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  • cleverfernandes196

“A VERDADE NÃO SE DÁ, SE TRAI”

Existe uma visão comum que acredita que a filosofia, como amiga da sabedoria, se preocupa com a verdade, e o filósofo naturalmente tem uma predisposição pelo conhecimento verdadeiro, Aristóteles mesmo dizia que “todos os homens, por natureza, desejam saber“. Entretanto, essa visão naturalista e romantizada pode ser questionada, pois, as pessoas não querem a verdade, a verdade se impõe, ela é um ato involuntário. Essa ideia de que o filósofo é o amigo da sabedoria operacionaliza com duas variáveis irreais: primeiro não pensamos movidos por uma boa vontade natural e, segundo, não pensamos porque temos um método apropriado que nos faz pensar de forma clara e distinta. Ou seja, não pensamos por conta própria, só pensamos quando somos forçados, violentados, provocados, instigado. Assim, não é porque supostamente nascemos amantes do saber que pensamos. Na verdade, de acordo com Deleuze, “Proust considerava que a amizade é zero [no Philos de Philosophia]! Não só por conta própria, mas porque não há nada a se pensar na amizade. Mas pode se pensar sobre o amor ciumento. Esta é a condição do pensamento“. O pensar, como o sentir ciúme, é involuntário. Ninguém pensa por vontade própria, pensar não é um ato de boa vontade, e nem um resultado do uso adequado de um método bem elaborado, que indica os passos para o pensamento correto. O pensamento é um acontecimento em nós. O ciumento não pensa na possível traição da amada por vontade própria, ele é provocado por algo, Deleuze diria por um signo, que o força a pensar. Após o acontecimento que violenta o pensamento, e que provoca o movimento do pensar, não tem volta, a pessoa ciumenta que foi desterritorializada não tem mais escolha, sua paz foi roubada e involuntariamente vai surge um fluxo de coisas em sua mente, agora por necessidade ela precisa buscar a verdade. Por isso, o pensar torna-se uma condição de necessidade, e “pensar o necessário é pensar em termos de forças“. “Ela leva a pensar“, pois “há sempre a violência de um signo que nos força a procurar, que nos rouba a paz“. O signo é o motor do pensar, provoca a busca do sentido deste signo. Ele é sempre signo de um outro, que convoca o esforço de decifração do desconhecido. Assim, essa busca pela verdade se impõe, a verdade não é transparente, ela só vem a luz com a busca num esforço de decifração. O ciumento precisa e “quer interpretar, decifrar, traduzir, encontrar o sentido do signo” que lhe tirou do estado natural de estupor, de tranquilidade. Ele estava tranquilo e em paz apenas com seu celular em mão vendo fotos da amada, contemplando sua beleza, de repente percebe numa foto um dedo, um dedo estranho, não é dela. Este dedo é o signo, o dispositivo que o coloca em ação. Ficará horas tentando decifrar o enigma do dedo até descobrir a verdade. Ele, depois de muita tempo de investigação, lembrou que resolveu tirar um foto da amada com seu celular da tela do computador e aquele dedo era o seu dedo. Você pode até dizer que isso é doentio, sim, verdade, mas não esqueça pensar não é natural podemos dizer que pensar é uma doença, que nos tira do estado natural de tranquilidade, de paralisia, de estupor, de satisfação. Como afirma Deleuze insistentemente, “só procuramos a verdade no tempo, coagidos e forçados“, pois, a verdade é filha do tempo, da temporalidade necessária para o exercício da interpretação, decifração, tradução, encontro do sentido do signo que provocou o pensar. Assim, a relação do pensar com a ação do ciumento é emblemática, pois quando somos afetados por algum signo iniciamos uma investigação não voluntaria, mas necessária. É a ânsia pela verdade que movimenta o pensamento, como disse Deleuze: “a verdade não se dá, se trai; não se comunica, se interpreta; não é voluntária, é involuntária“. Mas, mesmo sendo involuntária, a verdade quando vem a luz nos liberta da violência inicial que nos roubou a paz. “Buscar a verdade é aprender”, é pensar e “só há pensamento involuntário, suscitado, coagido no pensamento, com mais forte razão é absolutamente necessário que ele nasça”como aprendizado (Deleuze, Diferença e Repetição).

Agradeço ao amigo e colaborador Nertan Silva-Maia pela ilustração intitulada “É VERDADE ESSA FLOR”, sigam ele no Facebook e Instagram .

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