarias. Esta é a hora em que só há uma coisa: ser! O velho é alguém que é. Ponto final… Ele adquiriu o direto de ser”, afirma o filósofo francês, numa bela explanação do ser idoso no mundo. Nada de lamentações sobre as limitações da vida. A velhice é a idade da sobriedade, é o milagre da vida.

Referências:

DELEUZE, Gilles. O abecedário de Deleuze. Disponível em: http://stoa.usp.br/prodsubjeduc/files/262/1015/Abecedario+G.+Deleuze.pdf

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