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  • cleverfernandes196

A VIDA, O RITMO E O MEIO.

A vida é um acontecimento incrível e universal, vivida de forma singular, mas os universalistas/nominalistas não conseguiam compreender como algo pode ser, ao mesmo tempo, universal e singular, para eles isso era uma grande contradição. Entretanto, a universalidade da vida pode ser compreendida nessa proposição deleuzeana: “Uma vida está em toda parte, em todos os momentos que tal ou tal sujeito vivo atravessa e que tais objetos vividos medem: vida imanente levando os acontecimentos ou singularidades que não fazem mais que se atualizar nos sujeitos e nos objetos” (A imanência: uma vida). Assim, participamos todos da vida, mas cada um imprime nela o seu ritmo entre o nascimento e a morte. Deleuze escreveu que “os recém-nascidos são atravessados por uma vida imanente que é pura potência, até mesmo beatitude em meio aos sofrimentos e às fraquezas” (A imanência: uma vida). A vida nos atravessa totalmente, porém, muitas pessoas vivem preocupadas apenas com os extremos da e na vida, isto é, sempre se importam mais com o início e o fim das coisas e por isso, muitas vezes, se alegram e festejam o começo, se entristecem e choram o fim, em outras situações temos a inversão, mas, em algumas circunstâncias festejam o início e o fim. Assim, elas têm uma vida dedicada e centrada na luta pelo começo ou recomeço, ou na espera do fim, fim do trabalho, da semana, do mês e do ano, jurando que o início ou reinício será sempre diferente. As velhas promessas de fim de ano, ou do aluno que afirma sempre que o próximo semestre ou ano letivo será totalmente diferente. Vida triste, pois o melhor da existência humana não está no início, o nascimento é um instante significativo, mas mais importante é a própria vida em seu fluir diário. Deleuze pensando  a partir das obras do dramaturgo Carmelo Bene nos revela algo extraordinário, ele escreveu o seguinte: “Carmelo Bene diz que é besteira se interessar pelo começo ou pelo fim de qualquer coisa, pelos pontos de origem ou de término. O interessante nunca é a maneira pela qual alguém começa ou termina. O interessante é o meio, o que se passa no meio, o que se faz nesse meio. As pessoas sonham frequentemente em começar ou recomeçar do zero; e também têm medo do lugar aonde vão chegar, de seu ponto de queda. Pensam em termos de futuro ou de passado, mas o passado, e até mesmo o futuro, é história. O que conta, ao contrário, é o devir: devir-revolucionário, e não o futuro ou o passado da revolução“. O importante não está no fim ou no começo, o mais importante é o que fica no meio destes extremos. Pouco importa o dia do nosso nascimento ou de nossa morte, o significativo é o que vamos fazer neste “entre” uma coisa e outra. Deleuze cita uma forte frase de Bene que diz: “não chegarei a lugar nenhum, não quero chegar a lugar nenhum. Não há chegadas. Não me interessa aonde uma pessoa chega. Um homem pode também chegar à loucura. O que isto quer dizer?“. E, este grande filósofo francês, segue afirmando “é no meio que há o devir, o movimento, a velocidade, o turbilhão. O meio não é uma média, e sim, ao contrário, um excesso. É pelo meio que as coisas crescem“. O meio é o local das intensidades. A vida é o meio, é o “entre”. Achei fantástica, interessante e potente esta ideia de Carmelo Bene. Saber viver o meio da vida independente do seu fim. Temos que aproveitar cada instante, pois não sabemos qual será o fim mesmo, por isso podemos e devemos colocar nossa atenção no meio, mas isso não significa viver pela metade, viver o meio é viver intensamente o devir que acontece no meio da vida. O fluxo está no meio, o melhor e o mais importante da e na vida acontece no meio das coisas que realizamos, não é no passado e muito menos no futuro. A vida se dá no meio, entre o passado e o futuro, entre o início e o fim. E o que fazemos neste meio do viver? Vivemos. E, podemos dizer acompanhando o filósofo Emmanuel Levinas, a vida acontece nas ações banais da existência. Ele escreveu: “O homem que come é o mais justo dos homens […] Respiramos por respirar, comemos e bebemos por comer e beber, abrigamo-nos por nos abrigar, estudamos para satisfazer nossa curiosidade, passeamos por passear. Tudo isso não é para viver. TUDO ISSO É VIVER. VIVER É UMA SINCERIDADE. O mundo que se opõe ao que não é do mundo é o mundo que habitamos, onde passeamos, onde almoçamos e jantamos, onde fazemos visitas, vamos à escola, discutimos, fazemos experiências e pesquisas, escrevemos e lemos livros; é o mundo de Gargantua e de Pantagruel e de Mestre Gaster, primeiro Mestre de Artes do mundo, e também o mundo onde Abraão fazia pastar seus rebanhos, Isaac cavava poços, Jacó construía sua casa, Epicuro cultivava seu jardim e onde ‘cada um está à sombra de sua figueira e de sua vinha‘” (Da existência ao existente). A vida é tudo isso descrito por Levinas, ela é uma singularidade, pois cada um tem seu ritmo de viver. E para Deleuze, a ritmicidade é uma espécie de sentido do ritmo natural, decifrar este ritmo é o desafio da vida. Encontrar o ritmo em tudo que fazemos. Não comemos, dormimos, falamos, bebemos, pensamos e sentimos no mesmo ritmo. Cada um tem sua ritmicidade em tudo na vida. A ritmicidade, e o que seria isso, é exatamente perceber o momento que estamos vivendo, é entender o tempo da vida,  isto é, qual o nosso momento para nos lançarmos nas ondas do viver. Ou quando não devemos nos lançar nessas ondas. Cada um precisa descobrir, qual o momento exato para surfar nas ondas. Quando conseguimos acertar o movimento adequado vem sempre a sensação da estranha e sublime felicidade do viver. Neste momento, ficamos aproveitando aquele instante de leveza e suavidade, mas a fluidez da vida impõe e imprime seguir o ritmo. O tempo não para, como diz o poeta. E, aqueles instantes que estamos, flutuando na crista da onda, podemos ser surpreendidos quando as ondas da vida nos batem, nos quebram no meio, tomamos um caldo e somos arrastados, elas nos carregam,  como se não soubéssemos nadar, ou como se não pudéssemos apenas mergulhar através dela escapando da turbulência do movimento ondulatório. A vida acontece nesse movimento ondulatório, tem momentos que estamos na crista da onda, em outros, somos lançados no mais profundo abismo. A questão é que precisamos nos sintonizar com as ondas de nossas vidas, e assim sentir o gosto suave dessa estranha felicidade do viver. Tudo é questão de  ritmicidade, ou seja, encontrar o ritmo da e na vida entre o seus extremos. O ritmo é tudo. Quando uma pessoa encontra seu ritmo o céu será o limite. Podemos correr e nadar, ler e estudar, ouvir e cantar, falar e escrever, entre outras ações de forma intensa dentro do nosso ritmo, e tudo isso acontece no meio da existência. O começo e o fim estão ligados ao ritmo que vamos dar ao viver, e quem pode definir um limite em nossa vida não são as ondas externas, mas nossa ritmicidade intrínseca.

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