Vinte anos depois do falecimento do filósofo francês Gilles Deleuze temos em mãos um novo livro dele publicado em Paris, em 2015, pela editora Minuit, e no Brasil, em 2018, pela N-1 Edições. Agora no conjunto da produção filosófica de Deleuze temos cinco livros montados como coletâneas de textos, sendo que dois foram organizados pelos próprio filósofo, são eles: “Conversações”, publicado em 1990; e “Crítica e Clinica”, publicado em 1993; e os outros três organizados pelo pesquisador David Lapoujade. As duas primeiras obras póstumas foram intituladas “A ilha deserta e outros textos”, publicado em 2002; e “Dois regimes de loucos textos e entrevistas”, publicado em 2003. Para maioria dos estudiosos e curiosos do pensamentos deleuziano, essas duas obras já tinham selecionados todos os artigos, ensaios, entrevistas, palestras dignos de publicação, pois o primeiro livro reuniu os textos do período de 1953 a 1974, e o segundo os textos de 1975 a 1995, ano da morte do pensador, assim parecia que não existia mais nada significativo da produção deleuziana que seria publicado. Mas, em 2015, David Lapoujade lançou um terceiro livro intitulado “Cartas e outros textos”, essa obra divide-se em três blocos: I. Cartas; II. Desenhos e textos diversos; e III. Textos de Juventude. Ao contrário das outras obras póstumas, essa nova obra não tem um ensaio inédito que nomeou a coletânea, nela o carro chefe são as cartas do Deleuze. A primeira vista, os leitores de obras filosóficas podem pensar que essas cartas selecionadas são do gênero das cartas filosóficas, comum na história da filosofia, pois existe uma tradição epistolar significativa com cartas densas e explicativas de pontos do sistema de pensamento do filósofo escritor. Um bom exemplo dessa tradição são as 83 cartas publicadas do Spinoza, nelas existem intenção deliberada do pensador para explicar algumas questões ou problemas levantados por um interlocutor. Assim, mesmo não sendo uma produção pública, essas cartas foram escritas intencionalmente e quando ganham a dimensão pública, numa organização tipo livro, elas contribuem na compreensão do sistema filosófico do pensador. Entretanto, lendo as cartas deleuzianas, é visível que elas não transcendem o caráter privado, elas foram escritas sem nenhuma intensão de serem publicadas. Além disso, existe uma revelação do próprio organizador que Deleuze não atribuía nenhuma importância filosófica as suas cartas e nem as que recebeu, por isso, não arquivou nenhuma das cartas recebidas. Sendo assim, para que e por que publicar essas cartas? Já que o próprio autor não considerou essas cartas como parte de sua produção filosófica. A maioria das cartas publicadas nesse livro tocam em miudezas não importantes para o sistema de pensamento produzido pelo pensador. Podemos colocar em parenteses apenas as cartas dirigidas a Félix Guattari, essas são interessantes, pois nos deparamos com um fértil debate sobre a gêneses do livro o Anti-Édipo. Além dessas cartas, outros dois textos relevantes são a longa transcrição da entrevista inédita de Deleuze e Guattari para Raymund Bellour, e o curso sobre Hume (1957-1958), foram pontos fortes da organização, mesmo não sendo diferentes daquilo que já foi publicado em outras obras deleuziana. No fundo, mesmo essas cartas a Guattari, a Entrevista e o Curso, são mais do mesmo para quem conhece o conjunto dos livros publicados até hoje. Sei que não sou o único a ficar perplexo com essa publicação que pouco ou quase nada acrescentou a compreensão do sistema de pensamento do Deleuze. Desta forma, podemos questionar: em que medida devemos ou como devemos pensar essas cartas?Qual a importância dessa publicação para o conjunto das obras deleuzianas? Caso não consigamos respostas para essas e outras questões, podemos suspeitar que o que temos nessa “nova” publicação são apenas textos e ideias requentadas com duplo interesses: comercial e de tietagem “filosófica’.
cleverfernandes196
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